Já no início do ano de 2023, o Governo Federal promoveu um conjunto de medidas fiscais que impactarão a vida do empresário. Segundo afirmou o ministro da economia Fernando Haddad, essas medidas visam a recuperação fiscal e possuem foco no aumento de arrecadação para que o governo possa fazer frente as despesas e reduzir a litigiosidade fiscal. Num breve resumo, as principais mudanças são:
- A revogação do voto de qualidade nos julgamentos do CARF, atualmente em caso de empate será proferido voto sempre pelo representante do fisco;
- O fim do recurso de ofício para valores abaixo de R$ 15 milhões no CARF;
- Aumento da alçada para acesso ao CARF, ou seja, as discussões de baixa complexidade com valor abaixo de 1000 salários-mínimos não poderão ser submetidos à apreciação do CARF;
- Incentivo à regularização por meio da instituição de Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal PRLF consistente em transações com desconto de juros e multas e em alguns casos, do principal;
- O PIS/COFINS não serão calculados sobre o ICMS e, coerentemente, os créditos tampouco serão computados dessa forma.
Tais medidas se devem sobretudo pela tentativa de reduzir a litigiosidade e consequentemente o grande estoque de processos administrativos no CARF que vem crescendo ao longo dos anos, tendo como fonte o Diagnóstico do Contencioso Tributário Administrativo – 20221.
Mas as justificativas para a adoção das medidas anunciadas não se mostram adequadas e contém diversos pontos de atenção e discussão, e se implementadas, tendem a agravar a relação fisco x contribuinte.
É notório que há excesso de litigiosidade no Brasil tanto na esfera judicial quanto na esfera administrativa seja pela alta carga tributária seja pela infinidade de obrigações acessórias existentes e crescentes dia-dia. Outro fator de atenção é a cultura dos sujeitos envolvidos, o aspecto arrecadatório dos Fiscos em geral e a tentativa de pagar menos imposto pelos contribuintes, fazendo com que ambas as esferas permaneçam em litígio o máximo de tempo possível.
Como resultado disso há a insegurança jurídica afetando inclusive o cenário econômico e desenvolvimento do país, além de impactar o retorno dos valores para a sociedade em forma de política pública eficiente.
O CARF – Conselho Administrativo de Recursos Federais existe desde fevereiro de 2008, por meio da lei 11.941, de 27 de maio de 2009. Trata-se de um órgão colegiado e paritário, é um dos órgãos administrativos responsáveis por analisar, decidir, julgar recursos das DRJs – Delegacias Regionais de Julgamento referentes aos tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
O procedimento administrativo fiscal tem grau de importância elevado na medida em que o contribuinte pode contestar/impugnar o lançamento sem grandes custos tendo em vista a gratuidade do litígio, o alto grau técnico das decisões (os julgadores têm conhecimento especializado de matéria tributária) e a possibilidade de ter em seu favor a expedição de Certidão Negativa de Débitos enquanto perdura a discussão consubstanciado num potencial para a manutenção do fluxo de caixa.
Mas ao contrário do que parece, a medida não parece eficiente e sua tentativa de diminuir a litigiosidade no âmbito administrativo como o CARF implicará no aumento da judicialização dos temas tributários.
O grande volume de discussões tributárias vem aumentando vertiginosamente ano a ano e representam um dos maiores fatores de morosidade do Poder Judiciário, com congestionamento na ordem de 87% segundo relatório “Justiça em Números”, edição 2021 (CNJ, 2021).
Mesmo com esse cenário do alto grau de litigiosidade, o Governo Federal teve aumento de arrecadação com um melhor resultado desde 1995, alcançando a marca de R$ 2,21 trilhões somente no ano de 20222. Segundo publicação no Jota3, foram transacionados R$ 184,3 bilhões em débitos, gerando uma arrecadação de R$ 14,5 bilhões, com mais de 1 milhão de transações tributárias firmadas.
A solução para todo esse dilema será saber qual instrumento ideal para a redução da litigiosidade, isso porque a relação fisco x contribuinte sempre será trilhada num ambiente propício aos litígios levando em conta a alta carga tributária e a complexidade do sistema tributário aliado a grande disparidade entre o valor arrecadado a título de tributos e o montante retornado à sociedade em geral.
Não por isso meios alternativos de solução de conflitos tributários são permitidos para tentar para reduzir essa litigiosidade, dar celeridade dentre eles estão conciliação, mediação, arbitragem tributária, além de outras ações já implementadas como as transações federais que tem se mostrado um instituto bem-visto tanto para contribuintes quanto para a União.
Neste contexto, a reforma tributária para a simplificação do sistema aliado aos demais métodos de alternativos de resolução de conflitos e seus respectivos aperfeiçoamentos seriam mais eficientes visando diminuir as distorções existentes.
As medidas devem ser bem analisadas para que não afetem a economia e tenha como meta o retorno dos tributos como investimento para a sociedade com a consecução dos objetivos fundamentais do Estado, visando o desenvolvimento econômico nacional. Ao que parece não é só uma medida isolada que será eficaz!
Há que se pensar em ações efetivas e com novas abordagens multidisciplinares no cenário tributário para que os litígios sejam resolvidos de modo racional, uma meta a ser perseguida continuamente.
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1 Disponível em http://carf.economia.gov.br/dados-abertos/dados-abertos-202212-final.pdf
2 Arrecadação federal alcança R$ 2,218 trilhões em 2022, melhor resultado desde 1995. Disponível em https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/arrecadacao-federal-alcanca-mais-de-r-2-21-trilhoes-no-acumulado-de-janeiro-a-dezembro-de-2022. Acesso em 25 de janeiro de 2023
3 Mais de 1 milhão de contribuintes já optaram pela transação tributária.