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Um novo olhar sobre os riscos contratuais

Mais do que uma melhora nos padrões de conformidade, o que se apresenta é um novo horizonte para os negócios públicos e privados.

5/7/2023

A análise de riscos em contratos públicos e privados está ganhando novas dimensões. Ações de responsabilidade social de instituições públicas e privadas já há muito fundamentais, hoje decorrem de disposições legais crescentemente mais rígidas. Essas normas impactam a análise de riscos, a gestão e viabilidade financeira de contratos e negócios públicos e privados.

Se antes a adoção de programas e a realização de ações para combater o racismo ou promover a equidade de gênero, por exemplo, eram consideradas opcionais, paulatinamente passam a ser obrigações empresariais e governamentais.

Hoje focaremos na análise de riscos a partir da equidade de gênero. Em nossa próxima coluna, falaremos sobre as ações afirmativas de equidade racial nas compras públicas e financiamentos junto a estatais.

No último dia 3 de abril, foi promulgada a lei 14.540/23. Ela instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital, municipal e instituições privadas delegatárias de serviços públicos. Descumprir essa norma se soma aos riscos trabalhistas e de reputação das instituições.

O programa tem três princípios fundamentais: prevenção e combate ao assédio sexual e outros crimes sexuais, capacitação dos funcionários públicos para lidar com essas questões e criação de campanhas educativas para combater qualquer forma de violência sexual. Portanto, a lei tem como objetivo proteger os direitos das mulheres vítimas de assédio.

Exemplo positivo nessa área é a cidade de Salvador. Lá existe um programa semelhante criado antes mesmo da aprovação da lei federal.

Embora as leis relacionadas à igualdade de gênero ainda estejam em desenvolvimento, a lei 14.540/23 representa um passo importante nessa direção.

A tendência de trazer garantias protetivas às mulheres também é evidente na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Ali, o “desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho” é critério de desempate (que depende de regulamento). Também se foca nas vítimas de violência doméstica, pois o edital poderá destinar percentual mínimo de mão se obra a elas. Na 8.666/93, a prática era prevista apenas para oriundos ou egressos do sistema prisional – homens, em sua grande maioria.

Afora as normas já editadas, há inúmeros projetos de lei. Dentre eles, destaca-se o PL 1.085/13, que tramita em urgência no Senado e prevê igualdade salarial de homens e mulheres para o exercício da mesma função, com sanções para o caso de descumprimento.

Atualmente, além das questões éticas, empresas públicas e privadas têm a obrigação legal de promover a igualdade de gênero e combater a violência contra as mulheres. Essa preocupação não é apenas uma questão moral. É também uma obrigação comercial e jurídica. Empresas que adotarem uma abordagem preventiva evitam   riscos e aumentam suas chances de fazer negócios com o governo.

A lei 14.540/23 ainda precisa ser regulamentada, dispondo de detalhes sobre as medidas que as empresas privadas devem adotar. Participar e opinar na regulamentação por vir é uma boa oportunidade para as empresas alinharem-se às exigências governamentais e aprimorarem desde já seus métodos de combate às desigualdades de gênero.

Afinal, antes mesmo da regulamentação, as empresas já correm riscos se não se conformarem aos novos padrões e exigências. O desacordo com padrões de equidade de gênero, traz passivos com potencial de influenciar negativamente a participação de privados em contratações públicas, bem como em obter financiamentos.

Conselheiros, diretores e gerentes que se anteciparem a essa questão desempenharão um papel estratégico. Poderão servir como exemplos de bom engajamento na agenda ESG, que oferece princípios e diretrizes para mitigar riscos sociais – como adotar políticas de diversidade e inclusão, garantir condições de trabalho justas e respeitar os direitos humanos.

Mais do que uma melhora nos padrões de conformidade, o que se apresenta é um novo horizonte para os negócios públicos e privados.

Maís Moreno
Advogada da banca Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados e atua em Direito Administrativo e Regulatório.

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