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As alterações do RCR2 sobre o termo de arrolamento e transferência de bens nas concessões rodoviárias

A inobservância destas duas premissas pode anular os ganhos regulatórios almejados pela ANTT e até mesmo produzir efeitos adversos à contratação.

8/3/2023

Em dezembro de 2022, a ANTT publicou a Resolução 6.000/22, que aprova o Regulamento das Concessões Rodoviárias (RCR2). A norma é a segunda etapa do processo que envolve a publicação de cinco normas, cujo objetivo é reformular o microssistema normativo da agência e unificar aspectos relevantes para as concessões rodoviárias.

O RCR2 disciplina o regime aplicável aos bens, aos projetos de engenharia, às obras e aos serviços associados às concessões rodoviárias. Os temas são amplos e há mudanças significativas, que serão implementadas a partir de julho de 2023.

Dentre as novidades trazidas pela norma, destacam-se as modificações no regime jurídico associado ao Termo de Arrolamento e Transferência de Bens e Inventário da Concessão (“Termo”). Tradicionalmente utilizado no setor, este documento define os bens que integram a concessão e, em regra, é definido pelos contratos como o marco da efetiva transferência do sistema rodoviário ao parceiro privado.

Muito embora o Termo não seja novidade no setor, o RCR2 inova ao alterar as condições de sua celebração e ampliar as funções a serem atendidas por este documento ao longo da concessão. Conforme se demostra a seguir, as novidades introduzidas pela ANTT apresentam repercussões relevantes sobre diversos temas dos contratos do setor, inclusive sobre o seu equilíbrio econômico-financeiro.

Maior detalhamento

A primeira alteração que chama a atenção na disciplina do termo de arrolamento e transferência de bens é de ordem estrutural. Tradicionalmente, este documento servia à formalização da transferência do sistema rodoviário ao parceiro privado. O detalhamento do rol de bens transferidos ao parceiro privado ocorria posteriormente, mediante a realização de cadastro da rodovia pelo próprio concessionário.

O RCR2 altera esta premissa. Na nova regulação, o Termo de Arrolamento de Transferência de Bens passa a ser publicado junto com o edital, acompanhado de anexos que detalham, de forma exaustiva, o rol de ativos que integram a concessão.

A norma determina que o Termo contará com uma descrição individualizada dos bens, preferencialmente, com a indicação de sua localização georreferenciada e com a filmagem de toda a rodovia.

Em tese, isto permitiria a redução das assimetrias de informação entre o poder público e os licitantes, conferindo maior segurança para que estes elaborassem suas propostas. No entanto, a alocação de riscos instituída pela norma impede que este benefício seja usufruído pelo setor.

Risco de deterioração dos bens

O RCR2 determina que a concessionária assumirá os bens da concessão no estado em que estes se encontrarem, responsabilizando-se por sua guarda, manutenção e vigilância. Isto significa que eventuais deteriorações no estado dos bens transferidos pelo Termo à concessionária são de integral responsabilidade do parceiro privado.

A se considerar que, inevitavelmente, os anexos do Termo serão elaborados em momento anterior ao da assinatura do contrato, é natural que as informações contempladas em seus anexos estejam defasadas. Em outras palavras, o sistema rodoviário assumido pela concessionária não será o descrito pelo Termo, mas, sim, um sistema já impactado por deteriorações.

Isto impacta o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e onera, de forma desnecessária, o parceiro privado que assume o empreendimento. A possível consequência é a adoção de medidas de cautela por parte dos interessados, que passarão a contingenciar valores em suas propostas para custear eventuais investimentos adicionais que se façam necessários por conta das deteriorações do sistema.

Desapropriações, desocupações e licenciamento ambiental

Se andou mal na alocação do risco de deteriorações do sistema, o RCR2 apresenta novidades interessantes, que podem contribuir para a mitigação do risco de desapropriações, desocupações e licenciamento ambiental.

Isto porque a nova norma determina que o Termo passe a indicar as declarações de utilidade pública relativas a áreas do sistema rodoviário, assim como sobre processos de desapropriação em andamento e demais informações relativas à situação imobiliária das áreas necessárias à implantação da concessão.

Na mesma linha, o Termo terá de apresentar a lista de ocupações regulares identificadas na rodovia e as licenças ambientais em vigor.

Estas novas exigências, de um lado, permitem que o parceiro privado identifique cada um destes riscos com maior precisão. De outro, facilitam a adoção de uma alocação de riscos mais racional, viabilizando arranjos de compartilhamento que permitam reduzir o ônus que estes riscos ensejam sobre a tarifa da concessão.

Revisão do Termo e reequilíbrio

O novo regulamento determina que, se a lista de bens for publicada concomitantemente ao edital da licitação, a revisão que prejudicar qualquer parte será sucedida de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.

A medida visa proporcionar segurança jurídica às partes, já que a modificação do Termo poderá alterar obrigações de manutenção e operação do projeto. A garantia também tem como objetivo aumentar a confiança dos licitantes na higidez dos bens identificados pelo Poder Concedente, já que os estudos são referenciais e poderão conter divergências.

Considerações finais

O Termo de Arrolamento e Transferência de Bens sofre importantes alterações com o RCR2, transformando-se em um instrumento bastante útil não apenas para a delimitação dos ativos transferidos ao parceiro privado, mas também para o gerenciamento de riscos associados aos bens do projeto e às desapropriações, desocupações e aos processos de licenciamento ambiental.

Para que os benefícios previstos para esta alteração regulatória sejam alcançados, porém, será imprescindível que as informações inseridas no Termo sejam levantadas com amparo em estudos rigorosos e que se evite, ao máximo, o transcurso de prazo excessivo entre a data de sua realização e a publicação do edital.

A inobservância destas duas premissas pode anular os ganhos regulatórios almejados pela ANTT e até mesmo produzir efeitos adversos à contratação. A partir de julho de 2023, será possível acompanhar os primeiros esboços da aplicação deste novo regime jurídico sobre as contratações do setor – espera-se que com bons resultados.

Rafael Pereira Fernandes
Advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

Caroline Lopes Batista
Advogada e atua nas áreas de Direito Administrativo, Regulatório e Infraestrutura. Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Pesquisadora do Laboratório de Estudos Institucionais (LETACI).

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