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O juiz e os autos do processo

Para que o juiz exerça o encargo de pacificação social o Estado estabelece obrigações para as partes, consistente uma delas na formação dos autos do processo, ferramenta na qual são expostos os fatos do litígio para apreciação e deliberação do julgador. É providência burocrática, mas indispensável à transparência do serviço judiciário e onde se conta com o perigo de prevalência de nítido formalismo exacerbado a contrapor com informalismo arbitrário.

7/5/2007


O juiz e os autos do processo

Antonio Pessoa Cardoso*

Para que o juiz exerça o encargo de pacificação social o Estado estabelece obrigações para as partes, consistente uma delas na formação dos autos do processo, ferramenta na qual são expostos os fatos do litígio para apreciação e deliberação do julgador. É providência burocrática, mas indispensável à transparência do serviço judiciário e onde se conta com o perigo de prevalência de nítido formalismo exacerbado a contrapor com informalismo arbitrário.

À formalidade excessiva, que não encontra o direito material em tempo razoável, justifica-se a prática da informalidade processual, desde que respeitados os direitos fundamentais das partes na conquista da solução justa para a demanda.

Os autos do processo são compostos de peças e documentos juntados pelas partes, tais como petição inicial e contestação; atas, mandados, certidões, ofícios, editais, etc., preparados pelo cartório; despachos e sentença de autoria do julgador; outros papéis, sem a menor utilidade, podem engrossar o caderno no qual o juiz procederá a estudos para firmar seu convencimento.

Já se disse que um dos grandes problemas da Justiça é a crise do processo e os tempos atuais reclamam o máximo de resultados com o mínimo de atos processuais, não mais se admitindo atrasos das decisões, face à burocracia dos papéis. Aliás, o grande mérito da Emenda n. 45/2004 (clique aqui) à Constituição situa-se exatamente na garantia de razoável duração do processo e meios que assegurem a celeridade.

O juiz, no processo moderno, transforma-se de figura receptiva para ativa, possuindo condições técnicas para influir na colheita das provas que entender necessárias para firmar sua posição na decisão do feito. Os critérios norteadores da livre convicção do julgador são fixados, dentre outros, no respeito aos princípios da fundamentação, do decisório, do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e da impessoalidade da jurisdição, artigo 131 CPC (clique aqui) e artigo 5º, incisos I e XXXVI da Constituição (clique aqui).

Sabe-se que nenhuma lei traduz integralmente o Direito, daí a necessidade da interferência judicial para interpretar a lei e não aplicá-la mecanicamente.

Neste terceiro milênio, já não se justifica a postura milenar e retrógrada do juiz que entende processo nos estritos limites da instrumentalidade, sem busca da efetividade da justiça e com apego às filigranas processuais; só assim, a Justiça se aproximará do jurisdicionado, sem afastar da lei. (“Processo sem Autos. A Oralidade no Processo”).

Impõe-se a quebra de paradigmas, pois o direito não pode ficar alheio às transformações cibernéticas do mundo “virtual” com a fantástica evolução dos bits.

Jargão jurídico diz que a sentença é dada de acordo com a papelada que se encontra nos autos e o “direito é aquilo que se requer e o juiz defere”. Fora disto, ou seja, pedido indeferido pelo juiz, mesmo que decida contra a lei, não se torna direito. Surgem polêmicas e explicações para conceituação do verdadeiro sentido que se deve emprestar ao termo sentença: a verdade real ou forma para evitar a perpetuação do conflito?

Neste diapasão, o juiz encontra dificuldades para julgamento, a exemplo do “criminoso” que nega o cometimento de homicídio, apesar de todas as provas nos autos; no dia do júri, aparece a vítima, tida como morta.

Outra situação verdadeiramente confusa ocorre no sistema eleitoral; o titulo do eleitor é cancelado, porque comprovada sua morte. No dia da eleição, o cidadão, tido como morto, apresenta-se para votar com toda a documentação que lhe exigem para prova de sua identidade.

O juiz, vivo que é, deve afastar as influências nefastas das fraudes, das injustiças flagrantes e do desrespeito à Constituição, tão em voga no mundo capitalista da superioridade do ter em relação ao ser.

Já dissemos em outro trabalho: “Os teóricos, aqueles que se intitulam fiéis intérpretes da lei, preocupam-se muito mais em descobrir pequenas digressões do procedimento legal do que mesmo em outorgar ou negar o direito material violado. O invólucro torna-se mais valoroso do que o conteúdo, o processo merece maiores cuidados do que a descoberta do justo, muitas vezes às escâncaras, mas sem resultado algum, porque se apega ao texto frio e morto da norma, aparecida em função de um fato social, por vezes já modificado”.

O desabafo do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Vitor Nunes Leal, acerca do chicanista que tudo faz para retardar o julgamento, merece reflexão:

“As patifarias que comete no processo, falsificando, mentindo, subornando, apegando-se a todas as imperfeições da lei, às vezes, sem nenhum proveito real para o seu cliente, mas sempre em prejuízo do seu adversário, nada disso o constrange ou envergonha”.

Anular atos processuais simplesmente por alegada ilegitimidade de parte mostra-se preciosismo inadmissível nos tempos atuais. Se a parte que se diz ilegítima participou do processo e foram respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa não se entende como anular todo o trabalho desenvolvido, somente porque ao invés de José chamou-se a parte de Manoel.

A repetição desnecessária dos atos processuais não agrada a ninguém. É prejuízo para o Estado, causa danos ao cidadão e não oferece vantagem alguma ao operador do direito. Há de se servir do disposto no art. 295 CPC para a obtenção de resultados com o mínimo de atos processuais.

Ulpiniano, na antiguidade, já dizia que a efetividade do Direito consiste na obrigação inadiável de dar a cada o que é seu.

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*Desembargador do TJ/BA





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