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Responsabilidade dos consumidores sobre as instalações de gás de seus imóveis no estado do Rio de Janeiro

É primordial que a população conheça suas responsabilidades e saiba a quem recorrer em caso de emergência.

21/6/2023

Sendo o fornecimento de gás canalizado um serviço essencial e com potencial para causar acidentes graves em caso de vazamento ou defeito nos aparelhos a gás, revela-se primordial o conhecimento da população acerca das diferentes responsabilidades na cadeia de consumo e sobre quem deve ser acionado em caso de emergência.

Nesse sentido, é importante esclarecer que, desde 1997, o serviço público de distribuição de gás canalizado no estado do Rio de Janeiro é prestado por empresas privadas através do regime de concessão. E, no intuito de regular a concessão do serviço, o governo do estado editou o decreto 23.317, de 10 de julho de 1997, que aprovou o Regulamento de Instalações Prediais e o Regulamento dos Serviços de Medição e Faturamento dos Serviços de Gás Canalizado, sendo esta a principal norma que rege a distribuição de gás canalizado no estado, em conjunto com os Contratos de Concessão e as Condições Gerais de Fornecimento.

O Regulamento de Instalações Prediais – RIP definiu o limite entre as responsabilidades das concessionárias, dos usuários/consumidores e condomínio edilícios, tendo como parâmetro o aparelho medidor (relógio) utilizado para medir o consumo de gás das unidades.

Foi definido que todo o trecho da tubulação localizada entre o medidor de gás e os pontos de consumo da unidade imobiliária, como, por exemplo, fogão e aquecedor, é de responsabilidade do usuário do serviço. Esta tubulação é denominada ramificação interna ou secundária. Importante observar, portanto, que o consumidor não responde apenas pela tubulação dentro de sua residência, mas sim desde o medidor, muitas vezes instalado no térreo ou nos pavimentos dos edifícios.

Por outro lado, as Concessionárias são responsáveis pela manutenção e conservação de toda a tubulação de gás compreendida desde o logradouro público até o medidor.

Estes conceitos estão expressamente previstos no Regulamento de Instalações Prediais – RIP, o qual não deixa margem para dúvidas quanto à responsabilidade do consumidor/proprietário sobre as ramificações internas, conforme se depreende da leitura de seus itens 29 e 47, abaixo transcritos:

Item 29. As ramificações internas são de responsabilidade do proprietário, o qual deverá providenciar para que sejam mantidas em perfeito estado de conservação”.

Item 47. A conservação das ramificações internas compete ao proprietário, que só poderá modificá-las mediante prévia consulta à Concessionária.

De igual forma dispõem as Condições Gerais de Fornecimento de Gás, em sua cláusula 5ª, que é de obrigação do cliente/usuário providenciar as instalações internas e equipamentos aptos para a utilização segura do gás:

“CLÁUSULA 5ª - OBRIGAÇÕES DO CLIENTE: (i) Providenciar, exclusivamente por sua conta, instalações internas, ambientes e equipamentos aptos, nos termos da legislação e normas técnicas vigentes para a utilização segura do gás;”

Noutro giro, conforme disposto nos Contratos de Concessão, as Concessionárias são responsáveis tão somente pela distribuição de gás canalizado, tendo o dever de interromper o serviço por medida de segurança, caso seja detectado escapamento ou alguma inadequação na instalação que a torne insegura.

É o que se depreende, por exemplo, da leitura da cláusula quarta, §6º do Contrato de Concessão da Concessionária CEG, responsável pela distribuição de gás canalizado na capital e demais municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, senão vejamos:

“CLÁUSULA QUARTA – OBRIGAÇÕES DA CONCESSIONÁRIA

A CONCESSIONÁRIA obriga-se a prestar serviço adequado, visando sempre o expandir, acompanhando o desenvolvimento tecnológico mundial, mantendo-se permanentemente atualizada e obrigando-se, ainda, a utilizar equipamentos, instalações e métodos operativos que garantam os melhores níveis de segurança, qualidade, continuidade e confiabilidade do serviço, bem como mantendo recursos humanos adequadamente habilitados.

(...)

§6º. A CONCESSIONÁRIA só poderá prestar serviço de gás depois que as instalações do consumidor sejam aprovadas pelas autoridades competentes. Além disso, é facultado à CONCESSIONÁRIA recusar o serviço ou interrompê-lo toda vez que considere que essa instalação ou parte dela, seja insegura, inadequada ou inapropriada para receber o serviço, ou que interfira com a continuidade ou qualidade do serviço.”

