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Quais os danos psíquicos nos familiares de presos sem contato físico?

As aplicações dos conceitos de torturas psíquica e psicológica são difíceis na prática, porque não são aparentes e nem facilmente reconhecidos pelas vítimas. Filhos e netos, especialmente menores e esposas com plano de gravidez que adoecem, por não receberem previsão de retorno do contato físico com reeducandos, estão em vivência destas torturas.

13/3/2023

A família é uma unidade de agrupamento sociocultural, que constitui a base da organização social humana. Os impactos produzidos pela privação de liberdade repercutem nesta reconfiguração familiar. O Estado, por sua vez, tem função neste suporte, para garantia constitucional na manutenção dos vínculos interpessoais sem transferência de pena.

A família nuclear está embasada nas relações afetivas dos casais, descendentes e dos outros membros significativos. A reclusão em regime severamente restritivo, além das implicações psicológicas negativas ao reeducando, repercute psicossocialmente com prejuízos para os parentes1, especialmente, nas relações conjugais e de pais, filhos e netos.

A restrição de visitas íntimas e sociais por longos períodos reverberam na liberdade dos familiares e na inviolável intimidade dos sujeitos. A sexualidade constitui experiência interpessoal indispensável para a manutenção da relação conjugal e reprodutiva, neste contexto limitante, adiando gestações planejadas, que podem não ocorrer pela demora.

Os afastamentos físicos dos casais e parentes, impostos pela restrição das visitas íntimas e sociais, minam, progressiva e até irreversivelmente, as bases afetivas dos relacionamentos familiares. Este impacto contínuo gera implicações psicossociais e psicossomáticas nos cônjuges e companheiros, por dificuldades de adaptação2.

Restrições severas desencadeiam sintomas de ansiedade, agressividade, ansiedade, estresse, insônia, alterações no apetite, irritabilidade, comportamento suicida, dentre outros3 4 5 6. Esta condição leva parte dos indivíduos a adoecimentos mentais, com necessidade de iniciar tratamentos psiquiátricos e psicológicos, assim como a Dano Psíquico.

Estudos7 8 indicam que a falta de contato impacta na vida dos filhos de reeducandos, porque dificultam o desempenho de seus papéis parentais. Esse afastamento culmina em baixa autoestima, depressão, retração emocional, instabilidade e desadequação comportamental, problemas desenvolvimentais, dificuldades escolares e risco de suicídio.

As restrições de contato físico afetam negativamente os reeducandos e os membros do núcleo familiar, porque a privação de contato social e íntimo pode ser vivenciada de maneira inédita prejudicial à saúde mental destes. Assim, muitos indivíduos não reclusos são afetados psicossocialmente, pela prisão severamente restritiva de um ente querido, mesmo sem culpa.

As aplicações dos conceitos de torturas psíquica e psicológica são difíceis na prática, porque não são aparentes e nem facilmente reconhecidos pelas vítimas. Filhos e netos, especialmente menores e esposas com plano de gravidez que adoecem, por não receberem previsão de retorno do contato físico com reeducandos, estão em vivência destas torturas.

Portanto, os familiares de reeducandos em sistemas prisionais com severas restrições, por impedimentos prolongados de visitas íntimas e sociais com contato físico, vivenciam condições psicossociais e somáticas estressoras, que iniciam ou pioram adoecimentos mentais, necessitando de tratamentos psiquiátricos, chegando a Dano Psíquico e suicídio.

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1 GUERRA, R. A família no cárcere: uma contribuição à crítica do método de cumprimento de pena criminal. Universidade Católica do Salvador, 2014. 

2 WESTERN, B. Incarceration, Marriage and Family Life. Princeton University, Department of Sociology, 2004. 

3 BARARI, S., CARIA, S., DAVOLA, A., FALCO, P., FETZER, T., FIORIN, S., HENSEL, L., & SLEPOI, F. Evaluating COVID-19 public health messaging in Italy: Selfreported compliance and growing mental health concerns. MedRxiv, 2020.

4 LIMA, C., CARVALHO, P., LIMA, I., NUNES, J., SARAIVA, J., SOUZA, R., SILVA, C. & ROLIM, N. The emotional impact of Coronavirus 2019-nCoV (new Coronavirus disease). Psychiatry Research, 2020.

5 BARBISCH, D., KOENIG, K. & SHIH, F. Is there a case for quarantine? Perspectives from SARS to Ebola. Disaster Medicine and Public Health Preparedness, v. 9, n. 5, pp. 547-53, 2015.

6 PANCANI, L., MARIANUCCI, M., AURELI, N., & RIVA, P. Forced social isolation and mental health: A study on 1006 Italians under COVID-19 quarantine. PsyArXiv, v. 5, pp. 1-11, 2020.

7 TRAVIS, J., CINCOTTA, E & SOLOMON, A. Families Left Behind: The Hidden Cost of Incarceration and Reentry. The Urban Institute, Justice Policy Center, 2001.

8 HAIRSTON, J. Prisoners and Families: Parenting Issues during Incarceration, US Department of Health and Human Service, 2002. 

Hewdy Lobo
Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

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