Migalhas de Peso

Tentando compreender a ideia da holding e seu papel no planejamento sucessório

Em linhas gerais há um grande desafio no mundo atual que seria o da compreensão da ideia de herança e da importância desse direito para a economia de um modo geral, buscando compreender meios mais racionais de planejamento tributário.

1/2/2023

Há que se compreender que uma coisa é a sonegação fiscal, conduta intencional de ocultar, adulterar ativos para não pagar tributos, o que é ato ilícito administrativo, penal e civil gerando consequências graves.

Coisa diversa, no entanto, é o planejamento tributário, na análise de formas legais para pagar uma menor carga tributária – e num mundo em que o capital tem sido cada vez mais ideologizado em que cada vez mais se vê a tributação de heranças como instrumento de realização de uma suposta Justiça Social, a matéria demanda análises rápidas para evitar dissabores futuros para aqueles a quem se queira garantir um futuro melhor. 

Há certos movimentos, inclusive, no viés ideológico mais marxista, que apregoam o fim do direito dos herdeiros que, no entender deste segmento, não fizeram nada para a construção do patrimônio que deveria reverter para o Estado no interesse de todos. Observe-se o que aponta Emil Asturing Von München:

O Direito de herança possui apenas importância social na medida em que deixa para o herdeiro o poder exercido pelo falecido durante o tempo em que viveu, nomeadamente: o poder de atribuir a si mesmo, por meio da propriedade do de cuius, os frutos do trabalho alheio. Pois, a terra confere ao proprietário vivo o poder de atribuir a si próprio os frutos do trabalho de outros, sob o título de renda fundiária, sem a prestação de um valor equivalente. O capital concede-lhe o poder de fazer o mesmo, sob o título de juros e lucro. A propriedade de títulos de valores do Estado outorga-lhe o poder de, mesmo sem trabalhar, poder viver dos frutos do trabalho alheio etc. A herança não gera esse poder de transferência dos frutos do trabalho de uma pessoa para o bolso de outra. Ela tem a ver apenas com a troca de pessoas que exercem esse poder. Tal como qualquer outra legislação burguesa, as leis sobre herança constituem não a causa, mas sim o efeito, a consequência jurídica da organização econômica existente que se funda na propriedade privada dos meios de produção, i.e. a terra, a matéria-prima, as máquinas etc. Desse mesmo modo, o Direito de herdar escravos não constituía a causa da escravidão, senão, pelo contrário, era a escravidão que constituía a causa de os escravos serem herdados. 

Nem vou entrar no cerne da discussão ideológica, mas quem trabalha e produz o faz ciente de que é mortal e que, se acumula algo, seria para deixar uma vida melhor para quem tenha em sua rede de afeto isso poderia ser entendido como um desdobramento de seu direito de personalidade (afeto) e propriedade dentro do que a própria Constituição protege – talvez se o Estado fosse menos corrupto e mais eficiente, as pessoas tivessem a ideia de que seria melhor deixar algo de bom grado para ser dividido entre todos.

Esse tipo de discussão, no entanto, tem levado a uma alteração de postura em relação aqueles que se preocupam em manter uma vida mais amena aos herdeiros e pessoas com que mantenham vínculos de afeto. O Estado também não colabora para qualquer confiança do cidadão.

Certo é que o brasileiro nunca teve o hábito de fazer testamentos (não se prestam, ademais, apenas e tão só para fins patrimoniais como se pensa – isso é um mito - pois existem, por exemplo, testamentos apenas para declarar fatos de que a pessoa se envergonhava em vida mas quis desabafar depois de sua morte, confessar delitos, testamentos vitais para dispor sobre desligamento de máquinas e aparelhos se ficar em estado vegetativo, dispor sobre tutela de filhos menores etc).

E essa falta de ânimo decorre do fato de que a sucessão legal (legítima é um termo comumente apontado como pejorativo e não recomendado para tal ideia) já seria a ideia presumida pelas pessoas de proteção aos entes queridos, o que causa uma certa zona de conforto nas pessoas (... se eu morrer amanhã meu companheiro (a) e filho (a, os, as) estarão amparados).

