1. Introdução
Historicamente falando, a partir do desenvolvimento econômico da sociedade surgiram diversas necessidades, dentre elas a distinção entre autonomia patrimonial do indivíduo e de sua sociedade empresarial.
O Direito Civil e Direito Empresarial disciplinam o conceito de pessoa jurídica e sua natureza. Por sua vez, o Código de Processo Civil de 2015 introduziu e regulamentou o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, muito embora este instituto já fosse anteriormente aplicado no ordenamento jurídico brasileiro por força de jurisprudência.
Atualmente, a utilização do incidente tem se tornado cada vez mais comum e frequente no poder judiciário, contudo várias adversidades sobrevieram acerca do tema. Como se sabe, uma vez instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica o processo ficará suspenso nos termos do art. 134, § 3º do Código de Processo Civil.
Todavia, a suspensão automática do processo em razão da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não é razoável eis que o texto legal não declara de forma expressa que a suspensão deve recair para todos os integrantes do polo passivo ou somente para aquela pessoa que está respondendo ao incidente.
Em suma, impedir que a empresa que já figura no polo passivo do processo sofra atos constritivos fere o art. 797 do Código de Processo Civil, o qual garante que o processo de execução corra em benefício do exequente, visando proteger e garantir seu crédito.
Razões que ensejaram o nascimento da personalidade jurídica
O conceito de personalidade jurídica está atrelado a uma conquista de civilização jurídica, proveniente de um fenômeno histórico e social1. O Código Civil de 2002 reconheceu a capacidade da pessoa jurídica de titularizar direitos e obrigações2.
A existência da pessoa jurídica e sua própria personalidade permite a conveniência entre indivíduos para que estes possam se unir e utilizar recursos coletivos (pessoais e materiais) para realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades individuais.3
Nesse contexto, Carlos Roberto Gonçalves (2015, pg.217), destaca:
“O homem é um ser eminentemente social. Não vive isolado, mas em grupos. A associação é inerente à sua natureza. Nem sempre as necessidades e os interesses do indivíduo podem ser atendidos sem a participação e cooperação de outras pessoas, em razão das limitações individuais. Desde a unidade tribal dos tempos primitivos até os tempos modernos essa necessidade de se agrupar para atingir uma finalidade, para alcançar um objetivo ou ideal comum, tem sido observada.
O direito não podia ignorar essas unidades coletivas, criadas pela evolução histórica ou pela vontade dos homens, e passou então a discipliná-las, para que possam participar da vida jurídica como sujeitos de direitos, a exemplo das pessoas naturais, dotando-as, para esse fim, de personalidade própria.”
Em suma, o nascimento da personalidade jurídica se deu em razão da necessidade de individualizar a participação do comércio da empresa e patrimônio dos seus sócios. Portanto, a pessoa jurídica possui personalidade diversa em relação a personalidade dos indivíduos (sócios) que a compõem.
Assim, com a constituição de uma sociedade, sobrevém o instituto da personalidade jurídica e consequentemente sua autonomia patrimonial, o patrimônio da pessoa jurídica passa a ser distinto ao patrimônio de seus sócios, os quais não podem vir a se confundir.
A lei confere personalidade jurídica à sociedade empresarial, capacitando-a de ser sujeito de direitos e deveres nos termos do art. 1.024 do Código Civil4, observada as limitações do art. 505 do mesmo Diploma. Tais dispositivos preveem expressamente a distinção entre os bens dos sócios e bens da pessoa jurídica, consagrando o princípio da autonomia patrimonial.
Esclarecendo, Marcelo Tadeu Cometti (2019, p. 32) menciona:
“Acerca do princípio da Autonomia Patrimonial, sabe-se que a sociedade personificada possui patrimônio próprio, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus sócios. Desde modo, a sociedade responde diretamente com os bens que integram seu patrimônio pelas obrigações que tenha assumido perante terceiros. Somente, portanto, em hipóteses excepcionais o sócio de uma sociedade personificada poderá ser responsabilizado pelas dívidas sociais.”
Sendo assim, em regra, os sócios não podem ser responsáveis pelas dívidas e obrigações contraídas pela sociedade empresarial no exercício de suas atividades, tampouco serem considerados titulares dos direitos que detém a pessoa jurídica.
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1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 13ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2015, pg.218
2 Definição consoante do art. 1º do Código Civil de 2002.
3 AMARAL, Francisco, Direito Divil: introdução. 3ª Ed. Tio de Janeiro. Renovar, 2000, p.271).
4 Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.
5 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela lei 13.874, de 2019).