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Da banalização da inversão do ônus da prova

Para salvaguardar o direito do fornecedor e até a isonomia processual, é necessário que se depreenda que a inversão do ônus da prova é exceção à regra.

1/2/2023

O Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) criou um microssistema legal com regras processuais e materiais, visando à proteção do consumidor.

Uma das inovações, à época, foi a introdução da inversão do ônus da prova – que nada mais é do que deslocar a responsabilidade de produção da prova do fato alegado pelo consumidor para o fornecedor, com a ideia de que o fornecedor teria melhores condições de produzir tal prova.

Contudo, ao estabelecer tal possibilidade, o CDC determinou que a inversão somente se daria quando “a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

Em que pese o dispositivo legal determine que a inversão do ônus probatório depende da presença de um dos requisitos (verossimilhança ou hipossuficiência), a jurisprudência acabava por defender que somente diante dos dois requisitos seria possível deferir a inversão.

Resolvendo esta polêmica e em sentido contrário à literalidade do texto legal, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento, consolidando que para que haja a inversão do ônus da prova, faz-se necessária a presença da verossimilhança das alegações do consumidor, somada à sua hipossuficiência (vide julgados - STJ, 2ª T., REsp 773.171/RN, Rei. Min. Herman Benjamin, j. 20/8/09, DJe 15/ 12/2009; STJ, 3ª T., AgRg no Ag 979.525/SP, Rei. Min. Sidnei Beneti, j. 7/8/08, DJe 28/8/08; STJ, 3ª T., AgRg no REsp 906.708/RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 19/5/11, DJe 30/5/11).

Considerando o entendimento pacificado do STJ, poderíamos chegar à conclusão de que a inversão do ônus da prova se tornou mais difícil, tendo em vista a necessidade de identificação de ambos os critérios estabelecidos pelo CDC.

Contudo, o que se verifica no dia a dia forense é que tal inversão é aplicada de forma indiscriminada, mesmo sem o preenchimento dos requisitos legais.

Em diversos casos é possível identificar a inversão do ônus da prova em sede liminar, sem análise da verossimilhança e da hipossuficiência do consumidor ou com a mera presunção da presença de tais requisitos, pelo simples fato de se tratar de uma relação de consumo.

Percebe-se que o legislador não determinou a inversão automática do ônus da prova quando aplicável o Código de Defesa do Consumidor – o que seria uma inversão do ônus ope legis.

O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu que a inversão é ope iudicis, de modo que o Magistrado que irá aplicá-la possui o dever-poder de fundamentar a sua decisão e deixar expressos e claros todos os fundamentos que levaram àquela inversão, como determina o Código de Processo Civil.

A não fundamentação é, em última análise, uma decisão ilegal, pois além de violar os artigos 6ª, VIII do CDC e art. 489, 1º do CPC, também viola os princípios do contraditório, ampla defesa e da motivação dos atos públicos.

O mesmo ocorre em relação à decisão que inverte o ônus por se tratar de relação consumerista ou que presume a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência do consumidor.

A inversão indiscriminada do ônus da prova tem, inclusive, seu papel relevante no excessivo número de ações consumeristas em andamento. O consumidor sabe que uma narração simples dos fatos, desacompanhada de absolutamente qualquer documento, pode ser suficiente para garantir o reconhecimento do direito por ele alegado.

Quantas ações seriam evitadas se a análise dos requisitos legais fosse feita de forma adequada e a inversão do ônus da prova fosse aplicada como exceção à regra geral? Quantos consumidores seriam capazes de comprovar a verossimilhança de suas alegações e a sua hipossuficiência ou mesmo comprovar o fato constitutivo do seu direito?

Desta forma, para salvaguardar o direito do fornecedor e até a isonomia processual, é necessário que se depreenda que a inversão do ônus da prova é exceção à regra, de modo que é necessário, diante do Estado Democrático de Direito, que as decisões judiciais que a determinam sejam devidamente fundamentadas, com a demonstração clara e expressa das razões que levaram o Magistrado a entender pelo preenchimento dos requisitos legais.

Marina Rocha Farias
Sócia do FAS Advogados - Focaccia, Amaral e Lamonica Advogados.

Felipe Vilela Ramalho
Advogado da área de direito do Consumidor do FAS Advogados

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