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STJ – Tema 1.182 – Necessária revisão do julgado do STJ pelo STF

O Supremo Tribunal Federal, a fim de resguardar a ordem constitucional, terá de ser chamado a se manifestar a respeito deste julgado do STJ.

4/5/2023

A República Federativa do Brasil tem por objetivo fundamental encartado no art. 3º da sua Constituição, no Título dos Princípios Fundamentais – verdadeira cláusula pétrea implícita que não pode ser alijada do texto constitucional – a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais.

Os Estados Federados detêm autonomia relativa, porquanto devem estrita obediência e zelo à Constituição da República, para definir políticas públicas próprias destinadas a alcançar um dos objetivos fundamentais da Federação que é a redução das desigualdades sociais e regionais.

Entre as ferramentas para manejo do orçamento público com vista a fomentar tais políticas públicas, a lei complementar 101/00 – lei de Responsabilidade Fiscal – prescreve o mecanismo de concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita pública.

Entre os incentivos ou benefícios de natureza tributária elencados por esta lei, encontram-se: a anistia, a remissão, o subsídio, o crédito presumido, a concessão de isenção em caráter não geral, a alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

Portanto, os incentivos ou benefícios de ICMS concedidos pelos Estados da Federação a partir de normas legais hígidas e alinhadas com os preceitos constitucionais e da lei de Responsabilidade Fiscal, e devidamente submetidas ao controle dos Tribunais de Contas locais, não devem ser compreendidos como gratuidades ou liberalidades do Povo daquele Estado em privilégio a tal ou qual oligarquia ou capitania hereditária regional, mas, isto sim, como verdadeira política pública de erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais.

A concessão de uma anistia, remissão, subsídio, isenção, redução de alíquota ou base de cálculo ou outros benefícios que correspondam a um tratamento diferenciado de ICMS, em hipótese alguma é distinta da concessão de um crédito presumido de ICMS, pois todos estes incentivos ou benefícios são concedidos com a finalidade já mencionada.

Logo, o Tema 1.182 julgado pelo STJ em 26/4/23 para definir se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, como extensão do entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, deveria ter sido concluído com resposta favorável a esta indagação, por corolário lógico-racional e primado constitucional de igual envergadura.

Contudo, a unanimidade da 1ª Seção do STJ, em julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, houve por bem responder esta indagação de forma negativa, para assentar que há sim diferença entre o crédito presumido do ICMS e todos os demais incentivos ou benefícios fiscais de ICMS, em total arrepio à lógica constitucional e à organização do orçamento público regido pela lei de Responsabilidade Fiscal.

Ora, se a renúncia da receita pública originada de quaisquer dos incentivos ou benefícios de ICMS tratados no julgamento do STJ implica em gasto tributário dos Estados Federados, e este gasto tributário faz parte das políticas públicas daqueles Estados e também do orçamento público submetido à aprovação do Tribunal de Contas, não se pode admitir que apenas o crédito presumido do ICMS seja elegível à imunidade tributária recíproca.

Se arguiu pela Fazenda Nacional que o crédito presumido do ICMS representa efetiva subvenção entregue positivamente ao contribuinte do imposto a partir de uma renúncia de receita pública, enquanto as demais espécies de incentivos ou benefícios de ICMS já não fariam parte, desde seu nascedouro, do patrimônio ou renda da empresa, mas entregue ao povo ou destinatários finais dos produtos e serviços incentivados.

Porém, há que se perquirir quem terá sido efetivamente o beneficiário final daquela renúncia pública ou gasto tributário dos Estados Federados: o empresário ou o consumidor final. Há hipóteses onde o Estado exige que o empresário repasse no preço final do seu produto ou serviço o incentivo ou o benefício do ICMS. Mas também há inúmeras hipóteses onde esta exigência não está capitulada na legislação.

Chega a alegar, a Fazenda Nacional, que o ICMS desonerado não estaria computado no preço praticado pelo empresário. Ignora, portanto, que ao conceder e.g. uma isenção de ICMS sobre determinado produto ou serviço, e desde que não esteja previsto o desconto do tributo outrora isentado no preço, nada garante que o preço anteriormente cobrado pelo empresário será efetivamente reduzido.

Isto porque o incentivo ou benefício do ICMS pode estar sendo concedido ao empresário para fomentar e atrair sua atividade e geração de emprego naquele Estado ou Região, ou para evitar aumento de preços puxados pela inflação ou custos logísticos, de modo que o empresário é o beneficiário final daquele incentivo ou benefício do ICMS. Portanto, nestas situações, é inegável que a receita pública do Estado foi subvencionada ao empresário para promoção e fomento de suas atividades, o que implica em efetiva entrega de recursos públicos à empresa contribuinte do ICMS.

Cabe à empresa beneficiária final dos incentivos ou benefícios fiscais de ICMS decidir a destinação dos recursos em sua atividade mercantil. O empresário pode decidir repassar parte ou todo o incentivo no preço (apesar de não ser obrigado a isto), mas também pode decidir preservar o capital de giro da empresa, ou mesmo destinar para abertura de um novo estabelecimento, compra de máquinas, custeio de móveis e benfeitorias, enfim, os recursos públicos foram colocados à sua disposição para fomento das atividades mercantis.

Como negar, neste cenário, que o empresário recebeu uma subvenção governamental de ICMS oriunda de renúncia de receita pública ou gasto tributário dos Estados Federados.

O art. 150, inciso VI, alínea 'a', da Constituição Federal, veda aos entes políticos a exigência de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Por conseguinte, o STJ, no julgamento do Tema 1.182, ao admitir a exigência do IRPJ e da CSLL sobre incentivos ou benefícios de ICMS diversos do crédito presumido, os quais são expressamente orçados pelos Estados Federados como gasto tributário ou renúncia de receita pública, está fatalmente comprometendo a imunidade tributária recíproca entre os entes federados, o que é absolutamente inadmissível no plano constitucional.

Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal, a fim de resguardar a ordem constitucional, terá de ser chamado a se manifestar a respeito deste julgado do STJ, garantindo que a renda dos Estados Federados não seja alcançada pelos tributos da União.

Ronaldo Rayes
Sócio fundador do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.

Bruno Aguiar
Advogado tributarista, sócio do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados.

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