A Nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/21) teve uma longa tramitação. Foram quase três anos perante a Câmara dos Deputados, diversas audiências públicas, especialistas ouvidos, produção de pareceres, apresentação de emendas e análise de diversas comissões temáticas do Congresso. No entanto, poucos meses após sua publicação, o STF já proferiu decisões que, de forma expressa, limitam o alcance da lei e, com fundamento na jurisdição constitucional, substituem as decisões políticas do Congresso pelo entendimento da Corte.
Recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) proferiu acórdão, nos autos do AREsp 1.802.682, afirmando que, no caso de bloqueio cautelar de bens em ações de improbidade administrativa, o "periculum in mora" é presumido. Segundo o relator da decisão proferida pela Corte, a edição da lei 14.230/21 não teria alterado o entendimento pacificado por aquele Tribunal quanto ao tema.
Entretanto, a redação atual do art. 16, § 3º da lei de improbidade é manifestamente oposta ao fixado pela jurisprudência do STJ, na medida em que exige a demonstração de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, além da prévia outiva do réu para que a medida possa ser deferida.
A intenção legislativa foi justamente a de superar o entendimento equivocado, cristalizado na jurisprudência, de que o periculum in mora seria presumido ao se tratar do bloqueio cautelar de bens em ações de improbidade. Isso fica claro quando se percebe que a indisponibilidade de bens foi especialmente pensada no curso do processo legislativo, constando, do relatório final apresentado pelo relator do projeto de lei, que "buscou-se adequar o procedimento de indisponibilidade de bens ao Direito Constitucional e ao CPC, trazendo mais justiça quando, por exemplo, prevê-se a demonstração de risco ao resultado útil do processo para efetivação da medida de indisponibilidade, bem como adoção de procedimentos específicos, como instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, caso recaia sobre bem de terceiro”.
Não há no ordenamento jurídico orientação de que a edição de uma lei deve estar sujeita ao entendimento jurisprudencial de determinado Tribunal, ainda que seja o STF. A jurisprudência, mesmo que consolidada, não tem a função de cristalizar a ordem jurídica, assumindo o papel de cláusula pétrea.
Diante da edição da lei 14.230/21, o STJ deve readequar seu entendimento, aplicando aos casos sob sua análise a orientação legislativa em vigor. Essa á a atuação da Corte que irá ajudar a promover a pacificação social, na medida em que passará às demais instâncias a correta interpretação sobre aplicação de lei federal.
Insistir na manutenção de sua jurisprudência, a despeito da alteração da Lei, importará em violação ao princípio democrático e ao princípio da separação de poderes, caracterizando atuação ilegítima do STJ.