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Sobre a ilegalidade da cobrança de “Juros no Pé” em imóveis adquiridos na planta

O contrato de compra e venda de imóvel em construção, se observado pela égide do direito do consumidor, não pode prever a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel, porquanto, nesse período, não há capital da construtora mutuado ao promitente comprador, tão pouco a utilização do imóvel prometido.

21/3/2023

O presente assunto encontra grande visibilidade atual, tendo em vista o relevante crescimento da comercialização de imóveis ainda na planta. Neste sentido, os imbróglios envolvendo incorporadoras de grande expressão ganharam espaço nas seções do Superior Tribunal de Justiça, de modo que este publicou decisão recente no sentido de considerar legais as cobranças dos chamados “juros no pé”, que são aqueles encargos cobrados pela construtora, durante o curso da obra.

A citada notícia publicada foi pautada no fato de que, segundo o Ministro relator Antônio Carlos Ferreira, “não existe venda a prazo com preço de venda à vista”. Ou seja, para o ilustre Ministro, os juros seriam uma forma de compensar os valores gastos e antecipadamente adimplidos pela empreendedora.

Ao que se observa, a fundamentação da cobrança, embora à primeira vista pareça legal, merece atenção redobrada.

É notório que os financiamentos imobiliários preveem pagamentos a perder de vista. Também é fato que os pagamentos devem ser mensalmente corrigidos, com a incidência dos índices regularmente praticados, de modo a impedir a defasagem semanal. Contudo, uma análise mais pormenorizada da situação parece levar à conclusão de que, ainda que exista previsão contratual expressa da cobrança de “juros no pé”, a citada transparência não supera a ilegalidade de tal previsão.

Desta feita, a cobrança de juros antes da entrega das chaves do imóvel mostra-se medida altamente atentatória à função social do contrato.

Ademais, o argumento de que a previsão explícita dos juros legalizaria a sua cobrança não subsiste em qualquer hipótese. Não é porque são cobrados antecipadamente e de forma parcelada que se tornaram legais, ainda que contemplados contratualmente.

Do contrário, a simples anotação de cláusulas contratuais as tornaria legais, ainda que abusivas.

Assim, pode-se concluir que o contrato de compra e venda de imóvel em construção, se observado pela égide do direito do consumidor, não pode prever a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel, porquanto, nesse período, não há capital da construtora mutuado ao promitente comprador, tão pouco a utilização do imóvel prometido.

Posto isso, temos que o presente assunto ainda não encontra passividade jurisprudencial, podendo se ter decisões opostas para casos semelhantes, tendo em vista o posicionamento doutrinário dos julgadores.

Alonso Santos Alvares
O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

Bruna Freitas
Advogada especialista em Direito Empresarial e integrante do núcleo cível da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial.

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