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Multa por infidelidade: um diálogo entre o direito das famílias e o direito das obrigações

Embora a problemática da quebra do dever de fidelidade seja antiga e entrecortada por inúmeras polêmicas (como a da natureza jurídica dos deveres conjugais e da monogamia , por exemplo), ela continua acesa nos debates público e jurídico.

13/2/2023

1  INTRODUÇÃO 

Em matéria recente, publicada no site do IBDFAM1, buscou-se compreender, para além dos possíveis efeitos jurídicos da exposição pública de traições, o porquê de o ranking do mais popular aplicativo de música do momento estar exibindo, em suas primeiras posições, canções cuja matéria-prima principal são episódios de infidelidade conjugal/amorosa, e os impactos dessa infidelidade.

Não é de hoje que a temática da traição afetiva movimenta o debate público, o direito e outras searas do saber e da expressão humanas, como a psicologia e a arte.

De livros clássicos, como Anna Karenina (Leon Tolstoi), Madame Bovary (Gustave Flaubert) e Dom Casmurro (Machado de Assis), à canção Bzrp Music Sessions 53 - na qual a cantora Shakira desabafa sobre a notória relação simultânea que seu ex-marido Gerard Piquet manteve, e que levou ao término do seu casamento -, o universo da arte e do entretenimento sempre foram prodigiosos em exemplos de obras que explicitam o quanto a quebra da fidelidade é tema central no interesse humano, que desafia a psique e as relações afetivas.

Merece destaque especial, nesse cenário, Dom Casmurro, obra que levou o penalista Aloysio de Carvalho Filho a proferir conferência histórica na Academia de Letras da Bahia, em 1958, intitulada “O Processo Penal de Capitu”2, oportunidade em que se debruçou sobre a suposta infidelidade da esposa de Bentinho, à luz da doutrina penal da época.

As razões da já mencionada centralidade do interesse pela temática transbordam os limites desse texto, mas vale lembrar a valiosa e hoje clássica lição de Rodrigo da Cunha Pereira: vem da psicanálise a compreensão da pessoa humana como um sujeito desejante3, o que influencia sobremaneira o direito e o poder judiciário. Nessa linha, tudo que transpassa o desejo, em seu sentido mais amplo, interessa ao humano e termina por impactar o direito.

Ainda que, como já dito, o tema esteja nas berlindas há muito, a contemporaneidade tem trazido novos influxos e possibilidades de análise na pespectiva dos “deveres conjugais e sua quebra”. 

Um ótimo exemplo pode ser extraído da própria canção já mencionada, na qual a estrela colombiana provoca: “você achou que me machucou e eu fiquei mais forte/as mulheres não choram mais, as mulheres faturam".

Por mais que essa  frase possa soar simplista, feita para causar barulho em um pop hit, e que saibamos ser impossível generalizar as consequências da infidelidade conjugal - peculiares a cada sujeito e recortadas por marcadores de gênero, raça, idade e classe, dentre outros-, é nítido que ela revela uma narrativa menos comum e mais atual sobre as traições: nela, a mulher não é colocada no lugar de pecadora, de imoral, de dissimulada ou de vazia, como em algumas das obras literárias citadas, nem no de simples vítima abandonada e indignada.

O eu poético da canção de Shakira sofre, mas não se deixa diminuir pela traição, e a sua forma de reagir é monetizando a própria dor, ao transformá-la em sucesso nas paradas.

O tema central deste artigo, a multa por infidelidade, se situa, fundamentalmente, no vértice de dois ramos do Direito Civil:  o Direito das Obrigações e o Direito das Famílias, com reflexos na Responsabiliade Civil.

Mas é essencial perceber que, hoje, ele não pode ser analisado apenas com base nos postulados tradicionais da civilística pátria. 

Pensar sobre a possibilidade jurídica de pactuação dessa multa exige abertura, implica refletir sobre a dinâmica das relações contemporâneas e sobre os próprios contornos do Direito das Famílias da pós-modernidade.

Pablo Stolze Gagliano
Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFBA

Fernanda Carvalho Leão Barretto
Advogada. Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL. Professora do CEJAS, da EMAB e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Comissão de Direito de Família do CFOAB. Presidente do IBDFAM/BA.

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