Migalhas de Peso

A linha tênue entre as marcas descritivas e sugestivas

É inquestionável que as marcas evocativas ou sugestivas possuem um grau de proteção diminuído e devem arcar com o ônus da convivência com marcas semelhantes no mesmo segmento de mercado.

8/2/2023

Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o entendimento de que a expressão “Rose & Bleu” não pode ser apropriada com exclusividade para identificar roupas infantis e o seu comércio, por considerar que este sinal não possui suficiente distintividade, nos termos do artigo 124, VI e VIII, da Lei de Propriedade Industrial1: 

“Art. 124. Não são registráveis como marca:

VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

VIII - cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo;” 

No caso ora analisado ROSE & BLEU COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE ARTIGOS DO VESTUÁRIO LTDA. requereu, em 20/10/05, pedidos de registro para as marcas mistas "ROSE & BLEU", junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), nas classes 25 (roupas infantis e seus acessórios) e 35 (comércio, importação e exportação de roupas infantis e seus acessórios). Os registros foram concedidos em 18/12/2007, no entanto, foram apostilados nos seguintes termos: “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”.  Por esta razão, o titular da marca ajuizou ação em face do INPI, visando a anulação do ato administrativo do Instituto que apostilou tais registros, requerendo a concessão dos registros sem qualquer ressalva. 

A 35° Vara Federal do Rio de Janeiro julgou improcedente o pedido do autor, mantendo o ato administrativo de INPI que concedeu os registros com a apostila acima mencionada. Assim, foi interposto recurso contra tal decisão, no entanto, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o entendimento, mantendo o ato administrativo do INPI e, portanto, os registros permanecem com a apostila em questão. 

Neste contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar a aplicação da apostila aos registros da marca "ROSE & BLEU" e a decisão do STJ que manteve o ato administrativo do INPI. 

O artigo 124, VIII do INPI dispõe que cores e suas denominações não são registráveis como marca, salvo se estiverem dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo. É controversa a aplicação à expressão “ROSE & BLEU”, haja vista que trata-se de uma combinação da denominação gráfica de cores (rosa e azul) e, além disso, a expressão está no idioma francês, desconhecido pelo consumidor médio brasileiro. 

O Acórdão, no entanto, menciona que a proibição do artigo 124, VIII é aplicável ao presente caso, pois a expressão composta por denominações de cores não é disposta ou combinada de modo peculiar e distintivo, considerando que as cores “rosa” e “azul” são tradicionalmente associadas aos gêneros feminino e masculino, principalmente em relação aos infantes. Por esta razão, a expressão também foi considerada irregistrável a luz do artigo 124, VI, acima descrito. 

Ocorre que também é questionável a aplicação da proibição contida no artigo 124, VI no caso em tela, uma vez que a expressão "ROSE & BLEU" é apenas evocativa/sugestiva, nos termos do próprio Acórdão, conforme trecho abaixo transcrito: 

“[...] as cores rosa e azul são tradicionalmente associadas aos gêneros feminino e masculino, principalmente no que se refere aos infantes e, apesar de não descreverem os elementos essenciais nem fazerem referência direta ao segmento de roupas e acessórios infantis, possuem "laço conotativo entre a marca e a atividade designada". 

Nota-se que as marcas evocativas, também denominadas sugestivas, são passíveis de registro como marca, haja vista não estarem contidas na proibição legal prevista no inciso VI do artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial. Neste sentido, Denis de Borges Barbosa dispõe: 

“Em princípio, uma marca genérica não será, jamais, apropriável; as descritivas, o serão, quando dotadas de forma distintiva. As demais serão apropriáveis, segundo um balanceamento entre os níveis de significação inicial: uma marca sugestiva induzirá o público a discernir qual o produto ou serviço assinalado, mesmo que não o conheça. As marcas de fantasia terão de ser criadas na percepção do consumidor, pela apresentação, descrição, ou publicidade.”2 

Vale ressaltar, inclusive, que além da expressão "ROSE & BLEU" não ser descritiva, mas apenas evocativa ou sugestiva, de acordo com a decisão judicial, não há nenhuma outra marca composta por tal combinação que tenha sido depositada ou registrada junto ao INPI, corroborando o entendimento de que ela também não é comum no mercado. 

Ainda, salienta-se que o próprio INPI já concedeu o registro da marca nominativa AZUL LINHAS AÉREAS 829695010, com apostila excetuando o direito ao uso exclusivo apenas da expressão “LINHAS AÉREAS”, o que significa que foi concedido direito ao uso exclusivo do nome de cor “AZUL” no segmento, apesar da proibição legal. 

Por fim, corroborando o entendimento de que sinais evocativos ou sugestivos são passíveis de registro, destacamos as seguintes marcas já registradas pela Autarquia, sem qualquer ressalva: SHOESTOCK; CHOCOTTONE; LA PASTA GIALLA; NETSHOES; FACEBOOK, entre inúmeras outras.

Conclui-se, portanto, que muito embora tenha sido mantida a apostila aplicada aos registros da marca "ROSE & BLEU", o caso é complexo e existe margem para entendimento contrário, uma vez que a aferição do grau de exclusividade de uma marca é subjetiva. Assim, o apostilamento mais apropriado para restringir a pretensão de exclusividade do requerente seria “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos isoladamente”, ou seja, com o acréscimo da expressão “isoladamente” à ressalva feita na concessão do registro.

De toda forma, é inquestionável que as marcas evocativas ou sugestivas possuem um grau de proteção diminuído e devem arcar com o ônus da convivência com marcas semelhantes no mesmo segmento de mercado.

_____________

1 Recurso Especial nº 1.339.817 - rj (2012/0176047-2)

2 Barbosa, Denis Borges. Generificação e Marcas Registradas. 2006. pag. 13.

Carollina Marfará
Advogada do escritório Peduti Advogados parceiro do RedeJur - Associação de Escritórios de Advocacia Empresarial.

Cesar Peduti Filho
Advogado do escritório Peduti Advogados parceiro do RedeJur - Associação de Escritórios de Advocacia Empresarial.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

STJ altera a metodologia de cálculo de tarifa para condomínios sem hidrômetro individualizado

19/7/2024

Recuperação judicial fraudulenta

18/7/2024

A lei 14.365 e o papel do sócio gestor nas sociedades de advogados

17/7/2024

Planejamento sucessório: Regime da separação de bens convencional não afasta o cônjuge da qualidade de herdeiro

18/7/2024

Efeitos práticos dos novos princípios da reforma tributária

17/7/2024