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Há limites para a ampla defesa?

Uma análise quanto a higidez da Lei Geral de Proteção de Dados sob a perspectiva dos limites desse princípio constitucional.

14/4/2023

Em sentença, recentemente proferida pela 81ª vara do Trabalho de São Paulo, um enfermeiro teve negado o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho e, ainda, sua demissão foi convertida em justa causa. Isso ocorreu porque, utilizando como prova, juntou ao processo documentos que registravam dados pessoais e sensíveis de alguns de seus pacientes, violando diretamente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O caso ganhou notoriedade por levantar importante discussão acerca do confronto entre a aplicação da LGPD e os limites do direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório. Desse debate emergem ao menos duas perguntas: pode a LGPD limitar a ampla defesa e a produção de provas? Caso não, como estariam salvaguardados os direitos fundamentais de privacidade e de proteção de dados de terceiros?

A LGPD, criada em 2018 e vigorando a partir de 2020, objetiva proteger os dados pessoais e a privacidade, direitos esses previstos no artigo 5º da nossa Constituição Federal. Para isso, dispõe de normas para coleta e tratamento de informações pessoais e sensíveis, bem como prevê a aplicação de sanções em casos de uso indevido. Já os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório, também insertos no texto constitucional, asseguram, desde que respeitados os limites legais, a utilização de todos os meios para a comprovação do direito das partes.

Por óbvio, o exercício de um direito não pode violar a garantia e a preservação de outro de mesma valoração deontológica. Sendo assim, não é razoável a iniciativa de expor informações sensíveis de terceiros, desrespeitando o direito deles à privacidade, tudo visando assegurar a garantia de um direito próprio. Ainda, não se pode olvidar que o compartilhamento de dados sigilosos de pacientes não só infringe as diretrizes da LGPD, como também viola o Código de Ética dos Profissionais da Enfermagem, sendo passível de instauração de processo administrativo para apuração da falta.

Dessa forma, e neste caso específico, constata-se que a demarcação de limites para a utilização do direito à ampla defesa e ao contraditório não se trata de uma violação legal, mas sim de uma garantia do pleno exercício de outros direitos individuais igualmente fundamentais. 

Destarte, tem-se como louvável a conduta da magistrada que julgou o caso, ao reconhecer a falta grave cometida pelo autor e aplicar a penalidade máxima trabalhista, a justa causa, para, pedagogicamente, reprimir a conduta lesiva que violou a privacidade de terceiros, ao expor em processo público seus dados sensíveis.

Fernanda Luísa Gomes
Fernanda atuou nas áreas trabalhista, tributária e ambiental e possui mais de 10 anos de experiência na advocacia.

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