Não há dúvidas que a figura do Agente Fiduciário é de salutar importância nas operações de emissão de debêntures, especialmente, para representar os interesses da comunhão de debenturistas. Não à toa, a legislação exige a participação do Agente Fiduciário para a emissão das debêntures1 que serão negociadas no mercado.
As obrigações legais do Agente Fiduciário são listadas no art. 68 e 69 da lei 6.404/76, destacando-se, dentre elas, o dever de proteger os direitos e interesses dos debenturistas, empregando no exercício da função o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios bens, bem como, autenticar os certificados de debêntures, administrar o fundo de amortização, manter em custódia bens dados em garantia e efetuar os pagamentos de juros, amortização e resgate, se assim prever a escritura de emissão.
Todavia, o que se busca esclarecer no presente artigo, é a inexistência de obrigação legal de constituição de um Agente Fiduciário se a emissão de debêntures for de colocação privada, ou seja, não negociada no mercado.
Tal conclusão decorre da interpretação contrariu sensu do §1º do artigo 61 da Lei das Sociedades Anônimas, isso porque, se a participação do Agente Fiduciário é mandatória nas emissões que serão negociadas no mercado, por decorrência lógica, em emissões privadas, cujas debêntures não serão negociadas no mercado, a nomeação do Agente Fiduciário é uma faculdade.
Naturalmente, os debenturistas poderão estabelecer justamente o contrário, a saber, a necessidade de contratação de um Agente Fiduciário. Por vezes, as particularidades da emissão poderão justificar a nomeação de Agente Fiduciário, o que pode, inclusive, ser deliberado após a emissão, em Assembleia de Debenturistas convocada com essa finalidade.
Em acórdão didático sobre o tema, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reconheceu de forma expressa a inexistência de obrigatoriedade de Agente Fiduciária em operação privada, visto não se tratar de questão de natureza institucional, mas contratual:
“Cediço que, em se tratando de emissões de debêntures de colocação privada, não haveria obrigatoriedade de designação de agente fiduciário para representação da comunhão dos debenturistas, conforme se deduz, a contrario sensu, da redação dada ao §1º do art. 61 da lei 6.404/76, tendo natureza contratual, e não institucional.”2
O acórdão acima citado, ainda cuidou de destacar que, ainda que tenha sido nomeado Agente Fiduciário em distribuição privada de debêntures, poderá o agente se exonerar do encargo se assim desejar:
“Importante lembrar que não existem obrigações perpétuas, de modo que ninguém é obrigado a permanecer vinculado eternamente ou a um longo período de contratação, sem a contrapartida de benefícios. Assim, descabida a manutenção do contrato a contragosto do agente fiduciário, que desde março de 2022 manifestou seu desinteresse na subsistência do vínculo”
A possibilidade, portanto, da renúncia do Agente Fiduciário, independentemente de sua substituição, reforça a desnecessidade desse nas operações de emissão privada de debêntures, configurando clara faculdade dos debenturistas.
Ao mesmo tempo, eventual discordância ou contrariedade do Emissor ou do Debenturista para com a renúncia manifestada pelo Agente Fiduciário não possuem o condão de manter este último indefinidamente no encargo, tal como apontado no precedente recentíssimo da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP.
Naturalmente, se os debenturistas optarem pela nomeação de Agente Fiduciário, é de extrema relevância que a escritura de emissão aponte os procedimentos para a sua retirada, a fim de que não sobrevenham prejuízos aos seus interesses.
De toda sorte, em havendo renúncia, pouco importa se os partícipes da relação contratual substituirão o Agente Fiduciário ou farão uso da faculdade de não mais o tê-lo, no âmbito de uma emissão privada. Impõe-se, desde logo, a formalização da saída do Agente Fiduciário que ofertou a renúncia, já que deveras, não mais reúne condições para bem exercer o seu múnus.
Trata-se, a bem da verdade, de causa manifestamente antagônica aos interesses do debenturista, logo, inexistiria o predicado necessário à continuidade dos serviços, ainda que em um período transitório até a formal substituição.
Salienta, por fim, que essa construção apenas reflete o cenário de emissões privadas, e de um único debenturista, e espelha melhor solução sob o ponto de vista de todos os interesses envolvidos.
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1 - Lei 6.404/76. Art. 61: § 1º A escritura de emissão, por instrumento público ou particular, de debêntures distribuídas ou admitidas à negociação no mercado, terá obrigatoriamente a intervenção de agente fiduciário dos debenturistas (artigos 66 a 70).
2 - Agravo de Instrumento nº 2188845-16.2022.8.26.0000, TJSP, Rel. Azuma Nishi, j. 01/03/2023.