O presente artigo tem por escopo traçar , em breves notas, um balanço inicial do governo Lula, valendo salientar, de logo, que as medidas implementadas nesse período estão mais voltadas para refazer ou restabelecer o que Bolsonaro e seus Ministros se incumbiram de destruir avassaladoramente nos últimos quatro anos.
Com efeito, o governo atual principiou revogando os decretos sobre porte e posse de armas e munições, que causaram um clima de tensão e aflição na sociedade, a par de propiciarem o abastecimento do crime organizado e das milícias, conforme dados técnicos obtidos pela sua equipe de transição.
Fez valer, assim, o quanto disposto no Estatuto do Desarmamento, que, além de não poder ser revogado por tais decretos, como já pontuou o STF, representa um avanço civilizatório que foi, e ainda o é, festejado pela sociedade brasileira.
Ademais, o novo ministério foi implantado para fazer frente aos graves problemas havidos na educação , saúde, relações exteriores, meio ambiente, etc, que, nos últimos quatro anos, assolaram a nação pela incompetência dos ministros de Bolsonaro, trocados sucessivamente.
Não nos deteremos aqui a arrolar os desmandos cometidos pelo antigo governo, mas sim cuidar do porvir. Todavia, não se pode fazer vista grossa à tragédia da Covid 19, que, apesar da sua magnitude, só não foi maior graças ao grande bastião que foi SUS. Não nos esqueçamos que no governo findo foram entabulada tratativas, capitaneadas pelo ex - ministro Paulo Guedes, para a absurda privatização do SUS, abortadas , por pressão da sociedade civil, em boa hora.
No meio ambiente, Lula assinou um decreto para combater o desmatamento na Amazônia e nos biomas brasileiros, no bojo do qual dá protagonismo ao IBAMA, que foi totalmente desaparelhado na última gestão.
Também foi assinado um decreto que revogou a privatização de oito empresas estatais relevantes, como a Petrobrás e os Correios. Pensamos que as privatizações só devem ocorrer como medida extrema, alcançando estatais absolutamente inúteis e ineficazes, como ocorre no mundo todo. Elas, no Brasil, ao mais das vezes, comprometam a qualidade dos serviços públicos prestado por particulares e aumentam os seus custos, além de propiciarem o desfazimento do patrimônio público por preços ínfimos.
Nas relações internacionais, o Brasil começou a restabelecer os seus contatos com o mundo, retomando acordos com a Europa, os EUA , China e com a américa latina. O multilateralismo, tão castigado no último governo, sempre foi a tônica de nossas tradições diplomáticas.
Retomamos também o acordo do fundo amazônico com a Alemanha, que foi, irresponsavelmente e sem a menor necessidade, desfeito no governo Bolsonaro.
Também as tratativas para retomar a relações entre a União Europeia e o Mercosul já foram deflagradas pelo governo atual.
Quanto ao genocídio dos povos indígenas Yanomami, perpetrado pela última gestão, significativos esforços já estão sendo empreendidos pelo atual governo para salvar esses índios, livrando-os da desnutrição, poluição pelo mercúrio e outras doenças e problemas, contraídos nos contatos com o garimpo ilegal, que teve livre trânsito no último governo e agora já começou a ser combatido com rigor.
Na área econômica, é preciso lembrar que o neoliberalismo que campeia no mundo nos últimos quarenta anos, já vem fazendo água nos países desenvolvidos, sendo certo a sua pujança nos países de terceiro mundo. Ali, o estado de bem - estar social se faz presente com um Estado forte, ao contrário do que apregoa a doutrina neoliberal, que intervêm na economia e na área social, promovendo investimentos produtivos e sociais. Aqui, precisamos sim de um Estado forte e que combata as desigualdades sociais. O ideal de Guedes de estado mínimo, já superado nos países de primeiro mundo, está na contramão da história. Ele quis inventar a roda.
Ele, o neoliberalismo, é a doutrina política, social e econômica que sedimenta e embasa o hegemônico capitalismo financeiro. No capitalismo financeiro a prevalência é dos papeis, ações, derivativos, títulos da dívida pública, etc, em detrimento da produção de bens e serviços, e políticas sociais.
O neoliberalismo, sobretudo nos países subdesenvolvidos, que não tiveram estado de bem – estar social, produz uma gigante desigualdade social entre ricos e pobres. A receita neoliberal para tais países impõe a adoção de medidas tais como precarização das relações sindicais e de trabalho, ajuste fiscal, meta de inflação, privatizações, etc, prejudicando investimentos produtivos, sociais , previdenciários, etc, bem como erigi um autêntico estado mínimo, deixando para o mercado a tarefa de tudo prover, o que de fato, desde priscas eras, não acontece.
No Brasil, as bases do neoliberalismo remontam, efetivamente, ao Governo FHC, que -- para debelar a espiral inflacionária, o que em certa medida conseguiu, muito embora tenha deixado para Lula, que o sucedeu, um legado de pobreza, miséria, desindustrialização, desemprego e dívida externa altíssima – concebeu o tripé macroeconômico, assim constituído: meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante.
