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Súmula 626 do STJ gera interpretação equivocada

O loteamento aprovado pelo órgão público competente deverá estar registrado no Registro de Imóveis competente, para poder dar início a vendas dos lotes.

9/5/2023

O STJ, a fim de possibilitar a tributação pelo IPTU de imóveis situados nas zonas de expansão urbana ou áreas urbanizáveis, editou a súmula 626 do seguinte teor:

“A incidência do IPTU sobre imóvel situado em área considerada pela lei local como urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência dos melhoramentos elencados no art. 32, § 1º , do CTN.”

O que a referida Súmula está afirmando é que os imóveis localizados nas zonas urbanizáveis ou áreas de expansão podem ser tributados pelo imposto predial ou imposto territorial urbano, ou por ambos, conforme o caso, independentemente dos melhoramentos públicos previstos no  § 1º, do art. 32 do CTN (meio-fio ou calçamento, abastecimento de água, sistema de esgoto sanitário, rede de iluminação pública e escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado).

Embora a Súmula não diga é indispensável que as referidas áreas sejam incluídas na zona urbana do Município, por meio de lei local, pois somente o imóvel situado na zona  urbana pode ser tributado pelo IPTU, conforme se depreende da redação desse § 2º, do art. 32 do CTN:

“A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.”

Logo, é indispensável que essas áreas sejam declaradas como sendo integrantes da zona urbana, a fim de afastar o conflito de competência com a União no lançamento do ITR.

Mas, para que isso aconteça é preciso que as referidas áreas integrem loteamentos aprovados pelo poder público competente, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio.

O loteamento aprovado pelo órgão público competente deverá estar registrado no Registro de Imóveis competente, para poder dar início a vendas dos lotes.

E mais, só depois de executado o loteamento, com o termo de recebimento da infraestrutura do loteamento e dos equipamentos urbanos firmado pelo órgão próprio da Prefeitura, é que os lotes comportam lançamentos individualizados.

Até lá o lançamento há de ser feito sobre a área bruta do loteamento e em nome do loteador, tal qual acontece com o IPTU de edifício condominial em construção em que o lançamento individual da unidade autônoma depende da expedição do “habite-se” pela Prefeitura local.

Todavia, com relação ao loteamento inscrito nas condições do § 2º, do art. 32 do CTN –

chácaras de recreio – a Prefeitura vem procedendo o lançamento individualizado dos lotes com base na planta de loteamento e nomemorial descritivo arquivados no registro imobiliário.

E esses lançamentos são feitos com base no valor unitário do metro quadrado de lotes integrados no centro urbano, contemplados com todos os melhoramentos públicos, o que torna excessivamente elevado o valor do IPTU considerando que esses lotes, ao contrário de lotes de centros urbanos, apresentam áreas de 1000 m² a 5000 m².

Impugnações judiciais contra esses lançamentos absurdos não vêm prosperando, porque os juízes e tribunais invocam a súmula 626 do STJ para validar os lançamentos.

Ora, o que essa Súmula permite é a cobrança do IPTU das áreas de expansão urbana ou áreas urbanizáveis integradas à zona urbana do município, sem os melhoramentos públicos. Jamais, o lançamento individualizado de lotes que não existem fisicamente, a não ser no papel.

Mas, os tribunais resistem à essa argumentação, alegando que basta o registro do loteamento, o que é um verdadeiro absurdo. Por esse raciocínio, a unidade autônoma adquirida na planta poderá ser objeto de lançamento individualizado do IPTU, a partir do registro da incorporação imobiliária, sem que ela exista de fato.

O resultado seria catastrófico porque o padrão de construção (luxo, moderado etc.) seria extraído do memorial descritivo da incorporação, afrontando o fato gerador do imposto, porque antes do “habite-se” o adquirente não tem a disponibilidade econômica do imóvel, nem a disponibilidade física. Configurado estaria o tributo com efeito de confisco, o que é vedado pela Constituição.

Com o lote do loteamento projetado acontece a mesma coisa. O que é elementar para o homem comum, às vezes, aos olhos dos magistrados é bem diferente.

Para os tribunais basta o registro do loteamento, pouco importando se esses lotes têm ou não a existência física, da mesma forma que basta o nome da via pública constar do CADLOG para justificar o lançamento do IPTU, independentemente de a via pública ter sido aberta ou não.

Tivemos um caso de um cliente que vinha recebendo anualmente o lançamento individualizado de lote que adquiriu na planta, sem que esse loteamento jamais tivesse sido executado por completo. No local do “lote” adquirido só havia matagal, não sendo possível a sua localização. É que o loteamento só foi executado pela metade.

Mesmo ante a prova da inexistência do lote, o lançamento foi mantido porque o loteamento estava registrado, o que estaria de conformidade com a Súmula 626 do STJ.

Não tendo capacidade contributiva para arcar, anualmente,  com o ônus do imposto, sugerimos que o contribuinte renunciasse à propriedade, por escritura pública, como permite o art. 1.275, inciso II do Código Civil.

A confusão deriva da falta de noção do fato gerador do IPTU.

Sem a efetiva disponibilidade econômica não há como desencadear o fato gerador do IPTU.

O proprietário de um lote virtual evidentemente não tem essa disponibilidade. Sua tributação equivale a conferir efeito confiscatório ao imposto, o que é vedado pela Constituição (art. 150, inciso IV da CF).

Kiyoshi Harada
Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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