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Nova regulamentação da CVM traz modernização e eficácia à indústria de fundos de investimento no Brasil

A nova norma da CVM, cuja vigência foi adiada para outubro de 2023, se propõe a uma ampla modernização da regulamentação aplicável aos fundos e promete trazer avanços substanciais para maior eficiência no funcionamento desse mercado.

18/4/2023

Divulgada em dezembro, a resolução 175 da CVM tem figurado entre as temáticas mais discutidas e visadas do primeiro trimestre de 2023 entre investidores, gestores e administradores de fundos de investimento. A nova norma da CVM, cuja vigência foi adiada para outubro de 2023, se propõe a uma ampla modernização da regulamentação aplicável aos fundos e promete trazer avanços substanciais para maior eficiência no funcionamento desse mercado. Entre os benefícios esperados está o maior alinhamento com as práticas internacionais - o que por si só já garante ganhos significativos em agilidade, eficiência e competitividade a essa indústria de enorme relevância para o mercado nacional -, a simplificação dos processos e a redução de custos, além de mais transparência e comparabilidade entre os fundos.

Resultante da revogação de 38 normas, agora sistematizadas em uma única, o projeto da CVM deve trazer, acima de tudo, solidez e funcionalidade ao ambiente regulatório dos fundos, além de uma consequente e necessária redução de custos de observância aos participantes dessa indústria, que vem assumindo crescente relevância para o mercado de capitais brasileiro. Segundo dados da Anbima - Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, a indústria nacional de fundos de investimento já reúne mais de 28 mil fundos, com patrimônio líquido total de cerca de R$ 7,5 trilhões.

Trata-se da 4ª maior indústria de fundos de investimento do mundo, com papel decisivo no protagonismo e respeitabilidade do mercado de capitais brasileiro e para a qual, portanto, uma atualização normativa e adequação aos padrões internacionais fazia-se mais do que necessária.

Com a mudança, uma série de novidades deve se impor ao ambiente de fiscalização da conduta e de funcionamento relativos aos fundos de investimento, visando não apenas trazer maior segurança ao patrimônio dos investidores, como também garantir mais direitos, poderes e prerrogativas a esse público, que passa a contar com novas opções de investimentos, aderentes às temáticas de proteção ao investidor.

Nesse sentido, um dos maiores avanços trazidos pela nova regulamentação diz respeito à limitação da responsabilidade de cada cotista ao valor das cotas subscritas, conforme já prevê a lei de liberdade econômica, de 2019, que versa sobre a proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividades econômicas. Ou seja, a partir de outubro, os fundos deverão explicitar se a responsabilidade dos cotistas está limitada ao valor por eles subscrito ou se é ilimitada, caso em que o cotista deverá atestar formalmente que está ciente dos riscos decorrentes da decisão, o que aumenta a previsibilidade de eventuais perdas.

Insolvência

Além disso, a CVM cumpriu dever de sua competência ao indicar como os fundos com patrimônio líquido negativo devem lidar com tal limitação de responsabilidade. A resolução disciplinou, ainda, o regime de insolvência civil nas situações em que o patrimônio líquido de uma classe específica de cotas de fundo se encontra negativo. Segundo as novas regras, o administrador que se deparar com esse cenário deverá adotar uma série de medidas para preservar a liquidez do fundo, incluindo a suspensão de resgates das cotas e divulgação de fato relevante, e elaborar, em conjunto com o gestor, um plano de resolução do patrimônio líquido negativo, que deve ser objeto de deliberação pelos cotistas.

A CVM também pode pedir a declaração judicial de insolvência da classe de cotas quando identificar situação na qual seu patrimônio líquido negativo represente risco para o funcionamento adequado do mercado de valores mobiliários ou para a integridade do sistema financeiro.

Classes e subclasses de cotas

Outra inovação importante introduzida no contexto da lei de liberdade econômica é a de que o regulamento dos fundos pode agora prever a existência de diferentes classes de cotas, com obrigações e direitos distintos e patrimônios separados para cada uma delas. Tal medida segrega os riscos atrelados a cada cota, já que os titulares de cotas de uma classe serão responsáveis apenas pelas obrigações referentes àquela classe.

