O Metaverso e o seu surgimento
Embora não pareça, o metaverso não é um conceito idealizado recentemente, sendo certo que embora tenha ocorrido um leve esfriamento do tema nos trending topics internacionais por conta do recente boom das inteligências artificiais, o tema se mantém vivo e em estudos constantes. O Metaverso é um espaço virtual onde as pessoas podem interagir, criar conteúdo e até mesmo ganhar dinheiro por meio de atividades como jogos, vendas de produtos digitais e serviços.
O termo “metaverso” foi criado em 1992 por Neal Stephenson em seu livro “Snow Crash”, que descreve um mundo virtual compartilhado por milhões de usuários. Entretanto, a ideia de um espaço realmente virtual “compartilhado” remonta à década de 1970, com o desenvolvimento dos primeiros jogos de computador em rede, ou seja, os verdadeiros metaversos surgiram com os famosos jogos multiplayers (jogadores conectados à internet podem interagir em um mesmo ambiente por meio do jogo).
Nos anos seguintes, os jogos online evoluíram para incluir mundos virtuais complexos (abertos), com a criação de jogos como “Second Life” e “World of Warcraft”. Tais franquias de games permitiam aos usuários criar personagens (avatares), interagir com outros jogadores e até mesmo possuir e gerenciar “ativos digitais”, que na época não possuíam valor de mercado expressivo.
Com o tempo, o conceito do metaverso foi se expandindo para além dos jogos e se tornou um espaço para atividades comerciais e sociais. Tal fenômeno social gerou a criação de empresas como a Decentraland e Somnium Space que construíram seus próprios metaversos nos quais os usuários podem comprar, vender e possuir propriedades digitais, bem como interagir com outros usuários em eventos e festas virtuais, replicando no “mundo virtual” as mesmas interações possíveis “no mundo real”.
Embora o metaverso (na forma como conhecemos) ainda esteja em seus estágios iniciais, é valido dizer que, indiscutivelmente, a tecnologia avança hodiernamente em uma velocidade supersônica. Superado o teor metafórico do termo supersônico, mas sem ignorar o fato a que se expõe, pode-se dizer que a tecnologia se desenvolve, cada vez mais, em um ritmo quase que exponencial. Neste sentido, inclusive, afirma Thomas Friedman – em evento “Amcham Brasil”, realizado no ano de 2018 – que: “A tecnologia está evoluindo mais rápido do que a capacidade humana”, justificando a recente ascensão das inteligências artificiais.
Com relativa queda nos rankings de discussão por conta do recente boom das inteligências artificiais, mas sendo influenciado por elas e com o significativo avanço tecnológico e a alta adesão populacional a realidade virtual do metaverso, questiona-se; o Brasil está preparado para aderir a uma espécie de sistema de tributação digital? É fato de que se trata de uma pergunta que já levanta questões legais complexas, especialmente em relação ao direito de propriedade e a tributação de ativos digitais no ambiente virtual.
Em relação à propriedade, uma das principais questões consiste na lacuna sobre quem é o detentor da propriedade sobre os ativos digitais no metaverso. Veja que as empresas criadoras dos metaversos não estão sujeitas a regulamentações específicas sobre o tema. Embora os usuários possam comprar, vender e “possuir” propriedades e ativos digitais, as leis ainda não estão claras sobre como esses direitos de propriedade se aplicam ao ambiente virtual.
Em termos de tributação, a principal questão é como os governos podem tributar atividades comerciais ou outras tributáveis no metaverso, como a venda de produtos digitais ou serviços. A tributação de criptomoedas, sendo frequentemente usadas no metaverso, também é um desafio, já que muitos países ainda engatinham na regulamentação desta nova forma de moeda digital.
Um grande desafio que afeta tanto as criptomoedas quanto as atividades no metaverso é a dificuldade de fiscalização e rastreamento, o que abre lacunas para a prática de sonegação e outras ilegalidades, como ocultação de patrimônio ou sonegação de impostos. Por isso, é importante que as autoridades tributárias estejam atentas a esses desafios e desenvolvam mecanismos eficazes de fiscalização e regulação para garantir a licitude e a transparência nas atividades puramente digitais.
