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Judiciário, meio ambiente e imprensa livre

É essencial a atuação do Poder Judiciário para a proteção ao meio ambiente, com transparência e critérios de mensuração.

9/6/2023

No dia 5 de junho foi comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente e no dia 7 de junho do Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Alguma relação entre as duas datas? Os fatos permitem responder a esta pergunta. Em 5 de junho de 2022, o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips foram mortos na região amazônica do Vale do Javari, enquanto viajavam para entrevistar líderes indígenas e ribeirinhos. Um estudo preliminar do Observatório de Violações da Liberdade de Imprensa na Amazônia indicou que, desde as mortes de Bruno e Dom, foram registrados 62 casos de ataques contra jornalistas na Amazônia1.

Em verdade, este fato emblemático evidencia a necessidade de mais segurança a jornalistas e respostas à violência na Amazônia Legal. Está nítido, também, a percepção das pressões fundiárias que geram luta pela terra e a atividade de grupos criminosos que se inserem nesse contexto.

Qualquer tentativa de solução destes problemas exige compreender e repensar a proteção ambiental a partir de sua intrincada malha antropológica, social e econômica.

É, portanto, essencial a atuação do Poder Judiciário para a proteção ao meio ambiente, com transparência e critérios de mensuração, como nos dois exemplos citados a seguir.

O primeiro exemplo vem da magistratura.

A AMB - Associação de Magistrados do Brasil, por seu Centro de Pesquisas Judiciais2, em parceria com o CNJ, iniciou em 2022 a elaboração da pesquisa “A atuação jurisdicional nos crimes relacionados ao meio ambiente”. O trabalho tem como objetivo mapear e analisar as cadeias de lavagem de bens e capitais decorrentes de crimes ambientais.  Para tanto, estão sendo sistematizadas informações de atores e de processos judiciais de crime ambiental, a fim de compreender como tem ocorrido a atuação jurisdicional no tema e mapear as cadeias de financiamento de desmatamento, garimpo, pesca, caça e crimes ambientais em geral. Entender as atividades que conectam e alimentam os fluxos de capitais que promovem o desmatamento e quais são os atores envolvidos será um dos pontos fulcrais do estudo, que será concluído no início do segundo semestre.

Em uma leitura econômica, a inobservância do direito ao meio ambiente pode ser lucrativa, mensurada e calculada com valor de mercado. Se realizada dentro da lei e dos parâmetros do mercado regular, a exploração econômica do meio ambiente é internacionalmente estabelecida, por exemplo, a partir da criação dos mercados de carbono, normatizados desde o Protocolo de Kyoto e previstos no Brasil pela lei 12.187/09, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima e prevê estímulo ao desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE. Sua regulamentação está sendo discutida pelo PL 412/22, em trâmite no Congresso Nacional3.

Fora do mercado regular, no entanto, existe um alto fluxo de capital direcionado a atividades criminosas ambientais, com destaque ao desmatamento e à mineração, que deve ser vigorosamente combatido. É estimado que o crime ambiental esteja entre os crimes mais lucrativos do mundo, gerando cerca de US$ 110 a 281 bilhões em ganhos a cada ano, conforme relatório global do Financial Action Task Force (FATF)4. Para esse retorno financeiro, demanda também um grande aporte de capital e de maquinário industrial, como dragas e escavadeiras na atividade de mineração ilegal, assim como tratores e estruturas de financiamento bancário.

O segundo exemplo de inserção do Judiciário no tema é da Corregedoria Nacional de Justiça..

Em abril do presente ano, a Corregedoria Nacional de Justiça editou, por meio do Provimento 144/23, o Programa Permanente de Regularização Fundiária urbana e rural na Amazônia Legal e instituiu a Semana Nacional de Regularização Fundiária – “Solo Seguro”5.  A regularização fundiária é formada por um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, com a finalidade de integrar assentamentos irregulares urbanos e rurais ao contexto legal – portanto, regularizando-os. As irregularidades fundiárias incluem, por exemplo, a irregularidade dominial, que ocorre quando o possuidor ocupa uma terra pública sem qualquer título que lhe dê garantia jurídica sobre a posse, daí a necessidade de postura ativa de cartórios de registro de imóveis no Programa.

O objetivo da Corregedoria Nacional é o enfrentamento da grilagem de terras públicas, o fortalecimento da governança fundiária responsável da terra, visando à superação dos conflitos fundiários, à promoção da justiça, ao acesso à terra, à proteção ambiental, à publicidade e à segurança jurídica. Ao mesmo tempo que o título da a propriedade, ele dá  ao proprietário a responsabilidade sobre sua terra.

A Semana “Solo Seguro” ocorrerá na última semana de agosto, em todos os Estados da Amazônia Legal, ocasião em que serão realizados esforços concentrados de atos de regularização fundiária, entregas de centenas de títulos aos requerentes, seminários e encontros com registradores de imóveis e magistrados encarregados do julgamento de questões fundiárias.

Em uma época em que as gerações mais jovens contestam judicialmente a inação do Estado para mitigar as externalidades derivadas das atividades criminosas ambientais, bem como em que há um crescimento dos mecanismos de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG, no inglês), tem se observado uma tendência de aumento dos casos de litigância climática.

No Brasil, a ADO 54, está na pauta de julgamentos do Supremo Tribunal Federal e alega omissão de agentes públicos brasileiros na tarefa de combater o desmatamento, buscando sua responsabilização pela perda de recursos financeiros internacionais para o combate ao desmatamento outrora destinados ao Fundo Amazônia.

Também se encontra na pauta o julgamento da ADPF 760, que alega “graves e irreparáveis lesões a preceitos fundamentais, decorrentes de atos comissivos e omissivos da União e respectivos órgãos públicos federais, inclusive mediante abusividade administrativa, que impedem a execução da política pública existente e há anos aplicada para o combate efetivo ao desmatamento na Amazônia Legal e à emergência climática”.

Em âmbito internacional, em 2022, jovens cidadãos da Suécia pleitearam judicialmente uma ação concreta do Poder Judiciário perante a corte distrital de Estocolmo alegando inação daquele Estado frente às mudanças climáticas. É a nova geração, titular do direito intergeracional ao meio ambiente, batendo às portas do Poder Judiciário.

Diante da tendência de crescimento dos casos de litigância climática, é fundamental que o Judiciário se atente aos fluxos econômicos, sociais e antropológicos que cercam essa temática, para dar uma melhor e mais completa resposta às gerações atuais e futuras.

______

1- Disponível aqui.

2- Disponível aqui.

3- Disponível:  =https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151967

4- FINANCIAL ACTION TASK FORCE. FATF REPORT: Money Laundering from Environmental Crime. Jul. 2021. Disponível aqui.

5- Disponível aqui.

Luis Felipe Salomão
Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Corregedor Nacional de Justiça. Membro da Corte Especial do STJ. Presidente da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil.

Caroline Somesom Tauk
Juíza federal no RJ. Mestre em Direito Público (UERJ). Doutoranda em Direito Civil (USP). Visiting Shcolar em Columbia Law School (NY/EUA). Coordenadora da Especialização em Direito Digital da Escola Nacional de Formação de Magistrados - ENFAM.

Daniela Pereira Madeira
Juíza Federal (TRF-2) e Juíza Auxiliar na Corregedoria Nacional de Justiça

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