Quem atua na área tributária está acostumado a ver, nas informações prestadas pela autoridade coatora, em mandado de segurança, um argumento muitas vezes presente, qual seja, a ilegitimidade passiva.
O mandado de segurança é um remédio constitucional utilizado para “proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”, conforme a previsão do art. 5°, inciso LXIX, da CRFB/88.
Ou seja, é uma ação judicial, com o rito próprio, regulado pela lei 12.016/09, que é utilizado contra ato coator de uma autoridade ou agente público.
Especificamente no direito tributário, ele é utilizado comumente para obstar o lançamento de determinado tributo ilegal ou inconstitucional, ou evitar a imposição de óbices ou sanções, caso o contribuinte aproprie-se de determinado crédito tributário que entende de direito.
Como já adiantado, a autoridade que o impetrante define como coatora invoca, em suas informações prestadas, o argumento de que não é a autoridade legítima (responsável) pelo ato impugnado.
Tal situação se dá pela burocracia na administração pública, que possui diversos setores, departamentos e outras subdivisões. Esta condição nem sempre permite ao impetrante precisar a autoridade responsável pelo ato coator.
Desta situação, por não ser razoável o não julgamento de mérito do mandado de segurança, que é uma ação idealizada para garantia de direitos, prevista no capítulo de direitos e garantias fundamentais da Constituição, principalmente por ser uma dificuldade imposta pela própria administração pública, não podendo seu acesso ser inviabilizado por dificuldades burocráticas, surge a teoria da encampação, que, para simplificar, é a relativização do “erro” ao indicar a autoridade coatora. Todavia, devem ser cumpridos alguns requisitos.
Esta teoria é uma criação doutrinária acolhida pela jurisprudência, portanto, não é regulamentada por lei.
O STJ, ao julgar o RMS 12.779/DF, em 2008, construiu três requisitos para que ela seja aplicada, quais sejam:
- existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado;
- manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e
- ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal.”
Tais requisitos estão expressamente descritos no enunciado da Súmula 628 do STJ.
O primeiro requisito é objetivo, já que basta a existência de um vínculo hierárquico entre a autoridade apontada como coatora e a autoridade que de fato praticou o ato coator.
O segundo requisito é também objetivo, já que basta a manifestação sobre o objeto do mandado de segurança, por parte da autoridade apontada como coatora, para que ele esteja caracterizado.
Quanto ao terceiro requisito, Márcio André Lopes Cavalcante ensina que “A autoridade indicada no MS foi “A”. No entanto, a autoridade que praticou o ato realmente foi “B”. Se o mandado de segurança tivesse sido impetrado contra a autoridade correta (ou seja, contra “B”), esta ação estaria tramitando perante o mesmo juiz ou Tribunal que está agora? O mandado de segurança proposto contra “A” é julgado pelo mesmo juízo que julgaria o mandado de segurança impetrado contra “B”? Se a resposta for sim para essas perguntas, o terceiro requisito está preenchido”
Quando os três requisitos estão preenchidos, há a aplicação da teoria da encampação; o problema é quando eles não estão preenchidos.
Neste caso, o CPC, em seus arts. 338 e 339, dispõe sobre a possibilidade de emenda da petição inicial para a correção deste vício.
O CPC tem caráter supletivo e subsidiário, portanto, ainda que a lei do mandado de segurança não tenha previsto essa emenda para a correção da autoridade coatora, deve ser aplicada a previsão do CPC.
No entanto, o STJ recentemente reafirmou a sua jurisprudência na qual limita esta possibilidade de emenda da petição inicial, ao julgar o Resp 1.954.451/RJ. A Corte entendeu que, no caso de a “correção da autoridade coatora” implicar modificação de competência jurisdicional, não poderá ser oportunizado ao impetrante a correção da autoridade coatora.
Ou seja, no caso de impetração de um mandado de segurança de competência originária do Tribunal, não poderá haver a remessa dos autos para o primeiro grau de jurisdição, caso a autoridade que deveria ter sido apontada como coatora tenha que ser julgada pelo primeiro grau de jurisdição.
Em que pese à jurisprudência do STJ, tal entendimento viola os princípios da celeridade processual, da eficiência e do acesso ao Poder Judiciário, já que tal “erro” é plenamente sanável, podendo a remessa ser feita para o juízo competente, quando se tratar da mesma estrutura judiciária, à toda evidência.
O CPC de 2015 tenta atender a diversos princípios e consagra o julgamento de mérito das ações. Tal entendimento parece que não vai de encontro às premissas positivadas pelo CPC.