Estamos em uma época do ano muito propícia para pensar o futuro: olhamos no retrovisor ao elaborar o balanço do ano que passou e planejamos o que está por vir.
Não é diferente no mundo da infraestrutura logística e aqui, ao pensar no que estar por vir, vislumbro alguns desafios e possibilidades para o setor.
O economista Mohamed El-Erian, em recente entrevista ao New York Times, aponta que o principal desafio que a cadeia logística enfrenta deriva de uma mudança monumental na economia global e no próprio fenômeno na globalização: vivenciamos um momento em que o problema não é mais a demanda insuficiente, mas a insuficiência do lado da oferta.
Segundo El-Erian, diversas razões explicam essa mudança. Especificamente em relação às cadeias de suprimento, o economista destaca questões como a influência das políticas de zero covid da China, a intensificação do foco desse país no seu mercado interno, razões de segurança nacional relacionadas, por exemplo, à guerra da Ucrânia e a crise energética europeia. Ele também enfatiza o reposicionamento estratégico de várias empresas que têm mudado sua forma de operação buscando resiliência para além da mera eficiência.
Como resultado dessas mudanças, o lado do fornecimento nas cadeias logísticas se tornou menos responsivo, formando um gargalo na retomada do crescimento econômico. Em reação, vislumbra-se uma nova era após o “just in time approach”.
O movimento aponta para uma diversificação da cadeia de valor, o que não ocorrerá do dia para a noite. Essa transformação demandará grandes investimentos públicos e privados e a construção de sinergias com as ações de transição energética atualmente em curso.
Então, se eu pudesse dar apenas um palpite sobre os rumos da infraestrutura logística em 2023, eu seguiria as previsões de El-Erian indicando a premente necessidade de adoção de estruturas e processos mais resilientes.
Esses processos demandarão uma atuação conjunta entre os setores públicos e privados. Na coluna de hoje, divido algumas de minhas expectativas, com foco na atuação do governo federal
Expectativas gerais no contexto do novo governo federal
Ano novo e novo governo. Ainda é cedo para cravar os rumos que as políticas públicas relacionadas à infraestrutura logística tomarão, mas já temos algumas suspeitas.
Em termos de organização administrativa, duas grandes ações são esperadas: a reestruturação do Ministério da Infraestrutura, com sua divisão em duas pastas e o realinhamento da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
Alguns representantes do setor, a exemplo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), posicionaram-se contra a divisão do Ministério da Infraestrutura, temendo que a “a retirada de secretarias de determinados modais, representará o risco de perda de eficiência de políticas públicas voltadas à intermodalidade".
Ainda, é preocupante a atual falta de recursos do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para seguir com a conservação das rodovias, ponto que merece a devida atenção por parte do novo governo.
Na definição de ações e projetos prioritários, espera-se uma continuidade no desenvolvimento da pipeline de concessão e PPPs bem como o desenvolvimento de estratégias para destravar processos relevantes de relicitação.
O grande desafio para viabilizar o prosseguimento das relicitações segue sendo a dificuldade de alcançar o acordo entre concessionária e poder concedente para a indenização dos ativos não amortizados.
De outro lado, não há uma tendência estabelecida sobre como ocorrerá a regulamentação do BR do Mar (lei 14.301/22), gerando incertezas quanto às políticas públicas de cabotagem.
Aguarda-se ainda a retomada do processo de renovação antecipada da FCA e da RUMO Malha Sul os projetos prioritários.
Um ponto relevante que ensejou polêmicas no grupo de trabalho do governo de transição diz respeito à possibilidade de criação de um órgão que coordene a política climática do governo federal. Em reportagem do Valor Econômico afirmou-se que “há acordo sobre a necessidade de se dar prioridade e transversalidade à agenda climática no governo, mas as divergências envolvem seu desenho institucional e atribuições”. Independentemente da sua configuração, o futuro órgão ou entidade deverá ter relevante interface com a definição
Pautas regulatórias relevantes
A regulação da infraestrutura logística brasileira é especialmente impactada pela atuação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). As três agências estão em estágios distintos da implantação de suas respectivas agendas regulatórias.
