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Patentes na indústria farmacêutica - Mitos e verdades

Nos últimos anos muitas pessoas têm falado, e escrito, sobre supostos efeitos perversos da lei de patentes sobre a indústria farmacêutica e sobre o acesso a medicamentos. Em nenhum dos casos estas opiniões são precedidas de informações e dados fundamentais para a compreensão do público leigo em geral e o de usuários de medicamentos, em particular, sobre o que é uma patente, por quanto tempo ela vale, o que, de fato – e de direito – pode ser patenteado.

19/4/2007


Patentes na indústria farmacêutica - Mitos e verdades

Marcos Lobo de Freitas Levy*

Nos últimos anos muitas pessoas têm falado, e escrito, sobre supostos efeitos perversos da lei de patentes sobre a indústria farmacêutica e sobre o acesso a medicamentos. Em nenhum dos casos estas opiniões são precedidas de informações e dados fundamentais para a compreensão do público leigo em geral e o de usuários de medicamentos, em particular, sobre o que é uma patente, por quanto tempo ela vale, o que, de fato – e de direito – pode ser patenteado.

A falta dessas informações – ou seu uso parcial – pode, facilmente, induzir o público leigo a conclusões totalmente apartadas da realidade ao não mostrar os muitos benefícios do sistema de patentes e o seu real alcance. Assim, considero importante oferecer a aqueles que não conhecem o assunto alguns conceitos básicos sobre as patentes. O primeiro, por óbvio, é a definição de patente.

Patente é uma palavra originada da expressão latina “litterae patentes” que significa “carta aberta”.

Uma patente, em termos simples, é um contrato entre o inventor e a sociedade. Neste contrato, o inventor torna pública sua invenção recebendo em troca, por tempo determinado, o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, aquela invenção. Este sistema garante a transferência do conhecimento do inventor para outros interessados em produzir e comercializar aquele produto pois, terminado o prazo da patente, qualquer um pode copiar o produto e usar as informações constantes do pedido de patente.

Antigamente, por falta deste mecanismo de garantia de exclusividade por período determinado, inventores preferiam manter suas invenções em segredo (ainda hoje isto é possível, embora raro) para poder colher os frutos da sua invenção. Em muitos casos, suas invenções e descobertas morriam com eles e, não raro, tinham de ser reinventadas.

A idéia de se conceder a inventores ou autores exclusividade temporária sobre a comercialização de suas criações é mais antiga do que se imagina.

Embora o marco mais lembrado seja o da institucionalização e internacionalização das leis da propriedade intelectual, onde se incluem as patentes, ocorridas por meio da Convenção da União de Paris, de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1883, a">1883, a idéia de se conceder exclusividade temporária a inventores data de 1449 na Inglaterra (fabricação de vitrais).

Naquela ocasião, o Rei Henrique VI deu ao imigrante flamengo, John of Utynam, a exclusividade de 20 anos para a fabricação de um tipo de vitral colorido por ele inventado – que ainda pode ser visto na Capela do “Eaton College” na Inglaterra. À época, ficou o inventor com o dever de ensinar o processo de fabricação aos fabricantes ingleses de vitrais.

É interessante notar que as pressões para conceder a inventores algum tipo de garantia iniciaram-se nas “Corporações de Ofício” da Idade Média. Ainda no século 15 os assopradores de cristal de Veneza, criaram um sistema semelhante, para proteger seus conhecimentos.

Após este breve histórico sobre a definição e origem das patentes é importante saber o que pode ser patenteado. Como definido na legislação vigente, para ter direito a uma patente o produto deve:

1- Ser novidade;

2- Conter uma atividade inventiva e;

3- Ter aplicação industrial.

Sendo o produto patenteado, por quanto tempo vale o período de exclusividade concedido ao inventor? O período de exclusividade vale por 20 anos contados da data em que o pedido de patente é protocolado, no caso do Brasil, perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Concepções errôneas

Faz-se necessário, neste ponto, corrigir duas concepções errôneas que se tem sobre este período de exclusividade.

1- A primeira é que o produto está no mercado durante todo o período de exclusividade.

No caso da indústria farmacêutica, o período de exclusividade em que o produto está sendo comercializado é, em média, de 10 anos. Portanto, a metade do tempo total concedido pela lei. Isto acontece porque, como o tempo de exclusividade começa a contar da data do protocolo do pedido de patente e um produto farmacêutico leva, em média, 10 anos para ser desenvolvido e aprovado pelas autoridades sanitárias, restam apenas 10 anos de exclusividade no mercado.

Após este período qualquer interessado pode produzir e comercializar uma versão genérica (ou similar) do medicamento que, em média, levou 10 anos para ser desenvolvido a um custo médio de 900 milhões de dólares,segundo o Tufts Center for the Study of Drug Development, da Tufts University nos Estados Unidos.

O protocolo do pedido de patente ocorre perto do quarto ano do desenvolvimento do produto e a sua aprovação para venda, perto do décimo quarto ano. Isso após todos os testes clínicos necessários, tomando cerca de dez anos do período de exclusividade.

2- A segunda concepção errônea é a que este período de exclusividade para o produto configura verdadeiro monopólio, em que os pacientes ficam à mercê do detentor da patente.

