O art. 93, IX, da Constituição Federal estabelece que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Isso quer dizer que o órgão judicante não pode se valer de presunções ou de opiniões pessoais para deferir ou indeferir requerimentos remetidos ao juízo pelas partes envolvidas em um processo judicial. Dessa forma, para que a prestação jurisdicional seja efetiva, é indispensável que o magistrado demonstre a sua convicção pessoal a respeito do caso concreto que lhe é apresentado.
Nesse sentido, o art. 489 do CPC dispõe que uma decisão judicial deve conter três elementos: o relatório, a fundamentação e a conclusão. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, ao aplicar a técnica da fundamentação per relationem ou por referência, tem admitido que a parte não decisória da estrutura da decisão judicial, ou seja, o relatório possa ser substituído pelos argumentos utilizados pela parte adversa ou pelos fundamentos contidos em decisão judicial pretérita.
Sendo assim, quando o magistrado aplica a técnica da fundamentação per relationem, a parte da estrutura decisória da decisão judicial, ou seja, a fundamentação e a conclusão devem ser lastreadas através de argumentos próprios do juiz:
“Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da validade da "utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, desde que a matéria haja sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios" (RHC 94.488/PA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª turma, julgado em 19/4/18, DJe 2/5/18) - (AgRg no HC 780.317/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª turma, julgado em 8/11/22, DJe de 16/11/22.)”
Portanto, a aplicação da técnica da fundamentação per relationem não deve substituir a fundamentação e a conclusão da decisão judicial, uma vez que essas duas etapas da estrutura decisória dizem respeito ao princípio do livre convencimento motivado, em que o juiz deve formar a sua crença de maneira personalíssima e fundamentada.
No julgamento do RHC 178.384/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/5/23, DJe de 19/5/23 foi anulada ordem de busca e apreensão de decisão judicial que utilizou exclusivamente da representação proposta pelo Ministério Público para fundamentar as duas etapas finais da estrutura decisória:
“Ainda que se reconheça a adoção da técnica de fundamentação per relationem, não há como subsistir a decisão que, de fato, faz referência aos fundamentos da representação do Ministério Público estadual, mas não apresenta argumentos próprios que demonstrem sua convicção a respeito do caso concreto que lhe é apresentado, providência exigida pela jurisprudência deste Superior Tribunal para o cumprimento do dever de fundamentação das decisões judiciais.
Recurso provido para anular a decisão que decretou a medida de busca e apreensão nos autos 1005860-82.2022.8.26.0037, devendo ser anuladas, identificadas e desentranhadas as provas dela decorrentes da citada ação penal pelo Juízo de conhecimento.”
Em outro caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, que julgou recurso Ministerial, que vindicava a aplicação da técnica da fundamentação per relationem, a eminente Ministra Relatora, Laurita Vaz, desproveu o recurso apresentado pelo Ministério Público, pois entendeu que a ausência de motivação autônoma da decisão judicial que rejeitou as preliminares arguidas pela defesa perante o Tribunal de Apelação não se compatibiliza com a técnica da fundamentação per relationem. Confira trechos do voto exarado no AgRg no HC 632.485/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, 6ª turma, julgado em 22/3/22, DJe de 28/3/22:
“No mais, registro que o Tribunal de origem, por ocasião do julgamento do recurso de apelação, refutou as preliminares apresentadas pela Defesa nos termos a seguir transcritos (fl. 14):
"2. Rejeito as preliminares e o faço com os corretos argumentos do ilustre Procurador de Justiça, Dr. Cláudio Barros Silva, entendendo desnecessária a sua reprodução aqui."
Ocorre que, embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admita que o Julgador se utilize da transcrição de outros alicerces jurídicos apresentados nos autos para embasar as suas decisões – técnica denominada fundamentação per relationem –, ressalta a necessidade também de apresentação de argumentos próprios, ainda que sucintos, sobre as razões de suas conclusões.
No caso, como se observa da transcrição supra, a Corte local, ao julgar o apelo defensivo, limitou-se a referir-se ao parecer ministerial para refutar as preliminares arguidas, sem acrescentar motivação autônoma, o que não está de acordo com o entendimento desta Corte Superior.”
Independentemente da matéria abordada pelo juízo criminal, quando a decisão judicial é fundamentada exclusivamente em argumentos utilizados por uma das partes litigantes, sem qualquer acréscimo pessoal do magistrado, a justificar suas razões de convencimento, haverá constrangimento ilegal caracterizado pela deficiência na fundamentação e na conclusão da decisão judicial que autoriza eventual medida invasiva de restrição de privacidade ou de liberdade.
No julgamento do RHC 153.471/SP, Relator Ministro Olindo Menezes, 6ª turma, julgado em 14/12/21, DJe de 1/2/22, foi reconhecido o constrangimento ilegal por deficiência na fundamentação de decisão judicial que deferiu a quebra do sigilo bancário lastreada exclusivamente na representação feita pela autoridade policial e no parecer Ministerial, sem qualquer acréscimo do órgão judicante:
“Constata-se constrangimento ilegal se a decisão que determina a quebra do sigilo bancário e fiscal do recorrente, da sua empresa e dos corréus, faz referência à fundamentação empregada pelo autoridade policial e no parecer do Ministério Público, sem oferecer nenhum acréscimo pessoal, em termos de tempo, lugar, agentes e circunstâncias dos fatos da causa de pedir, em ordem a afastar a garantia constitucional (art. 5º, X - CF).
Recurso em habeas corpus provido para reconhecer a nulidade da quebra do sigilo bancário e fiscal, desentranhando-se as provas relacionadas na ação penal originária e nas unificadas.”
Em linhas gerais, quando a decisão judicial é proferida sem esforço argumentativo do magistrado, a técnica da fundamentação per relationem não pode ser empregada, pois o art. 93, IX, da Constituição Federal estabelece que as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade.
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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Lei 13.105 , de 16 de março de 2015.
AgRg no HC 780.317/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/11/22, DJe de 16/11/22.
RHC 178.384/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª turma, julgado em 16/5/23, DJe de 19/5/23.
AgRg no HC 632.485/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, 6ª turma, julgado em 22/3/22, DJe de 28/3/22.
RHC 153.471/SP, Relator Ministro Olindo Menezes, 6ª turma, julgado em 14/12/21, DJe de 1/2/22.
AgRg no RMS 65.097/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª turma, julgado em 10/8/21, DJe de 16/8/21.
AgRg no HC 762.630/RS, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJ/DF), 6ª turma, julgado em 13/3/23, DJe de 16/3/23.
AgRg no AREsp 2.098.863/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª turma, julgado em 8/11/22, DJe de 16/11/22.
AgRg no REsp 1.831.982/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª turma, julgado em 20/3/23, DJe de 23/3/23.
RHC 94.488/PA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª turma, julgado em 19/4/18, DJe de 2/5/18.
RHC 171.601/SC, relator Ministro Moura Ribeiro, 3ª turma, julgado em 22/11/22, DJe de 24/11/22.
ARE 742212 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, 1ª turma, julgado em 2/9/14, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG 08-10-2014 PUBLIC 09-10-2014.