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Negociações coletivas – Reforma trabalhista – Prevalência ou não prevalência do negociado sobre o legislado

O que pode ser concluído é que por ocasião das celebrações dos instrumentos normativos, é necessário evitar transigir de forma contrária às disposições contidas no art. 611-A, 611-B, da CLT e aos direitos previstos na Constituição Federal revestidos de indisponibilidade absoluta.

3/5/2023

A Constituição Federal prevê no caput do art. 7º, que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, sendo consagrado no inciso XXVI, o direito ao “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”

A interpretação no que tange ao alcance da norma apresentava grandes controvérsias, quer na doutrina, quer na jurisprudência.

Com o objetivo de tentar pacificar o assunto, foi editada a lei 13.467/17, conhecida como reforma trabalhista.

Nestes termos o art. 611-A, da CLT, estabeleceu as hipóteses em que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei”.

O Supremo Tribunal Federal foi provocado a manifestar acerca da constitucionalidade da supremacia do negociado sobre o legislado.

Nessa direção fixou a tese no Tema 1046 do Ementário de Repercussão Geral, que dispõe: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

Recentemente o TST, em duas oportunidades, como não poderia deixar de ser, seguiu o posicionamento do STF.

O primeiro caso diz respeito à aplicação do art. 611-A, inciso XIII, da CLT, que autoriza a negociação coletiva para fins de “prorrogação de jornada em ambientes insalubres”, sem a exigida licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho”, prevista no art. 60, da CLT.

A Quinta Turma nos autos do Agravo em Recurso de Revista, processo Ag-RRag-713-29.2021.5.06.0201, rejeitou o recurso de um empregado da BRF S.A. que pretendia invalidar a prorrogação da jornada de trabalho em atividade insalubre, estabelecida em Acordo Coletivo de Trabalho, sem a autorização prévia apontada por parte do MTE. No julgamento, cujo acórdão foi publicado no dia 31 de março, a Col. Turma posicionou no sentido de que no período posterior à Reforma Trabalhista, empresas e sindicatos têm autonomia para estabelecer normas que afastem ou limitem direitos, desde que não envolvam direitos absolutamente indisponíveis.

A ementa do acórdão, na parte relativa ao tema, resume a controvérsia e bem sintetiza o entendimento adotado. Vejamos:

“... II. RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/17. 1. HORAS EXTRAS. BANCO DE HORAS. ATIVIDADE INSALUBRE. AUTORIZAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE EM PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR À LEI 13.467/17. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Situação em que o Tribunal Regional, soberano na análise de fatos e provas, manteve a sentença, na qual foi reputado inválido o banco de horas, no período de 17/03/2015 até 31/01/2018, e, após essa data, foi confirmada a validade de acordo coletivo, no qual foi pactuada a prorrogação da jornada em atividade insalubre, sem necessidade de prévia autorização do Ministério do Trabalho. Em relação ao período anterior à vigência da Lei 13.467/2017, a decisão do Regional quanto à invalidade da compensação de jornada em face da atividade insalubre, sem a necessária autorização da autoridade competente, está em consonância com a Súmula 85, VI, do TST. No tocante ao período posterior à vigência da lei 13.467/17, a prorrogação da jornada em ambiente insalubre passou a ser permitida também pela via negocial coletiva, dispensando-se, nesse caso, a licença prévia antes mencionada (CLT, art. 611-A, XIII). Essa inovação, no contexto do crescente prestígio à autonomia negocial coletiva (CF, art. 7º, XXVI) e que foi objeto de decisões paradigmáticas da Suprema Corte, impôs aos atores sociais novas e maiores responsabilidades, notadamente em questões como a posta nos autos, em que a previsão de sobrejornada em ambiente insalubre há de impor a verificação prévia dos métodos de trabalho e da eficiência dos equipamentos de proteção adotados, sem o que o objeto negocial estará viciado (CF, arts. 6º, “caput”, 7º, XXII, 196 c/c o arts. art. 104, II, do CC, e 157, I, da CLT). Nesse contexto, eventuais danos sofridos por trabalhadores em razão das condições inadequadas de trabalho, quando evidenciado o nexo etiológico com o ambiente laboral insalubre, deverão ser reparados pelos atores sociais responsáveis, na forma legal (CF, art. 7º, XXVIII c/c o arts. 186 e 927 do CC). De se notar, ainda que segue preservada a possibilidade de fiscalização das condições de trabalho por auditores fiscais do trabalho (CF, art. 21, XXIV, c/c o 200 art. da CLT) e/ou pelo Ministério Público do Trabalho (CF, art. 129, III c/c o art. 83, III, da LC 75/93), com as medidas administrativas e judiciais correlatas. A delegação legal inserta no art. 611-A, III, da CLT, objetivou apenas estimular o diálogo social responsável entre os atores sociais, jamais permitir a construção, pela via negocial coletiva, de condições que submetam os trabalhadores a condições aviltantes e indignas de trabalho. Vale destacar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 2/6/22 (Ata publicada no DJE de 14/6/22), ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633 (Relator Ministro Gilmar Mendes), com repercussão geral, decidiu pela constitucionalidade das normas coletivas em que pactuada a restrição ou supressão de direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, independente da fixação específica de vantagens compensatórias. Segundo o entendimento consagrado pelo STF no referido julgamento, alçada a autonomia negocial coletiva ao patamar constitucional (art. 7º, XXVI, da CF), as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, em que previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos revestidos com a nota da indisponibilidade absoluta. Logo, a decisão Regional foi proferida em sintonia com a legislação trabalhista e o entendimento do Supremo Tribunal Federal ...”. (Destacamos).