A possiblidade de segregar patrimônios em um único fundo mostra-se vantajosa ao criar incontáveis novas oportunidades de estruturação de produtos e de redução de custos. No caso específico dos FIDCs, a implantação de três tipos de cotas - senior, mezanino e junior - amplia o rol de possibilidades a cada investidor, conforme seu apetite de risco e retorno.

Além disso, será possível criar subclasses de cotas, permitindo que as empresas ofereçam diferentes taxas e condições de pagamento, amortização e resgate, conforme cada público-alvo.

Limites ampliados

A CVM inovou também ao ampliar os limites para investimentos em fundos para o varejo no exterior, anteriormente acessíveis somente a investidores qualificados (aqueles com mais de R$ 1 milhão em ativos financeiros). Ou seja, a partir de outubro, os fundos para investidores em geral poderão acessar investimentos estrangeiros em até 100% do patrimônio. Outra inovação importante diz respeito ao acesso a produtos mais sofisticados, como os FIDCs - Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios, pelo público investidor em geral, desde que observados determinados requisitos. Antes da reforma, esse tipo de produto também ficava restrito a investidores qualificados.

Anexos

Inaugurando uma técnica normativa até então pioneira no mercado, o novo marco regulatório da CVM é resultado de um trabalho colaborativo, cuja concepção foi desenvolvida em uma audiência pública que contou com a contribuição de inúmeros agentes do mercado, públicos e privados. Esse esforço coletivo torna-se evidente quando se avalia em detalhes a sistemática da normatização, que teve o cuidado de criar anexos específicos para os FIFs - fundos de investimentos financeiros – e para os FIDCs - fundos de investimentos em direitos creditórios, com a conveniência e a flexibilidade de poder ser posteriormente complementada por outras categorias de fundos.

A proposta da CVM é que a resolução 175 possa ser atualizada sempre que necessário, por meio de anexos que se sucederão, mantendo-se ao longo do tempo um arcabouço único, objetivo, mais simples e mais funcional.

No caso dos FIDCS, instrumentos fundamentais ao cotidiano empresarial brasileiro, e um dos principais métodos para desconto de recebíveis no mercado, cabe destacar, entre outras mudanças, a redefinição dos papéis dos prestadores de serviços. Os gestores e administradores, que sempre tiveram papel central no desenvolvimento das atividades dos fundos, agora passam a ser considerados “prestadores de serviços essenciais”, concentrando obrigações anteriormente de responsabilidade dos custodiantes.  

Tais obrigações incluem a verificação do lastro dos direitos creditórios em carteira, bem como seu enquadramento nos critérios de elegibilidade previstos no regulamento do fundo. Essa redistribuição de competências entre prestadores de serviços traz mais autonomia, mas também mais responsabilidades ao gestor. Ao segregar responsabilidades entre gestores e administradores, fazendo com que deixem de ser obrigatoriamente solidárias para todos os tipos de fundos, a CVM atende a uma demanda antiga da indústria.

Outra mudança diz respeito ao registro de recebíveis: a partir da reforma, o administrador fica obrigado a contratar o serviço de registro de direitos creditórios em entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil, com a ressalva de que não seja parte relacionada do gestor ou da consultoria especializada, podendo debitar essas despesas diretamente de suas classes de cotas.

Como se pôde ver, não são poucas as mudanças previstas no arcabouço de medidas introduzido pelo novo marco regulatório da CVM, e o enquadramento a elas implicará esforço do mercado, mas também inegáveis contribuições para o melhor funcionamento possível de toda a sistemática que rege a indústria de fundos de investimentos no Brasil. Para os players do segmento, a adaptação será gradativa, assim como o aproveitamento das consequências dessa adaptação. Os ganhos em eficiência, observância, otimização de oportunidades e incremento de escala e valor nos negócios mobiliários deverão ser efetivamente percebidos na medida em que as mudanças forem incorporadas na prática.

Ana Cristina Mantoanelli
Advogada graduada pela Universidade Paulista, com pós graduação em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica – PUC e MBA com ênfase em Inteligência de Mercado pela FIA. Atuou no contencioso de grandes escritórios de advocacia, como Azevedo Sodré Advogados – ASA, Demarest e Almeida Advogados Associados e J. Bueno e Mandaliti advogados. Em 2009, assumiu a gerência e, depois, a diretoria do departamento jurídico da Credigy Soluções Financeiras. Atualmente, é diretora jurídica da MGC Holding.

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