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O direito ao tratamento multidisciplinar para pacientes diagnosticados com transtorno do espectro autista

É interesse de toda sociedade que as pessoas portadoras de Transtornos de Desenvolvimento Global, bem como de Transtorno do Espectro Autista tenham acesso aos serviços de saúde capazes de diminuir a estigmatização e discriminação que a doença impõe.

8/5/2023

A sociedade brasileira, com o advento da Constituição Federal de 1988 e da lei 12.764/12, passou a se conscientizar sobre a importância do diagnóstico precoce e tratamento adequado para combate dos Transtornos Globais de Desenvolvimento e especialmente do Transtorno do Espectro Autista.

Importante destacar que os Transtornos Globais de Desenvolvimento incluem 5 transtornos do espectro autista, quais sejam: as Psicoses infantis, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Kanner e a Síndrome de Rett.

Tais patologias atingem inúmeras famílias no Brasil (estima-se que 1 a cada 160 crianças possuem diagnóstico de TEA), que têm de lidar com uma experiência de criação atípica e desafiadora. Isso porque, muito embora as crianças sejam amorosas e cativantes, também enfrentam dificuldades de interação social, de comunicação verbal e não-verbal, além de comportamento restrito e repetitivo.

Vale enfatizar que nos últimos anos, com o avanço da medicina, é possível diagnosticar, de forma bastante precoce, traços de atraso no desenvolvimento global, o que permite início imediato ao tratamento mais adequado à criança.

Neste passo, quanto antes a criança for submetida ao tratamento multidisciplinar maiores são as chances do pleno desenvolvimento cognitivo, o que serve de alento às famílias que lidam com a questão.

Assim, feito o diagnóstico pelo profissional que acompanha o paciente e indicada terapêutica adequada, é imprescindível que o apoio médico e o suporte psicológico comecem de forma imediata.

Nesse contexto, mostram-se muito eficazes para a evolução intelectual e comportamental dos indivíduos com TEA as terapias multidisciplinares, como a análise do comportamento aplicada (ABA) e as terapias pelos métodos Denver, DIR, Floortime, entre outros.

Com efeito, a Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis - ABA), foi divulgada no ano de 1948, no livro Walden Two, escrito pelo psicólogo norte americano Burrhus Frederic Skinner, mas o desenvolvimento do método terapêutico foi realizado pelo psicólogo norueguês, radicado nos Estados Unidos, Ole Ivar Louvaas, na década seguinte.

Aludidos psicólogos obtiveram avanços sensíveis na aprendizagem e trato comportamental das crianças portadoras do espectro autista. Os resultados experimentados pelos criadores do método são replicados pelos inúmeros profissionais da saúde que enxergam no método ABA uma das terapias mais bem-sucedidas e eficazes para o desenvolvimento do indivíduo autista.

Apesar da descoberta e evolução do método, as famílias brasileiras enfrentam muitas barreiras para ter acesso ao tratamento prescrito com método ABA ou demais métodos de tratamento multidisciplinar. Isso porque, a despeito do teor do art. 3º da lei 12.764/12, o Estado e os planos de saúde, que atuam de forma suplementar, não disponibilizam profissionais aptos a realizar a terapêutica.

Imperioso esclarecer que tal como o poder público, os planos de saúde assumiram o papel da prestação de serviço de saúde e também devem garantir os valores consagrados pela Constituição Federal, no que toca à dignidade da pessoa humana e a valorização da vida digna.

Nesse sentido, compete aos planos de saúde disponibilizarem o integral tratamento multidisciplinar prescrito pelo médico aos pacientes acometidos pelo Transtorno do Espectro Autista, de modo a viabilizar maiores habilidades intelectuais, cognitivas e motoras, propiciando ao paciente maior chance de independência.

No entanto, o que se observa na prática é a repugnante recusa dos planos de saúde em cobrir as terapias prescritas pelo profissional médico, disponibilizando somente as terapêuticas convencionais, que não atendem às necessidades daqueles que se encontram no espectro.

Na maioria das vezes, a negativa promovida possui como fundamento a ausência de previsão do método no chamado Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Mencionado rol estabelece a cobertura mínima obrigatória que deve ser garantida pelos planos de saúde, mas isso não significa que a responsabilidade das empresas que prestam serviços de assistência médica e hospitalar deve ser limitada ao que está lá previsto, principalmente se considerado que o procedimento de atualização do rol é deficitário e moroso, deixando de acompanhar os avanços da medicina moderna.

Permitir e aceitar que os planos de saúde neguem as terapias prescritas por ausência de previsão no rol da ANS é o mesmo que condenar os beneficiários da saúde suplementar a nunca terem direito ao tratamento mais adequado para o seu transtorno ou enfermidade.

Assim, a negativa dos tratamentos multidisciplinares prescritos aos pacientes com diagnóstico de TEA, por ausência de previsão no rol, é o melhor exemplo em termos de prejuízos causados ao beneficiário, tendo em vista que a eficácia da terapêutica está ligada à janela de desenvolvimento infantil, que não pode esperar por processos burocráticos de atualização do rol e consequente inclusão na rede referenciada.

Não é demais lembrar que as terapias comportamentais e o suporte psicossocial são indispensáveis para melhorar a interatividade das crianças, e por conseguinte impactar de modo positivo a qualidade de vida e bem-estar do paciente e todos os envolvidos.

Dessa forma, é interesse de toda sociedade que as pessoas portadoras de Transtornos de Desenvolvimento Global, bem como de Transtorno do Espectro Autista tenham acesso aos serviços de saúde capazes de diminuir a estigmatização e discriminação que a doença impõe.

Thaís Kechichian Alonso
Advogada, bacharel em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES e pós-graduada em Direito Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e cursando especialização em Direito Sanitário, na USP.

Jéssica Bertoncin
Advogada, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e pós-graduanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito.

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