Ainda neste sentido, outra questão importante é a regulamentação da atividade econômica no metaverso. Como o ambiente virtual é frequentemente usado para atividades comerciais, é importante ser realizada uma adequação no Código de Defesa do Consumidor, bem como a criação de medidas que garantam a segurança das transações financeiras, impedindo que o metaverso se torne uma espécie de Darkweb contemporânea.
Em termos globais, com exceção do recente “acordar” dos serviços de Inteligência Artificial, o surgimento do metaverso foi uma das mais entusiasmadas e disruptivas evoluções da economia digital dos últimos anos, pois gerou, para alguns, uma espécie de gamificação da vida humana. Embora ainda haja muitas questões a serem resolvidas em relação à propriedade, tributação e regulamentação do metaverso, é importante que os governos, órgãos reguladores como a Receita Federal e especialistas em direito, trabalhem juntos em um debate que vise garantir um ambiente seguro e justo para os brasileiros nos ambientes digitais.
A tributação sobre operações no metaverso
Com o avanço da tecnologia e o surgimento do metaverso contemporâneo, entramos em uma nova era digital e isso traz consigo muitas questões jurídicas a serem discutidas. Uma dessas questões é a tributação sobre o metaverso, sendo imperioso o debate sobre como as operações realizadas por meio dele serão tributadas.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que, no Brasil, a tributação sobre renda e patrimônio é regulamentada pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional. No entanto, a legislação foi criada antes da existência do metaverso e não prevê especificamente como essa nova forma de economia digital será tributada.
Uma das principais questões a serem analisadas é se o metaverso deve ser considerado um espaço físico ou virtual. Se for considerado um espaço físico, “um imóvel digital” pode ser tributado como qualquer outro bem imóvel, sujeito a impostos como IPTU e ITBI. No entanto, desaconselhamos essa abordagem, pois o metaverso não possui uma localização física definida e pode ser acessado de qualquer lugar do mundo.
A título de exemplo, imaginemos uma empresa americana, que crie um metaverso na Polônia e o hospede em servidores de Portugal. Nesse contexto, imagine que um russo crie um objeto arquitetônico chamado de “imóvel digital” que é posteriormente comprado por um brasileiro durante uma viagem ao Japão.
Onde a transação efetivamente ocorreu? Quem é competente para fiscalizar e tributar a transação? Havendo um conflito, qual o país será competente para dirimir uma lide?
Essas são questões complexas que exigem uma análise criteriosa. Em primeiro lugar, a transação ocorreu virtualmente no metaverso, mas envolveu pessoas físicas ou jurídicas de diferentes países e ativos digitais que podem estar armazenados em servidores localizados em países distintos. A tributação dependerá de diversos fatores, como a localização dos bens, as leis fiscais aplicáveis em cada país e o tipo de transação envolvida.
No exemplo dado, é possível que a empresa americana tenha que cumprir com obrigações fiscais na Polônia ou em Portugal, dependendo das leis fiscais desses países. Além disso, o russo que criou o “imóvel digital” pode estar sujeito a tributação em seu país de residência. Já o comprador brasileiro pode estar sujeito a tributação no Brasil, dependendo do valor e das circunstâncias da transação.
Em caso de conflito entre as partes envolvidas na transação, a questão pode ser resolvida por meio da arbitragem (se ela tiver sido pactuada), ou, em último caso, por meio de um processo judicial. Se o processo judicial for necessário, o país competente dependerá de uma série de fatores, como as leis aplicáveis, a localização dos bens e das partes envolvidas, e o tipo de disputa. Em geral, os tribunais brasileiros têm jurisdição sobre litígios envolvendo residentes brasileiros ou bens localizados no Brasil, mas cada caso deve ser analisado individualmente.
Por outro lado, se o metaverso for considerado um espaço puramente virtual, a tributação pode ser mais complexa. Em nossa visão, considerando o atual momento legislativo (as leis existentes), o metaverso deve ser tributado com base em sua receita gerada por meio de atividades comerciais, como a venda de produtos ou a prestação de serviços. Essa abordagem pode ser semelhante à tributação de empresas que operam no mundo físico ou mesmo em analogia ao tratamento dado aos criptoativos.
No entanto, outras questões devem ser consideradas, como a identificação dos proprietários de ativos digitais no metaverso, a tributação de transações financeiras realizadas no metaverso e a tributação de ganhos de capital em criptomoedas ou outros valores obtidos no metaverso.
