As securitizadoras atuam no Brasil há bastante tempo. Todavia, até o ano de 2022, não existia um marco legal que trouxesse clareza e segurança para esse importante setor do mercado de capitais. A inovação legal se deu com a conversão da Medida Provisória 1.003 de 2022 na lei 14.430 de 2022, tendo entrado em vigor em 4/8/22, data de sua publicação nos canais oficiais.
A norma apresenta as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de certificados de recebíveis. Como não poderia ser diferente a norma ainda incumbiu à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) a responsabilidade por editar as normas sobre a emissão pública de Certificados de Recebíveis e outros valores mobiliários representativos de operações de securitização, sendo certo que a CVM atualizou a Resolução 60, de modo a adequá-la à novel legislação.
O presente artigo tem por finalidade apresentar os conceitos legais introduzidos pela lei 14.430, que dizem respeito às securitizadoras, securitização e certificados de recebíveis, sem a pretensão de esgotamento do tema. O objetivo primordial do artigo é introduzir o leitor ao universo da securitização.
Securitizadora e securitização.
A lei 14.430/22 trouxe a definição jurídica de securitizadora em seu art. 18:
“As companhias securitizadoras são instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações que têm por finalidade realizar operações de securitização.”
O texto traz características importantes das securitizadoras: (i) são instituições não financeiras; (ii) necessariamente, precisam ser constituídas em sociedade empresarial por ações, nos moldes da lei 6.404/76; (iii) o objeto social da empresa é a realização de securitização.
E isso nos leva ao segundo ponto: o que é securitização?
Para que não pairasse qualquer dúvida quanto à definição legal de securitização, o legislador cuidou de defini-la no parágrafo único do já mencionado art. 18 da lei 14.430:
“É considerada operação de securitização a aquisição de direitos creditórios para lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários perante investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios e dos demais bens, direitos e garantias que o lastreiam.”
Portanto, a legislação classifica como securitização a aquisição de direitos creditórios, com a finalidade precípua de lastrear a emissão de Certificados de Recebíveis (ou outros títulos) perante os investidores. Não se trata, portanto de uma mera cessão de crédito. Ao contrário, a securitização se diferencia pela finalidade dos creditórios, a saber, lastrear Certificados de Recebíveis em benefício dos investidores que subscreverem os referidos certificados.
Vale acrescentar que as securitizadoras estão autorizadas a firmarem Instrumento Particular de Promessa de Subscrição e Integralização de Certificados de Recebíveis com os investidores, viabilizando a aquisição dos creditórios que lastrearão os Certificados1.
A securitização é uma alternativa do mercado de capitais para a captação de recursos de forma menos onerosa ao seu tomador. Grosso modo, uma empresa detentora de direitos creditórios futuros, “troca” esses recebíveis, por liquidez para investimentos e/ou realizações de projetos e, em contrapartida, ajusta com os investidores, como será a remuneração.
Simplificando, o procedimento da securitização de inicia com a aquisição pela securitizadoras dos direitos creditórios da empresa interessada em antecipar os recebíveis. Uma vez realizada a cessão, as securitizadoras emitem o Certificado de Recebível, o qual será integralizado pelo investidor, mediante condições previamente estabelecidas.
Certificados de Recebíveis
A lei 14.430 também cuidou de definir o que vem a ser os certificados de recebíveis em seu art. 20:
“Os Certificados de Recebíveis são títulos de crédito nominativos, emitidos de forma escritural, de emissão exclusiva de companhia securitizadora, de livre negociação, constituem promessa de pagamento em dinheiro, preservada a possibilidade de dação em pagamento, e são títulos executivos extrajudiciais.”
Verifica-se, com clareza, que os Certificados de Recebíveis são, portanto, (i) títulos de crédito nominativos, ou seja, que indicam claramente o seu credor; (ii) emitidos de forma escritural, ou seja, não necessariamente, precisam ser emitidas cartulas, mas, obrigatoriamente, devem existir de forma eletrônica; (iii) de emissão privativa das securitizadoras; (iv) de circulação livre e; (v) possuem força executiva de natureza extrajudicial apto a embasar ação de execução, já que constituem promessa de pagamento em dinheiro.
Os Certificados deverão ser formalizados por instrumento denominado “Termo de Securitização”, os quais devem ser emitidos com informações mandatórias, as quais estão previstas nos incisos do art. 22 da lei 14.430, destacando-se, o valor nominal, data do vencimento e data de resgate, além da remuneração paga ao investidor. O mencionado “Termo de Securitização” deverá conter todas as informações relevantes da emissão, sob pena de responsabilização da emissora por eventuais prejuízos advindos de omissões.
Vale ainda destacar que a legislação deixa expressamente claro, que, para além dos creditórios que dão lastro à operação, podem ser aglutinadas outras garantias ao Certificado de Recebíveis, tais como, garantias fidejussórias ou reais2. Acrescente-se, ainda, que o montante dos direitos creditórios vinculados ao pagamento dos Certificados de Recebíveis deverá ser, no mínimo, suficiente para permitir a sua amortização integral3.
