Com o anúncio recente de que o CNJ está avaliando a possível proibição de juízes brasileiros de usar a tecnologia do ChatGPT em decisões de casos concretos, esquenta a discussão sobre os limites da inteligência artificial no Poder Judiciário.
Profissionais ligados ao Judiciário reconhecem a crescente utilização de inteligência artificial (IA) em alguns processamentos internos, tais como na admissibilidade de recursos e na classificação de petições, mas o emprego de robôs-juízes para a elaboração de decisões judiciais ainda é considerado algo distante e indesejado pela magistratura.
Muitos países já experimentam inteligência algorítmica em seus sistemas judiciais: Noruega e Estônia contam com decisões automatizadas para a solução de disputas de pequeno valor; na China, juízes são obrigados a submeter o caso à decisão da máquina, podendo desautorizá-la mediante justificativa, contribuindo assim para a aprendizagem da máquina e capacitando-a para resultados cada vez mais acurados.
Quando essas experiências se mostram ao Judiciário brasileiro, abarrotado com aproximadamente 75 milhões de processos e partes impacientes pelo desfecho de processos que demoram anos, a eficiência da inteligência artificial terá de ser confrontada pela magistratura e pela sociedade.
A magistratura até gostaria de trabalhar menos, mas nem por isso ficará confortável com as comparações com a IA quando os critérios comparativos forem eficiência e agilidade, pois resolver um problema com agilidade resolve, na verdade, dois problemas.
No entanto, os problemas não se resumem à eficiência. A advocacia manifesta enorme preocupação com a ameaça que o uso de decisões automatizadas causa para os direitos fundamentais do jurisdicionado – notadamente o acesso à Justiça, ao contraditório, à ampla defesa e ao juiz natural.
Uma magistratura de apertar botões, de fato, violaria todos esses direitos e a própria dignidade da pessoa humana, sem falar na possível inutilidade deste tipo de juiz, ao tão elevado custo financeiro para a sociedade. Permito-me, contudo, refletir que essas garantias, que no futuro poderiam ser ameaçadas pelo robô-juiz, já estão sendo violadas no presente e por magistrados de carne e osso.
Refiro-me a situações rotineiras envolvendo magistrados que não leem os processos e delegam decisões sobre a vida de pessoas e empresas a estagiários, que se recusam a receber procuradores, que julgam contrariamente à prova dos autos ou à jurisprudência do próprio Tribunal, que decidem questões cruciais para as partes em uma só palavra: “indefiro”, ou então, em textinhos mais elaborados (ironia) para manter decisões que foram embargadas por apresentarem inconsistências e contradições: “mantenho a decisão recorrida por seus próprios fundamentos”.
Ninguém mais aguenta este tipo de postura, e o crescimento da mediação e da arbitragem privada é uma evidência do cansaço com este tipo de prática e da impaciência com a morosidade judicial.
Nesse sentido, um problema mais urgente está em como decide a Justiça hoje, enquanto os juízes ainda são pessoas, e não sobre as máquinas de amanhã. Pois é o diagnóstico sobre a atual qualidade das decisões que determinará se a inteligência artificial é problema ou solução.
Não desejo que o jurisdicionado chegue ao ponto de sentir que não tem nada a perder ao substituir os juízes pelas máquinas, mas este será justamente o desafio maior da magistratura: convencer a sociedade de que, sim, terá muito a perder.