Além disso, é importante lembrar que a tributação sobre o metaverso deve ser equilibrada e justa, garantindo que os impostos sejam cobrados proporcionalmente ao lucro gerado. Portanto, é necessário criar uma legislação específica que considere as particularidades desse novo ambiente digital.
As transações em NFT’s realizadas no metaverso.
Os NFTs (non-fungible tokens ou tokens não fungíveis) são ativos digitais que representam a propriedade exclusiva de um item na blockchain. Eles podem ser usados para comercializar obras de arte, ingressos, jogos, colecionáveis e outros bens virtuais ou até mesmo físicos. No entanto, a tributação dos NFTs no Brasil ainda é uma questão em aberto, pois não há uma legislação específica sobre o tema.
Uma possível forma de tributar os NFTs seria seguir as regras aplicáveis aos criptoativos, em geral, conforme a Instrução Normativa 1888/19 da Receita Federal e analogamente o teor da lei 14.478/22. Assim como as criptomoedas, os NFTs deveriam ser declarados no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ou da Pessoa Jurídica (IRPJ), se o valor de aquisição for igual ou superior a R$ 5 mil. Além disso, os ganhos de capital obtidos com a venda ou permuta de NFTs seriam tributados à alíquota progressiva de 15% a 22,5%, se o valor das operações superar R$ 35 mil em um determinado mês.
Outra possibilidade seria enquadrar os NFTs como direitos autorais ou conexos, se eles representarem obras intelectuais protegidas pela lei 9.610/98. Nesse caso, os rendimentos decorrentes da cessão ou licenciamento de NFTs seriam tributados na fonte à alíquota de 15%, conforme o artigo 685 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/18). Além disso, os NFTs deveriam ser declarados como bens e direitos no IRPF ou IRPJ.
Além disso, menciona-se ainda que, em se tratando da tributação das NFT's, vê-se que a lei 14.478/22 – Marco regulatório das Criptomoedas, não somente estabelece diretrizes a serem observadas na prestação e serviços ativos virtuais e regulamenta as prestadoras desses serviços, mas objetiva regular todo o mercado de “criptoativos” e traça, inclusive, conceitos basilares do que são ativos virtuais, de modo que, indiscutivelmente, repercutirá ainda mais.
Neste sentido, a problemática consiste na ausência de abrangência dos Tokens não fungíveis (NFT's) pela lei, fato que já supõe a possíveis edições a ainda embrionária legislação. Em contrapartida, e, em síntese, a legislação estabelece as diretrizes para a prestação dos serviços virtuais, segundo parâmetros que deverão ser elaborados por um órgão que regulará a sistemática, definido pelo Poder Executivo e que deverá preservar os princípios da livre concorrência, transparência nas operações e, principalmente, a segurança de dados pessoais amparados pela lei Geral de Proteção de Dados.
Por fim, resume-se que a legislação acima apontada, vêm, indiscutivelmente, para contribuir com o cenário tecnológico-legal, regular e acompanhar a demonstrada ascensão tecnológica, entretanto, carece da disposição quanto às NFT's e, outrossim, o governo vigente, por “herança” do anterior, necessita definir um órgão regulador que realizará a fiscalização e colocará, portanto, em plena execução.
Conclusão
Conclui-se, portanto, que o ambiente virtual do metaverso pelo seu caráter disruptivo e por ser influência direta da também ascensão das Inteligências artificiais, continuará causando cada vez mais influências econômicas, repercutindo expressivamente no aumento dos acontecimentos tributários, modificando o status quo e, indubitavelmente, demandando diversas alterações e adaptações em nosso ordenamento pátrio.
Deste modo, ante a inquestionável influência digital na sociedade vigente e seus impactos econômicos/tributários, fato é que ouviremos muito falar sobre a inclusão destas pautas na tão discutida reforma tributária, para combater, como exemplo, alguns dos supramencionados desafios, consolidando o futuro, com o que tem de mais atual. Ao fim e ao cabo, há de confirmar que a ascensão do metaverso e da tecnologia em geral no ambiente do Direito, é uma curva sem volta e o horizonte, ao que parece, é promissor e otimista.