Em meados de fevereiro deste ano, o Ministério da Fazenda publicou a portaria 20/23, na qual regulamentou o procedimento administrativo dos processos de “pequeno valor” e os chamados processos de “baixa complexidade”. Esses processos consistem em uma inovação classificatória trazida pelo art. 4º, da MP 1.160/23, segundo a qual processos com valores inferiores a 1.000 salários-mínimos (atualmente R$ 1.320.000,00) não serão mais julgados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), mas por órgão colegiado das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ).
Para esses casos, o novo procedimento administrativo ocorrerá integralmente na delegacia da Receita Federal responsável pelos julgamentos em primeira instância administrativa (DRJ), que passará a contar com duas instancias de julgamento distintas.
A primeira instância consistirá em órgão de julgamento singular (auditor fiscal especificamente designado) responsável por julgar impugnações e manifestações de inconformidade, enquanto a segunda instancia consistirá em órgão colegiado, Turmas Julgadoras compostas por um mínimo de 3 até o máximo de 7 auditores julgadores, responsáveis por julgar os recursos das decisões proferidas em primeiro grau.
A verificação dos processos de “baixa complexidade” ocorrerá por meio da análise do valor das parcelas contestas de forma isolada ou cumulativa, a depender das questões enfrentadas em relação ao crédito do tributo, da multa de ofício, da penalidade aplicada isoladamente, do tributo projetado sobre prejuízos fiscais, de créditos ou incentivos fiscais ou ainda do direito creditório discutido em processos de compensação.
Depois de distribuídos eletronicamente às Turmas Julgadoras, os processos poderão ser organizados em “blocos” de julgamento a depender da existência semelhanças, conexões, decorrentes ou reflexas, de mesma matéria ou concentração temática, observadas a competência e a tramitação em que se encontram, trazendo a possibilidade de julgamentos temáticos voltados a decidir a matéria e aplicar o entendimento de caso “paradigma” aos demais processos do respectivo lote. Nessa ocasião, a Portaria nº 20/2023 também inovou ao permitir aos contribuintes enviar sustentação oral gravada, via arquivo eletrônico.
Todavia, como nesses casos de “baixo valor” ou “baixa complexidade” as Turmas Julgadoras da DRJ substituirão a função do CARF, as decisões por elas proferidas não comportarão recurso ou pedido de reconsideração, tornando-se definitivas.
Em que pese os critérios estabelecidos por essa nova sistemática intentarem trazer maior celeridade ao trâmite dos processos administrativos federais, pois os processos de valor inferior R$ 1.320.000,00 certamente respondem pela maioria dos processos administrativos federais atualmente em trâmite, inevitável perceber que a medida traz consigo diversos pontos polêmicos.
O mais aparente nos parece ser a adoção de um critério meramente valorativo (a vultosa quantia de R$ 1.320.000,00), bastante questionável para classificar processos como de “baixa complexidade”, visto que as questões de mérito neles envolvidas certamente podem tratar de questões altamente complexas (ex. amortização de ágio).
Nesse mesmo sentido, ainda que mantido o “duplo grau de jurisdição”, o fato de os recursos serem julgados por órgão composto apenas por fazendários pode trazer certa disparidade de tratamento em relação à casos que permanecerão sob alçada do CARF, cuja composição das turmas julgadoras conta com representantes fazendários e dos contribuintes, limitando o alcance ao órgão de julgamento paritário a casos de soma mais elevada e que, provavelmente, pertencem a contribuintes com maior capacidade econômica.
Não bastasse isso, diferentemente dos casos de maior valor, os contribuintes cujos casos forem classificados como de “baixa complexidade”, também não poderão contar com recurso semelhante ao especial que, no CARF, é dirigido as Turmas da Câmara Superior, cuja atribuição é unificar o entendimento das diferentes turmas ordinárias a respeito de uma determinada matéria.
Em que pesem essas e outras questões controvertidas sobre o tema, que podem gerar maior litigiosidade mediante a judicialização de casos em que os contribuintes sentirem que seus direitos de defesa foram lesados com a limitação de acesso ao CARF, eventual mudança neste novo cenário em um custo período é pouco provável.
Por essas razões, é inegável que este cenário torna recomendada a participação de advogados na construção e patrocínio das defesas administrativas, tendo em vista a necessidade de um maior rigor na elucidação dos fatos, do direito e na construção de uma instrução probatória farta e robusta já nas defesas iniciais, dada a importância que as impugnações e manifestações de inconformidade deverão ganhar no desfecho dos processos administrativos de “baixa complexidade”.