Ora, a patente é concedida para um determinado produto e não para a cura de uma determinada moléstia. Deste modo, não há como se falar em monopólio, pois um produto novo deve concorrer com todos os já existentes no mercado. Para se ter uma idéia do significado desta concorrência, basta verificar o número de tratamentos existentes para algumas das doenças mais prevalentes no mundo, por exemplo:

Há no mercado brasileiro hoje:

mais de 20 medicamentos anti-hipertensivos
mais de 30 medicamentos anti-inflamatórios
mais de 20 medicamentos antibióticos
mais de 15 medicamentos anti-retroviróticos
mais de 30 medicamentos anti-depressivos

O que o detentor de uma patente tem, de fato, é a exclusividade temporária para venda de um determinado medicamento. É raríssimo hoje em dia, ter-se um único produto para cura ou controle de uma determinada patologia.

Durante as décadas de 60 e 70, não era raro que medicamentos para determinadas doenças permanecessem sem concorrentes diretos por meses ou anos. O quadro abaixo mostra que a possibilidade de que isto aconteça agora é minúscula e cada vez menor.

A tendência de redução do prazo de exclusividade é inexorável; podemos constatar este fato pelo número de medicamentos em desenvolvimento hoje conforme o quadro abaixo:

Medicamentos em desenvolvimento <_st13a_personname w:st="on" productid="em Fase I">em Fase I, II ou III de pesquisa

HIV/Aids 203
Mal de Alzheimer 141
Depressão 114
Diabetes 52
Úlcera Gástrica 10
Ósteoartrite 112
Osteoporose 36
Mal de Parkinson 94
Doença de Próstata 229
Problemas respiratórios 35
Artrite reumatóide 189
Disfunções sexuais 91
Problemas de pele 25

Fonte: PhRMA 2006 (EUA)

Cada um destes produtos, portanto, caso venha a demonstrar eficácia e tolerabilidade, que permitam a sua comercialização, inicialmente concorrerá com os outros de sua mesma classe; depois passará ao domínio público, podendo ser comercializado como produto genérico.

Não fosse pela criação dos direitos patentários, certamente um grande número de medicamentos hoje existente não teria sido inventado, pois não haveria qualquer incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento que são atividades extremamente caras, demoradas e de resultados imprevisíveis.

O estudo “Intellectual Property Rights and Capital Formation in the Next Decade”, publicado pela University Press of America em 1988, concluiu que, até aquele ano, se não houvesse proteção patentária, cerca de 60 produtos farmacêuticos hoje existentes não teriam sido inventados. No caso de equipamentos, instrumentos, veículos, produtos de borracha ou têxteis, o impacto da falta de patente teria sido muito menor.

3- É comum ouvir-se algumas pessoas dizerem que, na verdade, os governos são os maiores investidores e pesquisadores na área farmacêutica e que suas pesquisas são utilizadas pela indústria que fica com o lucro. Nada mais distante da verdade.

Um estudo publicado pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, indica que dos 47 medicamentos mais utilizados atualmente nos EUA, apenas 4 poderiam ter seus direitos de propriedade exigidos pelo governo (fonte: www.ifpma.org).

4- Outra imagem errônea que se tem sobre a influência do preço sobre o acesso a medicamentos para o tratamento de males que afetam grandes parcelas de populações de países em desenvolvimento, principalmente no sul da Ásia, África Subsahariana e América Latina.

Na maioria destes lugares, e em outros lugares do mundo, o acesso é prejudicado porque não há infra-estrutura que permita que o medicamento chegue onde é necessário e não há médicos e clínicas para fazer o acompanhamento dos doentes. Portanto o que impede o tratamento não é a falta de medicamentos, nem seu preço, mas a falta de estrutura.

Verifique-se, por exemplo, que no caso da Botsuana, embora o tratamento para os HIV positivos fosse oferecido gratuitamente, foi necessário um grande esforço de construção de infra-estrutura, tornada possível pela doação de 100 milhões de dólares divididos entre a Fundação Merck e a Fundação Bill e Melinda Gates, para que se pudesse iniciar a distribuição de medicamentos.

O “Civil Society Report on Intellectual Property, Innovation and Health – <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2006”">2006” informa que a verdadeira barreira ao acesso está na falta de condições de distribuição, serviços médicos adequados, sistemas de comunicação, educação e ineficiência de um grande número de sistemas públicos de saúde de países em desenvolvimento.

Finalmente, é preciso se atentar para o fato de que os direitos de patentes farmacêuticas no mundo e principalmente no Brasil são tratados com tamanha carga de emoção que, por vezes, o público parece ser levado a acreditar que existe uma lei de patentes apenas para proteger produtos farmacêuticos.

Não é assim. No Brasil, por exemplo, medicamentos não podiam ser patenteados de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1945 a">1945 a 1996. Assim, não tiveram direito a patente por mais de 50 anos. Aliás, mesmo hoje, os produtos patenteados não representam nem 15% dos registrados junto a Anvisa e comercializados <_st13a_personname w:st="on" productid="em nosso País.">em nosso País.

Portanto, este tema deve ser discutido e visto sob um ângulo mais racional pois, deste modo, ficará mais fácil compreender que o sistema de propriedade intelectual, incluindo o das patentes, trouxe e continuará trazendo incontáveis benefícios para o mundo que dependerá, sempre, de grandes investimentos em pesquisa para poder progredir. Aliás, no caso dos medicamentos, só esses investimentos, temporariamente protegidos por patentes, podem assegurar que haverá, no futuro, novos tratamentos e novos genéricos que jamais existiriam não fora pela curta garantia de exclusividade concedida pelas leis de propriedade intelectual e industrial aos investidores nesta área.

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*Advogado e membro da Associação Latino Americana de Ética, Negócios e Economia





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