A ANTT aprovou sua agenda regulatória para o biênio 2023-2024 mantendo cinco grandes eixos temáticos, sendo um deles de natureza transversal, o qual inclui a aguardada adequação da Política de Redução do Fardo Regulatório - PRFR da ANTT aos instrumentos de Melhoria Regulatória. Outros pontos merecem destaque:
- no que tangencia a infraestrutura rodoviária concedida, aguardam-se evoluções nas discussões dos regulamentos das concessões rodoviárias referentes a equilíbrio econômico-financeiro, fiscalização e aplicação de penalidades e meios de encerramento contratual (RCR 3, 4 e 5 respectivamente), além da regulação dos sistemas de livre passagem (free flow);
- para o transporte rodoviário de passageiros, aguarda-se sobretudo a revisão da regulamentação que trata das medidas administrativas e penalidades aplicáveis pela ANTT no âmbito do Transporte Rodoviário Coletivo Interestadual Regular de Passageiros (TRIP) e a revisão do marco regulatório do serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros sob regime de fretamento;
- já para o Transporte Ferroviário de Cargas e Passageiros, aguarda-se avanço na regulamentação do novo marco regulatório das ferrovias, sobretudo para chamamento público para identificação e seleção de interessados na obtenção de autorização para a exploração de ferrovias bem como para viabilizar a operação do Agente Transportador Ferroviário de Passageiros (ATF-P) no Subsistema Ferroviário Federa. Outras pautas relevantes em discussão envolvem a regulamentação de operações acessórias, o regime de reversibilidade de bens no âmbito das concessões e a simplificação do regime de seguros exigidos das concessionárias;
- por fim, para o transporte Rodoviário e Multimodal de Cargas prevê-se sobretudo a Regulamentação do Documento Eletrônico de Transporte (DT-e) no transporte rodoviário de cargas e Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC) e a revisão e atualização da regulamentação do vale-pedágio obrigatório.
A ANTAQ dará continuidade à agenda regulatória planejada para o triênio 2022-2024. Estão pendentes de desenvolvimento temas referentes a:
- simplificação do estoque regulatório da navegação interior;
- desenvolvimento de metodologia para determinar a abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêiners;
- Sistematização dos mecanismos de análise e apuração de possíveis abusividade de cobrança de THC de usuários, por parte dos armadores;
- taxonomia/padronização das rubricas de serviços básicos prestados por terminais de contêiners;
- definição de critérios mínimos que orientem a contratação de seguro de responsabilidade civil e de acidentes pessoais;
- previsão de soluções diligentes e procedimentos para evitar ou harmonizar conflitos de interesse entre agentes regulados;
- disciplina dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).
A ANAC, por sua vez, ainda não disponibilizou a versão final de sua agenda regulatória para o biênio de 2023-2024. Dentre os possíveis novos pontos a serem tratados, conforme tabela divulgada por ocasião de audiência pública realizada em outubro, poderão ser acrescentados algumas questões relevantes à atual agenda, como por exemplo:
- ampliação das possibilidades de uso de ALE Especiais – RBAC 91, privilegiando abordagem baseada em risco.
- busca de soluções que permitam a internalização das disposições do Anexo 19 à Convenção de Chicago referente a Sistema de Gerenciamento da Segurança Operacional (SGSO) para organizações responsáveis por projeto ou fabricação de produto e artigo aeronáuticos.
- regulamentação da autorização de acesso às áreas restritas de segurança de aeroportos brasileiros.
- alinhamento do RBAC 121 com certos requisitos do Anexo 6, Parte I à Convenção de Chicago, incluindo tópicos como In-flight landing distance (IFLD), programa de acompanhamento e análise de dados de voo (PAADV), rastreamento de aeronaves.
Diante dessas oportunidades e desafios, há um momento favorável para fortalecimento da infraestrutura logística nacional com foco em sua resiliência. O movimento demandará planejamento e capacidade de ação governamental para estruturar projetos e objetivos que só poderão ser atingidos no longo prazo. Ao analisar as principais pautas regulatórias em voga, percebo um foco excessivo em ações de curto prazo com pouca atenção a estratégia.
Considero essencial para esses fins que as políticas públicas estejam comprometidas com a agenda de desenvolvimento sustentável, a propiciar também o acesso a recursos disponíveis nas finanças verde e socialmente orientada.
Um olhar para a logística que seja aberto à diversidade, a incluir a representatividade feminina na composição dos Ministérios do governo Lula – como bem lembra abaixo-assinado capitaneado pela advogada Maís Moreno – será essencial para a construção desse futuro.