Migalhas de Peso

Uberização do trabalho

As relações de trabalho evoluem no compasso da evolução social, o novo modelo de trabalho, mediado por algoritmos, gera diversos impactos na sociedade, necessitando de estudo, pesquisa e debates.

4/8/2023

INTRODUÇÃO 

O mundo já passou por  diversas revoluções industriais, iniciando na Inglaterra, em meados do século XVIII, com a máquina a vapor e a precarização das relações de trabalho, a segunda ocorreu a partir de 1850, com o advento da locomotiva, e da utilização de energia elétrica, caracterizada pelos modelos taylorista e fordista; a terceira revolução Industrial ocorreu em meados do Século XX, com a aplicação de novas tecnologias ligadas a informação, desenvolvimento da eletrônica, computadores, com a aplicação e desenvolvimento da robótica e da automação das atividades industriais,  a quarta revolução, a qual possui característica diferenciada por sua velocidade de transformação da sociedade e do mundo do trabalho, destacando-se pelo neologismo uberização, para fazer referência a todas as pessoas que conseguem seu sustento, intermediadas por aplicativos, entre elas, os motoristas de transporte de passageiros, objeto do presente estudo. Mas, importante salientar que velozmente, caminhamos para a 5a revolução industrial, que promete empresas  comprometidas com o impacto positivo na sociedade, as chamadas empresas ESG,que será objeto do próximo artigo.

As tecnologias disruptivas invadiram o cenário global, de forma rápida e irreversível, rompendo padrões, transformando a vida em sociedade, as relações humanas, a forma como as empresas conduzem seus negócios, a vida dos trabalhadores.

Alguns trabalhadores, sentindo-se lesados com a tese empresarial de mera intermediadora entre o usuário e o motorista, ingressaram com ações judiciais, em todos os continentes, visando o reconhecimento de vínculo empregatício e os consequentes direitos trabalhistas decorrentes do vínculo de emprego.

O foco de estudo é a uberização típica, aquela que se refere aos motoristas que obtém sua renda pelo trabalho direcionado por algoritmos, transportando pessoas e ainda pequenos objetos.

2- UBERIZAÇÃO E AS NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO

As novas tecnologias avançam velozmente a cada dia, e com ela advém novos moldes dentre as relações sociais e de trabalho, consideradas modernização para uns e precarização de direitos para outros, atingindo a dignidade humana.

Frequentemente, trabalhadores substituem espaços de trabalho formais por trabalhos intermediados por aplicativos, plataformas digitais, o que tem se acentuado  em razão do desemprego e dificuldade de inserção ao mercado de trabalho, maximizando a ‘’uberização’’ que já não mais se refere apenas aos motoristas de aplicativos, mas tornou-se um neologismo que identifica todas as formas de trabalho ou de renda, intermediadas por plataformas digitais, como o aplicativo de entrega de alimentos, produtos farmacêuticos, supermercado e também a nova forma de locação temporária denominada Airbnb.

A uberização do trabalho traz muitas interrogações e incertezas quanto a ser ou não um trabalho autônomo, quanto a ser ou não uma forma de trabalho que traz dignidade aos trabalhadores. O ministro do STF - Supremo Tribunal Federal - Dias Toffoli, conceituou:

Auberização é uma forma paralela de atuação e funcionamento econômicos, à margem dos controles do Estado1

Atualmente, a empresa Uber está disponível em 69 países do mundo e possui um total de cinco milhões de pessoas que disponibilizam sua força de trabalho, entre estes, os brasileiros correspondem a um milhão2. A empresa iniciou as atividades no Brasil em 2014, por ocasião da Copa do Mundo, e atualmente está presente em mais de 500 cidades do país.

2.2 -  CONFLITOS JUDICIAIS

No ano de 2016, surgiram alguns conflitos judiciais e as decisões dos Magistrados, inicialmente, não reconheciam vínculo empregatício, pois segundo o contrato social da Uber Brasil, a empresa não realiza o transporte, somente dispõe da tecnologia, sendo mera plataforma digital de economia partilhada, a qual executa o intermédio entre motoristas e usuários, assim, os motoristas são identificados como ‘’parceiros’’ que dividem proventos3.

No entanto, o processo n° 001135934.2016.5.03.0112, que tramitou pela 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, um motorista saiu vitorioso com o reconhecimento do vínculo de emprego em primeira instância, entretanto, a empresa Uber recorreu da decisão e obteve êxito em segundo grau, cujo acórdão declarou os pedidos improcedentes, sob o argumento de que o acervo probatório não fundamentava a conclusão de existência de vínculo de emprego, vez que ausentes os requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, legitimando o aplicativo como somente ‘’ferramenta de trabalho’’ com ausência de subordinação jurídica4.

Em posicionamento contrário, temos o exemplo do processo 0011710-15.2019.5.15.0032, cuja decisão da 6ª Turma - 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região - São Paulo, reconheceu vínculo empregatício entre um motorista e a empresa Uber, em que o acórdão citou um processo que tramitou na 67ª Vara do Trabalho de São Paulo, n° 1001906-63.2016.5.02.00675, com reconhecimento de todos os requisitos do contrato de trabalho entre motorista e Uber, assim, entenderam que ocorreu simulação e tentativa da empresa em descaracterizar o contrato de trabalho, identificando requisitos do contrato de trabalho, como a pessoalidade, no fato das empresas realizarem entrevistas com os candidatos a motoristas, exigir-lhe a entrega de certos documentos, a imposição de obediência a regras pré-estabelecidas, como o poder diretivo do empregador e subordinação, e também o descadastramento unilateral.

Curioso notar que, no Brasil, a empresa Uber tem adotado estratégia a fim de coibir a formação de jurisprudência que lhe seja desfavorável, realizando acordos trabalhistas, com extinção do contrato do trabalho, somente em segunda instância, e  emprego, quando o processo é sorteado para Turmas que já reconheceram o vínculo de emprego em processos pretéritos6.

O fato de vislumbrar a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício, e para interromper o julgamento, impedindo também os precedentes judiciais que poderão se tornar jurisprudência contrária aos seus interesses, a empresa se apressa em conciliar-se com o motorista, dias, muitas vezes horas antes do julgamento do caso em segunda instância7.

O  Desembargador João Batista Martins César, em processo de sua relatoria, considerou que mais grave que a avaliação acerca da legalidade, ética, e boa-fé da estratégia adotada pela empresa, é de se levar em conta a suas consequências sociais, ao dirigir a jurisprudência em um único sentido, trazendo um verdadeiro simulacro de que a Justiça não reconhece vínculo de empregados com seus motoristas, e com isso desestimulando-os a buscar o judiciário quando sentem-se lesados em seus direitos, o que não deixa de ser, em certo viés, um ataque a liberdade de acesso à Justiça e à dignidade da pessoa humana:

Tirando a legalidade ou ilegalidade da estratégia, bem como a ética da conduta, e ainda a questão da boa-fé objetiva e subjetiva, o que se está a questionar é a sua utilização com a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem8

Em todos os países em que há o alcance da plataforma , há o questionamento das relações de trabalho correspondentes e suas possíveis consequências jurídicas.

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