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O dever de revelação do árbitro: na dúvida, pró-revelação?

Para se evitar problemas futuros, recomenda-se que o árbitro revele aquilo que possa, aos olhos das partes, comprometer a confiança nele depositada.

5/5/2023

Não é de hoje que o dever de revelação do árbitro, ou árbitra, indicado a compor o tribunal arbitral é aspecto de debates, controvérsias e polêmicas na seara arbitral. No ordenamento jurídico brasileiro, a preocupação com a imparcialidade e independência do árbitro decorre de imposição legal segundo disposto no art. 14, da lei 9.307/96, cujo teor reflete a necessidade de preservação da regularidade da arbitragem por meio da previsão do dever de revelação do árbitro, que se constitui como etapa primordial no procedimento.

Contudo, fato é que o dever de revelação, além de trazer consequências para o regular processamento da arbitragem, assegurando a sua lisura, tem sido frequentemente utilizado pela parte descontente com a sentença arbitral como verdadeira tática de guerrilha, já que a Lei de Arbitragem possibilita o ajuizamento de ação anulatória com base em alegação de parcialidade e dependência do árbitro, na forma do seu art. 32, incisos II e VIII – não são poucas as oportunidades em que as partes utilizam da abertura fornecida pela lei 9.307/96 para ajuizarem ações desmedidas e desnecessárias que não refletem atentado algum à imparcialidade ou à independência do árbitro, mas sim mero descontentamento com a sentença que lhe foi desfavorável.

Esse ajuizamento demasiado de ações anulatórias com fulcro nos mencionados dispositivos tem base em uma brecha da Lei de Arbitragem, que, em relação ao dever de revelação, instaurou um sistema de “dúvida mínima”. Isso é dizer que, à luz da interpretação mais conservadora, o árbitro deve, ao menos em tese, revelar tudo que poderá comprometer a sua imparcialidade ou independência. A ideia da “dúvida mínima”, porém, não se mostra muito acertada, já que traz em si uma confusão entre dever de revelação e violação à imparcialidade e à independência do árbitro – uma coisa não se confunde com a outra.

A simples falta do dever de revelação não implicará necessariamente na dependência ou parcialidade daquele que atuou – ou atua – em procedimento arbitral. Assim, mesmo que um fato não tenha sido pontuado pelo árbitro quando de sua indicação ou ao longo do procedimento, não necessariamente esse mesmo fato não revelado afrontará a sua independência ou a sua imparcialidade. Isso porque a mera omissão do árbitro em revelar um fato não ocasiona, por si só, a invalidade da sentença arbitral, longe disso, a violação da atuação do nomeado resta caracterizada apenas quando o fato omitido, ou revelado a destempo, violar as premissas necessárias de sua atuação.

É claro que as boas práticas recomendam que o dever de revelação seja atendido pelo árbitro no momento adequado e oportuno – ou seja, quando de sua indicação e tão logo surja um fato novo que possa comprometer a sua atuação. Porém, seria desmedido afirmar que uma simples omissão quanto à revelação de fato passado ou presente acarreta, per si, a nulidade de todo o procedimento, ainda mais naqueles casos em que o fato revelado – mesmo se tivesse sido revelado no tempo e modo devido – não viola as premissas às quais o árbitro se submete (isto é, independência e imparcialidade).

Face a isso, é preciso que a ação anulatória não apure somente eventual omissão do árbitro em revelar algum fato. É necessário ir além, é preciso que se apure se o fato omitido, comprovadamente, afetou as garantias depositadas no árbitro pela parte e pela lei, sob pena de formalismo excessivo que pouco se coaduna com o procedimento arbitral, mais flexível e aderente às regras do jogo, conforme prevê, inclusive, o próprio Enunciado 110 da II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial do Conselho da Justiça Federal, realizado em agosto de 2021.

A resposta, então, à pergunta do título é afirmativa: para se evitar problemas futuros, recomenda-se que o árbitro revele aquilo que possa, aos olhos das partes, comprometer a confiança nele depositada. Entretanto, não se deve dar uma importância maior ao dever de revelação do que as próprias implicâncias que eventual fato não revelado trouxe para a atuação concreta do árbitro. É isso que se deve ter em mente quando da análise das ações anulatórias, sobretudo porque essas ações devem ser tidas como ultima ratio, justamente para que se mantenha incólume a seriedade da arbitragem, ao mesmo tempo em que se permite que as principais garantias previstas na Lei de Arbitragem brasileira sejam asseguradas, sem prejuízos para aqueles que optaram legitimamente pela via como meio adequado de solução de seus conflitos.

Thaina de Paula Carvalho
Advogada do escritório PGD - Perez, Giannella, D'Ávola Sociedade de Advogadas.

Ane Elisa Perez
Advogada especialista em Direito Público em São Paulo, com mais de 30 anos de experiência em Infraestrutura, contencioso judicial, administrativo e arbitral. É Árbitra cadastrada da CAM-CCBC, CAMARB, CAMES, CAMCA e CAM-B3. É sócia do escritório de advocacia PGD - Perez, Giannella, D´Ávola Sociedade de Advogadas. Doutoranda em Filosofia do Direito pela PUC/SP.

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