O mês é março de 2023, mas ainda é necessário questionar o motivo pelo qual as mulheres são 52% da população brasileira e, apesar disso, de acordo com o último levantamento do IBGE, apenas 37,8% dos cargos de chefia no Brasil são ocupados por mulheres. Ademais, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o país ocupa a 129a posição no ranking mundial quanto à participação das mulheres na política, ou seja, apenas 17,7% de mulheres ocupam o parlamento no Brasil.
Estes dados refletem o fenômeno da masculinização do comando e feminização da subalternidade. Esse fenômeno demonstra que, mesmo frente aos espaços conquistados pelas mulheres na sociedade, o poder de comando permanece fiel à lógica da cultura patriarcal.
De fato, desde a antiguidade, a relação entre os sexos foi marcada, pelo domínio e coerção do homem, por um lado, e pela submissão e resistência da mulher, por outro. A Igreja e as várias outras instituições exerceram forte influência na divulgação de uma cultura misógina. O patriarcado foi consolidado na sociedade auxiliado pelo Direito, no qual a mulher é colocada numa situação de obediência à ordem estabelecida pelos homens. O papel da mulher na sociedade parece que sempre foi estabelecido pelos homens e seu destino escolhido por eles.
A realidade é que, desde o momento em que a mulher acorda, já é impelida a pensar em tudo que vai representar a sua intelectualidade e se provar à altura. Ser mulher é um desafio do cotidiano em qualquer cenário. Desafio porque a percepção é bastante estereotipada, com vários filtros históricos de cultura. Quando se exerce a profissão, esses filtros são elevados. As mulheres estão vencendo e conquistando espaços pelo estudo e pelo trabalho, mas os espaços públicos e privados de poder seguem predominantemente masculinizados.
Em profissões consideradas essencialmente masculinas, o desafio da mulher é ter que demonstrar firmeza sem se masculinizar, ser firme e decidida, sem rigorismo exacerbado. Tudo isso caminhando com a realidade de que os cuidados com a vida privada, com o lar e a procriação em nossa sociedade recai quase que exclusivamente sobre as mulheres. Historicamente cabe a elas esse papel. Em que pese a crescente presença feminina no mercado de trabalho, obrigações decorrentes da vida privada permanecem as mesmas. As mulheres vivenciam a dupla e, muitas vezes, a tripla jornada de trabalho. Conciliar as obrigações da vida privada, com obrigações decorrentes da vida pública continua sendo um dilema para as mulheres.
Muitos são os movimentos de luta contra esse cenário repressor feminino. As convenções internacionais ratificadas pelo Brasil - das quais merecem destaque a Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher-, frutos desta luta, e mesmo a Constituição da República estabelecem várias garantias formais às mulheres no intuito de garantir proteção e redução de desigualdades. Legislações infraconstitucionais no país também foram criadas para combater essa realidade.
Contudo, ter legislação específica para combater essa discriminação não é suficiente e os obstáculos enfrentados pela mulher no ambiente de trabalho e na atuação política são enormes. É preciso ter ações concretas.
É falsa a ideia muitas vezes propagada que as mulheres não queiram ingressar na política nem que não almejem assumir cargos públicos de chefia dentro das instituições que fazem parte. O baixo número da participação das mulheres está relacionado a um número negativo que o Brasil ocupa, qual seja, o 5º lugar no ranking da violência, e aqui a violência precisa ser entendida também por práticas cotidianas do universo patriarcal como o “mansplaining” ou "manterrupting".
No campo da política, atualmente são cerca de 46% de mulheres filiadas a partidos políticos, mas a representatividade nos Poderes Legislativos e Executivos são ínfimos. Nas eleições de 2023, os números comprovam. Das 143 mulheres candidatas a governadora e vice-governadora no País, apenas duas mulheres se elegeram governadoras (PE e RN) e 6 vice-governadoras (AC, CE, DF, PA, PE, SC). No âmbito do legislativo, a baixa representatividade feminina se repete. Foram 58 mulheres candidatas ao Senado Federal, e apenas 4 eleitas (a bancada feminina no senado hoje conta com 15 senadoras). Para a Câmara Federal, 3718 candidatas e apenas 91 deputadas federais eleitas. Além da baixa representatividade, é preciso confrontar o reducionismo do trabalho da mulher dentro da política partidária à ligação instantânea da imagem feminina à pauta feminina.
Nas carreiras jurídicas, os números que revelam as desigualdades não são distintos. Embora seja correto afirmar que está havendo ascensão das mulheres nas carreiras jurídicas e que a representatividade feminina tem ganhado força, é correto afirmar que o desenho das instituições da justiça ainda é eminentemente patriarcal e que os homens ocupam majoritariamente a gestão.
O caminho a ser percorrido pelas mulheres para chegar em cargos de gestão é muito mais árduo. Diante de um cenário machista, em que homens ocupam os principais cargos de poder e que ainda veem mulheres apenas como objeto de poder e de inferioridade, a quebra deste paradigma exige construção política coletiva que foque na emancipação política feminista. As mulheres precisam do apoio de outras mulheres.
No âmbito político institucional da Defensoria Pública, o processo de aumento gradativo da participação política das mulheres defensoras públicas nos espaços de decisão institucional é um caminho que esta sendo incentivado e apoiado pela ANADEP.
Em 2017, a Associação Nacional começou a discutir a mudança de seu nome de Associação Nacional dos Defensores Públicos para Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. A modificação do estatuto foi efetivada em junho de 2018, tendo sido realizada a adequação em todo seu texto. Esse pioneirismo da ANADEP serviu de exemplo tanto para as associações dos estados e do DF, como também impulsionou modificação da linguagem em documentos oficiais da Defensoria Pública em todo país. Além de ter sido exemplo para entidades de classe de outras carreiras. Em 2019, a ANADEP lançou a campanha “Em Defesa Delas: defensoras e defensores públicos pela garantia dos direitos das mulheres” com o objetivo de apresentar à população o trabalho em favor das mulheres que necessitam de acesso à Justiça para garantia de seus direitos.
No biênio 2021/2023, pela primeira vez, a ANADEP teve duas mulheres à frente da gestão da entidade, fato que se repete no biênio 2023/2025. Esse exemplo associativo modifica a estrutura da carreira. Hoje, são cerca de 55% de mulheres defensoras públicas na ativa nas 27 unidades da federação. E, pela primeira vez, 1/3 das defensorias terão mulheres como Defensoras Públicas Gerais (AC, MT, MG, PB, RJ, CE, TO, BA e PI). Já no âmbito associativo, quase metade das unidades são liderados por mulheres (AC, AL, AM, BA, CE, RO, RR, MS, MT, GO, PR, RJ) e esse número tende a aumentar em 2023.
As mudanças alcançadas pela Defensoras Públicas em 2023 precisam ser consolidadas. É preciso estar vigilante para não cair na armadilha do patriarcado e repetir comportamentos masculinos na maneira de agir. A luta pela equidade de gênero precisa do envolvimento de todas e de todos, porque a responsabilidade por construir uma sociedade justa e equilibrada é coletiva.