No entanto, há uma previsão de que o ITCMD seja elevado para algo entre 20 a 25% do valor do espólio – ou seja, a viúva provavelmente terá que vender a casa e ir para um bem de valor menor ou viver de aluguel para que o Estado receba o que lhe é devido – dentro desta ideia que se quer passar de que herdeiros sejam parasitas (verdadeiro equívoco se os mesmos cumprirem a função social do patrimônio – haveria uma certa inconstitucionalidade do argumento se tal função social estiver sendo cumprida – mas com a atuação composição da Suprema Corte dificilmente se fará ponderação que prestigie valores liberais).

No mundo atual se encontra superada a ideia romana no sentido de que mors omnia solvit, ou seja, em tradução literal, uma ideia de que a morte tudo resolve, de sorte tal que, ao menos hipoteticamente, com o falecimento do de cujus sucessiones agitur, os problemas estariam acabados, tudo estaria resolvido (não obstante os romanos acolhessem a ideia de morte numa acepção mais ampla que a do direito atual – aceitava-se, por exemplo, o conceito de morte civil1).

Culturalmente isso se explicaria porque, no direito romano bastaria que se morresse com um herdeiro homem (mulheres maiores solteiras no jus quiritum perdiam a capacidade ao se casarem sempre tendo que passar da autoridade do pai para o do marido – cultura bélica fundada no patriarcado) que seria responsável pelo culto dos antepassados (deuses lares – vindo daí a expressão “lar” para significar o local do fogo sagrado dentro de uma casa – simbolizando os parentes mortos), para que se impedisse que os mortos de dada estirpe familiar passassem por necessidades no mundo espiritual, com libações anuais nas sepulturas desses entes queridos falecidos (acreditava-se que a vida seguia no túmulo, geralmente localizado nas casas ou lares)2.

Aí já se poderia perceber a gênese dos rituais que empregamos atualmente no dia dos mortos, quando são levadas flores aos jazigos dos entes queridos falecidos.

E, da mesma forma, verifica-se a gênese da proteção ao imóvel de família (no direito romano a propriedade tinha esse caráter sagrado e não era alienada nem para o pagamento de dívidas do pater famílias que seria vendido como escravo se dívida não fosse paga, para que os demais membros da família conservassem o local sagrado)3.

No entanto, como sabido, as coisas nem sempre se dão desse modo eis que, com a morte do indivíduo, um sem número de problemas pode ser destacado, tendo o legislador criado tantas situações polêmicas (basta ver, por exemplo, discussões acerca da concorrência, ou não do cônjuge com descendentes nos vários regimes matrimoniais ou as dificuldades da sucessão do companheiro com filiação híbrida) que hoje não se tem como incomum encontrar-se autores que defendem a necessidade de um verdadeiro planejamento sucessório prévio enquanto conjunto de medidas para preservação patrimonial e da autonomia da vontade4.

Poder-se-ia ter a falsa ideia de que estes problemas surgiriam apenas quando houvesse um patrimônio a ser herdado, ou seja, enquanto o referido conjunto de posições jurídicas do falecido titular tivesse que ser passado a algum herdeiro ou conjunto de herdeiros, ou mesmo legatários.

Assim sempre se pensa no inventário positivo de bens necessário à liquidação patrimonial do extinto para que se afira o quanto cada herdeiro receberia (como ainda se aplica no direito pátrio o princípio da saisine com a própria abertura de sucessão o patrimônio já passaria ao domínio – não mais posse como estabelecia o CC/16 - dos herdeiros – nesse sentido a disposição contida no artigo 1.784 do Código Civil).

Realmente, pode ser que o extinto não estivesse na posse direta dos bens no momento do falecimento, impedindo a imediata transmissão da posse aos herdeiros por força deste princípio de saisine.5

Por força desta saisine, com essa ideia de transmissão automática do domínio, seria de se questionar a respeito da efetiva necessidade de um processo de inventário de bens, eis que, num primeiro momento, sob a perspectiva da lógica, parece não haver necessidade de um procedimento judicial que se destine a garantir essa transmissão. E, de fato, essa não seria a justificativa para a ação de inventário de bens. Nesse sentido, a clássica definição de De Plácido e Silva:

“derivado do latim inventarium, de invenire (agenciar, diligenciar, promover), em sentido amplo, quer significar o processo, ou série de atos praticados com o objetivo de ser apurada a situação econômica de uma pessoa ou de uma instituição, pelo relacionamento de todos os seus bens e direitos, ao lado de um rol de todas as suas obrigações e encargos...”6.