Assim, caso um usuário detecte um vazamento de gás em sua unidade, deverá comunicar imediatamente a Concessionária, que comparecerá ao local para interromper o fornecimento por medida de segurança.

Ato contínuo, o usuário deve contratar, às suas expensas, uma empresa particular especializada do ramo gasista cadastrada no SINDISTAL para sanar o escapamento de gás ou efetuar reparos em seus equipamentos e/ou instalações, comunicando a conclusão dos reparos à Concessionária, que restabelecerá o fornecimento, caso não identifique mais qualquer risco à segurança.

Imperioso destacar que muitos usuários confundem quais providências devam ser tomadas, quando se deparam com inadequações nas ramificações internas. Possivelmente por se tratar de um produto altamente inflamável, não raro os usuários se equivocam ao contatar as concessionárias para reparar seus equipamentos ou sanar escapamento de gás, não se atentando para as responsabilidades dispostas expressamente na legislação ou acreditam que não devem arcar com tais despesas.

Uma simples analogia com o serviço de distribuição de energia elétrica pode solucionar a questão. É de conhecimento geral que, quando um usuário identifica um curto-circuito em alguma fiação da residência ou até mesmo em eletrodomésticos ou lâmpadas, não se deve contatar a concessionária de distribuição de energia elétrica para sanar os defeitos, mas sim contratar um eletricista particular.

Da mesma forma, ao se identificar escapamento ou defeito nos equipamentos a gás, o usuário deve contratar uma empresa especializada do ramo gasista, mas jamais solicitar o conserto à Concessionária, que apenas distribui gás à população, e não possui tal incumbência.

Depreende-se, diante do acima mencionado, que a Concessionária não está autorizada a realizar reparos nas instalações internas de gás nas unidades imobiliárias de seus usuários, tendo em vista que esse serviço não se encontra abarcado pelo Contrato de Concessão, sendo, portanto, ônus exclusivo do consumidor.

O RIP ainda determina que o consumidor deve regularmente efetuar a manutenção nos aparelhos a gás a cada dois anos, de acordo com o disposto no item 59 abaixo transcrito, a fim de evitar danos futuros e, assim, garantir a segurança do uso de gás natural em suas instalações:

Item 59. A cada dois anos os aparelhos a gás devem ser regulados e revisados, a fim de sanar qualquer defeito que ponha em risco a segurança do consumidor.

Não se pode deixar de consignar o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre a reponsabilidade dos usuários pelas ramificações internas.

O TJ/RJ vem, reiteradamente, entendendo pela reponsabilidade dos usuários no que tange à conservação e manutenção das ramificações internas dos seus imóveis.

A 16ª câmara Cível do TJ/RJ (atual Quinta Câmara de Direito Público), no julgamento do recurso de apelação 0010543-97.2017.8.19.0087, proferiu acórdão sobre o tema, mantendo a sentença que julgou improcedentes os pedidos autorais formulados pelo autor consubstanciados na obrigação de fazer de reparar o vazamento de gás e indenização por danos morais. Neste caso, o acórdão destacou que, de acordo com a ordem de serviço produzida no atendimento de emergência realizado, restou evidente que havia escapamento de gás nas ramificações internas do imóvel, sendo estas, de responsabilidade do usuário, de acordo com o item 29, do Regulamento das Instalações Prediais de gás canalizado – RIP, aprovado pelo decreto 23.317/97, cabendo o ônus do reparo ao próprio consumidor, senão vejamos:

“Por outro lado, na ordem de serviço constante do indexador 000227, relacionada ao atendimento de urgência requerido pelo demandante, consta informação de escapamento de gás maior que cinco litros por hora no ramal interno, a ensejar a suspensão imediata do fornecimento, por medida de segurança, bem como a advertência de que a responsabilidade pelo reparo é do usuário. Cabe salientar que, de acordo com o item 29, do Regulamento das Instalações Prediais de Gás Canalizado – RIP, aprovado pelo decreto 23.317/97, “As ramificações internas são de responsabilidade do proprietário, o qual deverá providenciar para que sejam mantidas em perfeito estado de conservação”. In casu, identificado o vazamento na ramificação interna pela equipe técnica da ré, o restabelecimento do serviço depende da iniciativa do próprio consumidor em promover os consertos necessários, salvo demonstração inequívoca de que o defeito decorreu de fato atribuível à ré ou à empresa a ela vinculada, quer seja pela identificação equivocada do ramal do qual se originou a irregularidade, quer seja em razão de eventual inadequação das instalações realizadas no imóvel quando do início do abastecimento, o que não ocorreu. Nesse sentido, à luz dos elementos probatórios carreados não se pode alcançar convicção suficiente no sentido da existência de falha da demandada, sendo impositiva a manutenção da r. sentença vergastada. (...) ”1