De lá para cá o Brasil vem sofrendo com a miséria, a fome, a ausência de políticas públicas eficazes, desindustrialização, aumento da dívida pública interna, etc, sempre com a presença do citado tripé macroeconômico. Até mesmo Lula, nos dois primeiros mandatos presidenciais, teve que ceder ao receituário neoliberal, a exemplo da indicação de Henrique Meireles para Ministro da Fazenda, um homem sabidamente ligado aos bancos, e da sua “carta aos brasileiros”, onde ele, Lula, firma um compromisso com o mercado, não obstante tenha conseguido executar muitas políticas sociais.
No governo Bolsonaro, foi, mais uma vez, feito um pacto com os banqueiros e o mercado, tendo à frente um ultra – liberal e privatista chamado Paulo Guedes. Este manteve o antes mencionado tripé macroeconômico , tendo como carro chefe as altas taxas de juros ditadas pelo Copom, com o pretexto de combater a inflação, mas que na verdade tem o fito de garantir aos credores, sobretudo banqueiros, juros polpudos da nossa dívida pública interna.
Lula, nos altos dos seus 76 anos de idade, único presidente eleito para 3 mandatos depois da redemocratização, frise-se, vem agora tentar romper ou mitigar as amarras do neoliberalismo. Nas suas primeiras medidas, a começar pelo aumento do bolsa família para R$ 600,00, já vem sofrendo a contestação do mercado e dos economistas neoliberais. De fato, ao contrário de Bolsonaro que previu R$ 400,00 reais de Bolsa Família para esse ano, Lula, com a PEC da transição, cumpriu a sua promessa dos R$ 600,00.
É curioso notar que o governo Bolsonaro gastou, com a eleitoreira PEC das bondades, no final do ano passado , orçamento secreto dentre outros gastos, quase R$ 800 bilhões de reais, enquanto o governo Lula , com a PEC da transição, vai gastar um valor estimado de R$ 175 bilhões. Ali o mercado tudo suportou tranquilamente, mesmo com os desmandos e asneiras diárias do Presidente, ataques à república e a democracia, etc. Agora ele, o mercado, se mostra sensível e insatisfeito. Aliás o que é o mercado? Um ente abstrato e metafísico que só se preocupa com os vultosos ganhos do aplicadores financeiros , relegando a plano secundário os investimentos produtivos e as políticas sociais.
O governo Lula tem agora a árdua missão de investir no capital produtivo, aportando recursos para infraestrutura, indústria, políticas sociais e outros, o que poderá gerar queda na taxa de desemprego e promover o desenvolvimento econômico e social do País. Não podemos ficar mais a mercê, exclusivamente, de elementos de política macroeconômica, como metas de inflação, superávit primário, PIB, altas taxas de juros, etc. Eles são importantes, porém não são exclusivos. Há que se tentar um novo caminho para o País, que tangencie, minimamente que seja, as injunções do neoliberalismo. Não temos “bola de cristal” para saber se vai dar certo. Mas é um louvável tentame que o governo Lula colima levar a cabo. Não à toa, ele pede a paciência da população, pois, afinal de contas, só são 30 dias de governo.
O governo atual já se depara com um grande desafio: como financiar a produção se o BC,a pretexto de combater a inflação, estabelece uma altíssima taxa de juros, que , a par de favorecer os aplicadores financeiros , emperra o investimento produtivo? Dizemos “a pretexto” porque, como sabido, a nossa inflação não é de demanda, mas sim estrutural e de custos. Segundo os economistas progressistas esse problema pode ser contornado com o financiamento de pequenos e médios empresários, com juros baixos, pelos bancos públicos. Ademais, obras de infraestrutura, como portos e ferrovias, refinarias, construção de silos , etc, podem ser feitas para diminuir os custos da produção. Com efeito, sabemos que nossa inflação não é de demanda, pois o mercado não está aquecido com a procura frenética de bens e serviços.
Nesse diapasão, não é desnecessário assinalar que , ao apagar das luzes no Congresso Nacional, foi aprovada a lei que privatizou o Banco Central. Essa medida, que não foi acertada ao nosso ver, coloca em rota de colisão o governo e o BC, este voltado para os interesses do mercado e aquele vocacionado para atender aos anseios da população.
Nessa linha de raciocínio, é preciso anotar que o governo atual já se manifestou no sentido de conciliar a responsabilidade fiscal com a responsabilidade social, priorizando esta última, mesmo porque caixa nós temos. Só para lembrar, dinheiro nós temos sim para honrar, com juros altíssimos, o pagamento da nossa imoral dívida pública interna, que não está sujeita nem à Lei de Responsabilidade Fiscal nem ao teto de gastos.
De outra parte, não podemos deixar de atentar para o fato de que, ao contrário do orçamento das famílias, em que a dona de casa só gasta o que recebe , os investimentos produtivos são indispensáveis no orçamento do Estado, gerando empregos e até mesmo superávit.
Ainda na área econômica, o governo já vem envidando esforços para aprovação da reforma tributária no primeiro semestre desse ano. Ele pretende, de forma acertada, que a tributação seja progressiva, taxando os mais ricos e aliviando a tributação sobre o consumo, protegendo, assim, os mais pobres.. Assim, grandes fortunas, lucros e dividendos devem ser tributados com mais vigor.
Para concluir, pensamos que alguma alternativa mitigadora do neoliberalismo tem que ser tentada, deixando de lado os embates ideológicos, se não continuaremos na mesma toada, com baixo desenvolvimento econômico e social, desindustrialização, desemprego, miséria e fome.