O habeas corpus tem previsão constitucional no art. 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal; suas hipóteses de cabimento são detalhadas no art. 647 e seguintes do Código de Processo Penal, especialmente no subsequente art. 648.
Art. 5°, inciso LXVIII - conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I - quando não houver justa causa;
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI - quando o processo for manifestamente nulo;
VII - quando extinta a punibilidade.
No julgamento do habeas corpus, verifica-se a legalidade ou não da ordem emanada pela autoridade coatora.
A despeito de divergências, pode-se considerar o habeas corpus uma ação autônoma de impugnação de natureza mandamental e com status constitucional, com procedimento sumário e cognição limitada, como faz Aury Lopes Jr.1
Essa ação tem por escopo garantir o direito fundamental à liberdade individual de ir e vir.
Esse instrumento heróico é também utilizado no âmbito do processo civil, especialmente para casos de prisão civil do devedor de alimentos.
Tese comumente vinculada ao habeas corpus no processo civil é a tese da impossibilidade de pagamento da pensão alimentícia por parte do devedor (paciente), o que impediria a sua prisão civil ante a modificação do quadro fático que autorizaria a prisão (art. 648, inciso IV do Código de Processo Penal).
Isso porque a própria lei prevê que a justificativa da impossibilidade de pagamento da pensão alimentícia seria matéria defensiva ao devedor de alimentos ante a instauração da execução pelo rito da prisão civil, conforme previsto ao final do artigo 528 do Código de Processo Civil:
Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
Questiona-se, portanto, a possibilidade de vinculação dessa tese defensiva em sede de habeas corpus.
O Superior Tribunal de Justiça entende que na via do procedimento especial de habeas corpus não é possível avaliar a capacidade econômica do paciente, ou discutir o binômio necessidade-possibilidade a respeito dos valores objeto de execução civil de alimentos.
Esse entendimento é compartilhado pelas 3ª e 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça, competentes para julgamento de tal matéria, conforme precedentes exemplificativos: STJ. 4ª Turma. AgInt no RHC 163.959/GO, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 3/10/22; e STJ. 3ª Turma. RHC 136.336/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 3/3/22.
Inclusive, na edição número 65 da Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça, a tese número 12 fixou essa interpretação: “a real capacidade econômico-financeira do alimentante não pode ser aferida por meio de habeas corpus”.
O habeas corpus é instrumento processual de cognição sumária, com escopo de rito célere e breve, o que impede a análise de questões que demandem maior aprofundamento e dilação probatória; sobretudo em casos que já houve essa apreciação no devido locus processual, que é a fase de conhecimento da ação de fixação (ou revisão) de alimentos.
A verificação da redução da capacidade financeira do alimentante e a revisão das justificativas apresentadas para o inadimplemento da obrigação, normalmente, demandam dilação probatória, inviável em sede de habeas corpus.
Assim, para o Superior Tribunal de Justiça, alegações a respeito da redução da capacidade econômica do paciente, por exemplo, como até o caso de desemprego, ou outras teses redutivas que serviriam para justificar a incapacidade de arcar com a obrigação alimentar, devem ser levadas à discussão pela via e local adequado para tanto.
Para doutrina, o que deve ser distinguido é a impossibilidade de dilação probatória com a possibilidade de análise de prova pré-constituída. A primeira é inviável em habeas corpus; a segunda, é perfeitamente possível, independente da complexidade da matéria.2
“Não se confundir a possibilidade-obrigatoriedade da análise das provas (pré-constituídas) que embasam eventual pleito de habeas corpus com a – aí sim inaceitável – dilação probatória na sumária sede de cognição do writ. Significa que, se houver provas para o acolhimento da pretensão (liminar ou final) objeto do habeas corpus, deve o Poder Judiciário incursionar nos seus exames para exarar conclusões – positivas ou negativas – acerca da pretensão defensiva”.3
A despeito do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, e com base nessa distinção doutrinária entre dilação probatória e análise de prova pré-constituída, principalmente em casos de desemprego do devedor de alimentos, é possível localizar precedentes de Tribunais de Justiça Estaduais que admitem e concedem a ordem de habeas corpus nessas situações, recolhendo-se o mandado de prisão expedido pela autoridade coatora.
Portanto, para evitar a aplicação da interpretação uniformizada pelo Superior Tribunal de Justiça, deve-se fazer a distinção do caso concreto do habeas corpus entre a análise da prova pré-constituída e a necessidade de dilação probatória para aferir a impossibilidade financeira do paciente de arcar com os alimentos.
Isso porque a impossibilidade do devedor de alimentos em realizar o pagamento da dívida alimentar afasta o seu decreto prisional, conforme disposto no artigo 528 do Código de Processo Civil.
Desta forma, em sede de habeas corpus para garantir, ao menos, a suspensão do decreto prisional até melhor instrução probatória para verificar a alegada impossibilidade, o que afastaria o decreto prisional e, inclusive, desequilibraria o binômio necessidade-possibilidade alimentar com aptidão para modificação da pensão alimentícia fixada.
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1 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 1109-1110
2 LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 1109-1110
3 FISCHER, Douglas. Recursos, Habeas Corpus e Mandado de Segurança no Processo Penal. 2ª edição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. P. 255