De modo mais sucinto, aponta Roberto Senise Lisboa no sentido de que “inventário é o procedimento por meio do qual são oficialmente relacionados os bens encontrados em nome do de cujus.[7] Observa-se nesse tipo de definição uma correlação necessária entre inventário e bens do extinto.

Por essa perspectiva, antes de se falar em transmissão propriamente dita, pela referida incidência da saisine, sob o prisma lógico, mister se faz aferir se existe algo a ser transmitido e em que medida (será a oportunidade, por exemplo, de se separar eventual meação que é direito de terceiro e não se confunde com herança). E esta será, justamente, a justificativa existencial da ação de inventário – o Estado impõe o inventário como um dos princípios universais de direito possessório para que ele tenha um controle maior no recebimento de patrimônio e incidência de impostos.

E não se esqueça de que, muitas vezes, no inventário serão disciplinados direitos de natureza indisponível, como se dá em relação aos bens dos incapazes, havendo relevância na previsão de um procedimento especial judicial para regular tais verificações, além da existência de questões fiscais a serem resolvidas.8

Mas nada impede, no entanto, que essas questões fiscais sejam resolvidas em procedimentos não judiciais, como se autoriza no inventário extrajudicial, cabendo esta função ao tabelião respectivo, devendo haver obtenção da documentação fiscal pertinente, o que, no caso do Estado de São Paulo, se encontra disciplinado nos termos da Portaria CAT-9/07 da Secretaria de Estado da Fazenda.

O grande problema é que, se tudo chegar ao inventário, não se escapará, pela ocorrência da saisine, da incidência do ITCMD que os ventos socialistas querem fazer chegar a vinte ou vinte e cinco por cento do valor da herança – a viúva irá morar de aluguel.

Nem um testamento evitará isso pela regra da saisine. Se for feita doação em vida, incidirá o ITCMD (imposto de transmissão causa mortis e de doação). Então qual o modo de evitar a incidência deste imposto que parece estar se tornando tão agressivo?

A priori uma pessoa jurídica não morre, não há que se falar em transmissão mortis causa quando morre um sócio – o patrimônio continua a pertencer à empresa, o que se altera são apenas as cotas que não necessariamente valem a mesma coisa que os bens do estabelecimento – ainda mais se a empresa for administrada por outra, de capital social menor.

Começa aí, o universo das chamadas holdings. A utilização de uma pessoa jurídica regular, para a administração de um patrimônio, tem vantagens nesse tipo de situação, em tempos de Estado insano – Leviatã Fiscal (repita-se, se o exemplo viesse de cima, com boa gestão dos recursos públicos, como se dá em paraísos socialistas como a Suécia e a Dinamarca, as pessoas pagariam mais conformadas, mas enquanto se tiver que o país seja um ralo de corrupção, desvios, má-gestão e ineficiência, as pessoas que tenham a sua disposição possibilidade de planejamento sucessório de tudo farão, dentro da lei, para evitar que o patrimônio amealhado em uma vida de esforços se perca em vão).

Há que se tomar cautelas para que se façam essas operações dentro da lei em elisão e não evasão de tributos, o que teria consequências cíveis e penais. E se direitos que nascem da morte não devem figurar em inventário, o mesmo pode ser dito em relação a deveres que morrem com o devedor (por exemplo, uma fiança – a responsabilidade do fiador por débitos posteriores ao óbito não pode ser invocada).

No inglês hold nos remete a “segurar”, de modo que a expressão holding se refere a uma espécie de empresa-mãe, uma empresa que teria vocação para ser gestora de participações sociais – geralmente adquire outras empresas visando adquirir mais da metade das ações de outras empresas para controla-las e administrá-las – formando grupos empresariais.

Dessa analogia veio a ideia do grupo familiar que se organiza para centralizar e gerir como um conjunto um patrimônio que acabaria sendo depreciado se não fosse administrado e comandado desse modo, em caso de falecimento do titular, divórcios etc. Assim a advocacia começou a se especializar nas vantagens da holding para efeitos de proteção patrimonial num ambiente jurídico cada vez mais hostil para com o capital – atua como modo de proteção dos bens, apresentando vantagens fiscais e legais.

Sabe-se que uma holding pode atuar no mercado em vários ramos de atividade ou se prestar apenas e tão só a administrar um patrimônio (no caso o familiar) por isso se costuma classicamente dividi-las em holding pura e holding mista.