Ainda deve-se mencionar sobre os Certificados de Recebíveis, que esses serão obrigatoriamente registrados e custodiados por instituições autorizadas pelo BACEN e/ou CVM para essa finalidade, quando forem ofertados publicamente, caso destinem-se à negociação em mercados organizados de valores mobiliários, ou ainda, quando for instituído o regime fiduciário sobre os bens e direitos que garantem a emissão4.
Regime fiduciário
Uma vez recebidos os direitos creditórios e demais bens que lastreiam a operação, a securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre tais bens. Apesar da legislação tratar tal regime como facultativo5, a separação dos patrimônios é o mais indicado. Uma vez instituído o regime fiduciário, compete à securitizadora administrar cada patrimônio separado, manter registros contábeis independentes em relação a cada um deles e elaborar e publicar as demonstrações financeiras6.
O artigo 26 da lei 14.430/22 estabelece que o regime fiduciário será instituído mediante declaração unilateral da companhia securitizadora ao firmar termo de securitização, que, além de observar o disposto no art. 22 desta lei, observará algumas condições específicas previstas nos incisos do referido art. 26, tais como, a constituição específica do regime fiduciário sobre os direitos creditórios da referida operação, ou seja, a cada emissão, um regime fiduciário próprio; e, anda, a constituição do patrimônio separado da operação que contará com a totalidade dos bens e direitos que lastreiam a operação.
Aqui cabe esclarecer que o patrimônio separado ficará em nome da securitizadora, todavia, com finalidade específica e pré-determinada, a saber, ao pagamento da emissão dos certificados de recebíveis que garante a operação. Apesar do patrimônio separado ficar em nome da securitizadora, referido patrimônio, em nada se confunde com o seu patrimônio comum ou outros patrimônios separados de outras emissões7 e não são passíveis de responsabilização por passivos da securitizadora, assim como, não podem ser onerados em hipótese alguma em favor de credores da securitizadora.8
Comunhão de interesses
Em havendo comunhão de investidores da referida emissão, será nomeado Agente Fiduciário para exercício de sua atividade, representando os credores em todas as situações.
O art. 29 da lei em análise elenca as principais obrigações do agente fiduciário, destacando-se: (i) a obrigação de zelar pela proteção dos direitos e interesses dos beneficiários e acompanhar a atuação da companhia securitizadora na administração do patrimônio separado; (ii) adotar as medidas judiciais ou extrajudiciais necessárias à defesa dos interesses dos beneficiários e à realização dos créditos afetados ao patrimônio separado, caso a companhia securitizadora não o faça; (iii) exercer a administração do patrimônio separado, na hipótese de insolvência da companhia securitizadora; (iv) promover, na forma prevista no termo de securitização, a liquidação do patrimônio separado; e (v) executar os demais encargos que lhe forem atribuídos no termo de securitização
Conclusão
Não há dúvidas de que a clareza das regras e existência de arcabouço legal que regulamenta o mercado de securitização, certamente, aumentará os negócios desse segmento e beneficiará empresas em busca de capital e investidores.
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1 Art. 22 (...) § 6º A companhia securitizadora poderá celebrar com investidores promessa de subscrição e integralização de Certificados de Recebíveis, de forma a receber recursos para a aquisição de direitos creditórios que servirão de lastro para a sua emissão, conforme chamadas de capital feitas de acordo com o cronograma esperado para a aquisição dos direitos creditórios.
2 Art. 22 (...) XIV - se houver, garantias fidejussórias ou reais de amortização dos Certificados de Recebíveis integrantes da emissão ou de classes e séries específicas, se for o caso;
3 Art. 22, §3º da lei 14.430/22.
4 Art. 23. O Certificado de Recebíveis deverá ser levado a registro ou a depósito em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, nos termos da lei 12.810, de 15 de maio de 2013. Parágrafo único. O Certificado de Recebíveis será obrigatoriamente submetido a depósito quando for: I - ofertado publicamente; ou II - negociado em mercados organizados de valores mobiliários.
Art. 26 (...) § 1º O termo de securitização em que seja instituído o regime fiduciário deverá ser registrado em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, nos termos da lei 12.810, de 15 de maio de 2013.
5 Art. 25. A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre os direitos creditórios e sobre os bens e direitos que sejam objeto de garantia pactuada em favor do pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização e, se houver, do cumprimento de obrigações assumidas pelo cedente dos direitos creditórios.
6 Art. 28. Instituído o regime fiduciário, caberá à companhia securitizadora administrar cada patrimônio separado, manter registros contábeis independentes em relação a cada um deles e elaborar e publicar as demonstrações financeiras.
7 Art. 27. (...) I - constituirão patrimônio separado, titularizado pela companhia securitizadora, que não se confunde com o seu patrimônio comum ou com outros patrimônios separados de titularidade da companhia securitizadora decorrentes da constituição de regime fiduciário no âmbito de outras emissões de Certificados de Recebíveis;
8 Art. 27 (...) IV - não responderão perante os credores da companhia securitizadora por qualquer obrigação;
V - não serão passíveis de constituição de garantias por quaisquer dos credores da companhia securitizadora, por mais privilegiados que sejam;