O segundo caso também está vinculado à aplicação do que foi condicionado no Tema 1046, do Ementário de Repercussão Geral do TST, ao estabelecer são constitucionais os acordos e as convenções coletivos “desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

O Ministério Público do Trabalho postulou fosse declarada a nulidade de cláusula da Convenção Coletiva de Trabalho, que condicionou a estabilidade provisória da empregada gestante à prévia comunicação à empresa e restringe os meios pelos quais a comprovação do estado gravídico poderá ser realizada. Apontou que a exigência violou o disposto no art. 10, II, "b", do ADCT. O pleito foi acolhido desde a primeira instância. E no julgamento proferido no corrente mês de abril de 2023, mediante acórdão publicado no dia 20, por intermédio da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do TST, nos autos do RO-503-47.2018.5.08.0000, restou confirmada a declaração de nulidade da cláusula da convenção coletiva de trabalho. A Ementa é a seguinte:

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA INTERPOSTO PELO SINDICATO PATRONAL. NULIDADE DO ITEM 8.1 DA CLÁUSULA 8ª – GARANTIA DE EMPREGO, CONSTANTE DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO 2017/2018. EMPREGADA GESTANTE. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. COMPROVAÇÃO DO ESTADO GRAVÍDICO PARA FINS DA ESTABILIDADE. FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO POR NORMA COLETIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. De acordo com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1046 do Ementário de Repercussão Geral, "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". 2. Ora, os direitos que visam à proteção da gestante e do nascituro estão previstos nos arts. 6º e 7º, XVIII, da Constituição Federal, o que leva ao reconhecimento de que estão revestidos de indisponibilidade absoluta, não podendo ser objeto de negociação coletiva. O art. 10 do ADCT, na alínea "b" do seu inciso II, ao tratar da estabilidade da gestante, não impõe nenhuma condicionante a esse direito, pelo que, mesmo o desconhecimento, por parte do empregador, do estado gravídico da empregada dispensada sem justa causa, não afasta a proteção constitucionalmente garantida. Ou seja, o fator condicionante à aquisição do direito à estabilidade é somente o fato de a empregada estar grávida e de que a sua dispensa não seja motivada por uma das hipóteses previstas no art. 482 da CLT. 3. No caso em tela, o item 8.1 da cláusula 8ª – GARANTIA DE EMPREGO, impõe que a empregada gestante, dispensada sem justa causa, comunique e comprove o seu estado gravídico, apresentando relatório acerca de tal condição, a fim de exercer o direito relativo à garantia de emprego, criando condicionantes ao direito constitucionalmente garantido. Nesse contexto, o Tribunal Regional, ao declarar a nulidade do item 8.1 da cláusula 8ª, decidiu em consonância à tese firmada pelo STF no Tema 1046 de Repercussão Geral, não havendo o que reformar na decisão. Recurso ordinário conhecido e não provido.” (Destacamos).

Assim, a previsão em normas coletivas trazendo exigência não consagrada no ordenamento jurídico ao fixar a necessidade de prévia comunicação do estado gravídico ao empregador e ao impor prazo para a comprovação da gravidez, viola direito regulado pelo art. 7°, XVIII, da CF, e ao art. 10, II, "b", do ADCT.

Na fundamentação do acordão foi indicado, ainda, que “a jurisprudência deste Tribunal consubstanciou-se na súmula 244 do TST, que, em seu item I, estabelece que o  desconhecimento da gravidez pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da  indenização decorrente da estabilidade.”

O que pode ser concluído é que por ocasião das celebrações dos instrumentos normativos, é necessário evitar transigir de forma contrária às disposições contidas no art. 611-A, 611-B, da CLT e aos direitos previstos na Constituição Federal revestidos de indisponibilidade absoluta, considerando-se que as cláusulas negociadas em direção oposta, poderão ser declararas nulas em caso de questionamentos perante o Judiciário.

Orlando José de Almeida
Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

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