Na holding pura apenas se administrará o patrimônio familiar na mista além dessa administração se desenvolverá outro tipo de atividade. Recomenda-se, se o escopo for a proteção do patrimônio que se tenha uma holding pura para que a mesma não corra os riscos próprios da outra atividade – até mesmo veículos não se recomenda que sejam colocados em nome da holding posto que sujeitos a acidentes – e se houver, por exemplo, um homicídio culposo ao volante, com apólice de pequena cobertura, o patrimônio imobiliário poderá correr riscos – tudo isso deve ser avaliado no momento da criação da holding.

Importante consignar que a holding tanto pode somente servir para esta administração de bens familiares, situação em que a doutrina a designa como holding pura, ou pode atuar em outro tipo de atividade empresarial conjunta – situação nomeada como holding mista sendo esta normalmente controladora.

Além da função original de controle de outras empresas, como visto uma holding pode ser criada como holding administrativa que se presta a substituir legalmente sócios das empresas controladas, o que facilita o poder de tomada de decisões, diminuindo ingerências, pode ser ainda um holding de participação que centraliza a gestão das empresas respondendo até mesmo pelos acionistas minoritários quando os mesmos não queiram se envolver diretamente nos negócios.

Fala-se ainda em holding familiar, geralmente indicada para a gestão do patrimônio de uma família como meio de resolver previamente os litígios em caso de falecimento e diminuir impactos fiscais – mas há outros modelos e detalhes a cogitar – cada caso é um caso. Inclusive isso pode ser feito de modo preventivo em pactos nupciais, por exemplo prevendo casamento de filhos e outros detalhes. Tudo seria uma questão de ajuste, planejamento e assessoria adequadas.

Quando uma empresa desse tipo é criada para gerar divisas e adquirir patrimônio a ser agregado em seu próprio capital social, antecipando divisão de herança por meio de cotas se costuma dizer que a holding seria patrimonial – e quando uma empresa já estabelecida que se converter em uma holding, doutrinadores se referem ao conceito de holding derivada.

Com a constituição da Holding, todo patrimônio da pessoa física ou grupo familiar é integralizado no capital social. Dessa forma, a divisão dos bens poderá ser feita em vida e, assim, evitar a dilapidação do patrimônio, reduzir os custos tributários e desgastes de um processo de inventário.

Não se perca de vistas que além do imposto sobre herança (ITCMD) em vias de ser elevado – em caso de litígio, serão devidos honorários de sucumbência ao advogado que ganhar a disputa entre herdeiros, se houver disputa entre cônjuges de filhos, esses poderão, dependendo do modo como se casarem, vir a serem ainda mais onerados, viúvas terão que ter em caixa dinheiro para pagar tudo isso para continuarem debaixo do mesmo teto, ganhando pífios proventos previdenciários – tudo isso sem contar o que se gastará com honorários contratuais, de modo que se toma a liberdade de convidar o leitor para esta reflexão preventiva – eis que não se preocupar com isso pode vir a ser ruinoso num futuro não muito distante.

Desculpem-me pelas sombrias reflexões byronianas. Mas como digo em aulas para meus alunos – O Mundo é um lugar perigoso para se viver.

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1 Nesse sentido interessantes ponderações históricas apontadas por Thomas Marky em célebre obra acerca de direito romano, mencionada nas referências do presente texto, às páginas 35 e seguintes.

2 Fustel de Colanges. A Cidade Antiga, como mencionado nas referências ao final deste texto.

3 Com narrativa acerca desta correlação entre propriedade e o seu caráter sagrado no direito romano e seu reflexo nos dias atuais, em obra mencionada nas referências deste texto, o entendimento de Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, às fls. 65.

4 À guisa de exemplificação, nesse sentido, destaca-se a opinião de Maria Berenice Dias em obra mencionada nas referências deste texto, p. 367.

5 Nesse sentido, Inácio de Carvalho Neto, em obra mencionada nas referências bibliográficas deste texto à página 38.

6 No seu famoso Vocabulário Jurídico, como destacado nas referências bibliográficas deste texto, p. 515.

7 Obra mencionada nas referências da presente análise, às p. 422.

8 Quanto a isso remete-se o leitor ao conceituado Curso Avançado de Processo Civil, de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, às páginas 312/313, em detalhes nas referências bibliográficas do presente estudo.

Júlio César Ballerini Silva
Advogado. Magistrado aposentado. Professor. Coordenador nacional do curso de pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Médico.

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