De igual forma, a 7ª câmara Cível do TJ/RJ (atual 4ª câmara de Direito Público), nos autos do processo tombado sob o nº 0001375-82.2010.8.19.0001, também proferiu acórdão sobre o mesmo tema, prestigiando a sentença que julgou improcedentes os pedidos autorais formulados com base na responsabilidade do proprietário quanto à conservação e manutenção das ramificações internas, senão vejamos:

“No caso dos autos, restou comprovado que a suspensão do fornecimento de gás para o apartamento do autor, com a aposição de um lacre na saída do medidor, se deu por medida de segurança devido a ré ter detectado um vazamento de gás maior que 5 litros. Diante da situação de risco decorrente da constatação do vazamento de gás, mostra-se correta a atuação da prestadora do serviço e, portanto, o corte em si não se mostrou ilícito. A lei 8.987/95, em seu art. 6º, ao tratar do princípio da continuidade do serviço, considera legítima a interrupção do serviço motivada por situações de ordem técnica e segurança das instalações. (...) Conforme o disposto no art. 29, do decreto 23.317/97, do Estado do Rio de Janeiro “As ramificações internas são de responsabilidade do proprietário, o qual deverá providenciar para que sejam mantidas em perfeito estado de conservação” Dispõe ainda o art. 47 do mesmo decreto que “A conservação das ramificações internas compete ao proprietário, que só poderá modifica-las mediante prévia consulta à Concessionária.”  (...) A instrução processual revelou que após solicitação da parte autora, um preposto da empresa ré foi ao local e, após constatar o vazamento, descontinuou o serviço em razão do risco que se apresentava. Nesse momento a parte autora teve ciência do problema e deveria ter efetivamente buscado uma solução junto a um profissional da área técnica. Não há, diante da prova produzida, prova de comportamento ilícito por parte da empresa ré capaz de justificar o acolhimento do pedido de indenização por dano moral. (...)”2

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, muitas vezes não é possível avaliar o limite de responsabilidades com as provas existentes nos autos, de modo que há o entendimento sobre a necessidade de extinção do feito por necessidade de perícia, a fim de seja identificado a quem confere a responsabilidade pelo trecho da tubulação discutida na demanda.

Assim, a 2ª turma Recursal do Estado do Rio de Janeiro, no recurso inominado tombado 0007311-86.2018.8.19.0008, proferiu a súmula de julgamento neste sentido, externando seu entendimento no voto de julgamento reproduzido parcialmente adiante:

“A sentença merece reforma, pois verifico ser necessária a realização de perícia técnica para, em juízo de certeza, ser analisada a razão da interrupção do serviço de gás, já que a ré alega que a interrupção teria se dado por culpa da autora que não teria realizado a correta manutenção da tubulação de gás interna de sua residência. Assim, negar à parte autora a possibilidade de comprovação do vício na prestação de serviço do réu ou ao réu a prova de que o vício decorre de conduta da própria autora importaria violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5ª LV da CRFB/88. Ante o exposto, VOTO no sentido de reconhecer de ofício a incompetência do juizado especial cível, ante a necessidade de perícia, e JULGAR EXTINTO O FEITO, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 51, II, da lei 9.099/95. Sem ônus sucumbenciais porque não verificada a hipótese prevista no art. 55 caput da lei 9.099/95.”3

Desta forma, pode-se concluir que, em eventual necessidade de manutenção ou reparos nas ramificações internas dos imóveis abastecidos pelo serviço de gás encanado, a obrigação pela contratação de empresa especializada e o custeio do reparo são de responsabilidade única e exclusiva do usuário/consumidor, conforme preconiza o Regulamento de Instalações Prediais – RIP, aprovado pelo Decreto nº 23.317/1997, não estando a Concessionária autorizada a reparar as instalações internas, sendo este ônus exclusivo do consumidor.

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TJ/RJ - APL: 0010543-97.2017.8.19.0087, Relator: Des. MAURO DICKSTEIN, Data de Julgamento: 7/4/22, 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/4/22.

TJ/RJ - APL: 0001375-82.2010.8.19.0001, Relator: Des. CLÁUDIO BRANDÃO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 4/8/21, 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/9/21

TJ/RJ - RI: 0007311-86.2018.8.19.0008, Relator (a): ELISABETE FRANCO LONGOBARDI, Data de Julgamento: 28/1/19, 2ª TURMA RECURSAL, Data de Publicação: 31/1/19

Deborah Bento
Advogada.

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