“Se nasce o sol, esconde a lua? Olha o palhaço no meio da rua” É possível perceber o circo enquanto lugar encantado, ambiente repleto de magia, que através das artes e fluxos de saberes, conquista o sorriso das crianças com dignidade e paz, de modo a compor imaginários e proporcionar emoções, que preenchem a memória coletiva? Talvez seja possível perceber isso e muito mais.
Para falar de circo e direito, em rápidas considerações, foram escolhidas palavras relacionadas a três grandes áreas da cultura, quais sejam: as artes, memória coletiva e fluxo de saberes, sobretudo transmissão de saberes informais, substantivos que compõe o conceito trazido por Cunha Filho (2018), na teoria dos direitos culturais, fundamentos e finalidades, que são base deste pensamento.
A partir da visita técnica num circo em Ibicoara, interior do Estado da Bahia, circo escola, na zona rural do referido Município, denominado Circo Redondo ou Circo na Roça, com infraestrutura móvel, mas presença fixa, destinado a população e visitantes daquela cidade turística, no caminho do monumento natural, Cachoeira do Buracão, essa abordagem tenta refletir alguns aspectos quanto aos valores, interesses e autonomia circense(s).
Será que o circo é titular de direitos? Já que não sabemos de tudo que existe por debaixo daquela lona, mas os valores ali inseridos são instigantes, parece razoável, promover cosciliência, em consideração não só as evidências de conteúdo da visita ao circo, mas as ponderações dos artistas circenses, e ainda, do bilheteiro, pipoqueiro, eletricista, motorista, demais prestadores de serviços e dos espectadores, isso mesmo, o respeitável público, por quê? Para fazer alusão a cidadania cultural.
O que foi evidenciado? Que o circo é um espaço generoso, em harmonia com os propósitos do estado democrático e detentor de direitos culturais. Mas que direitos são esses? Estão situados nos direitos fundamentais de segunda geração, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos e Constituição Federal, Cunha Filho (2018). Então o que é factível no tratamento aos valores, interesses e autonomia dos bens e serviços culturais do circo? Existe algo no campo dos direitos da cultura? Foi constatada a execução da campanha interministerial respeitável circo, da Funart (2021). A política é adequada?
Da literalidade do texto constitucional, que traz a positivação dos direitos culturais no ordenamento jurídico, o constituinte de 1988, estabelece o dever de garantia do Estado aos direitos, fontes e manifestações culturais. Por sua vez, está em vigor, a recepcionada lei Federal 6.533/78, que regulamenta as profissões dos artistas circenses, conhecida como lei do Circo. Será que a lei do Circo de 1978 contempla os anseios atuais do bem cultural, trabalhadores da cultura e do respeitável público? A autonomia circense só interessa ao circo e as pessoas que exercem o modo circense de viver?
Em consulta aos tramites processuais legislativos do Congresso Nacional, é possível verificar, entre outros, os debates do PL 6.551-A/09, que alcançaram o reconhecimento e declaração do dia nacional do palhaço, que passou a ser comemorado no dia 10 de dezembro, a partir da lei Federal 13.561/17, tendo ficado pelo caminho, por sua vez, a criação do Estatuto do Circo e por último ainda sem um desfecho o PL 3.486-A/19, que propõe a PNAC – Politica Nacional de Apoio ao Circo.
No Primeiro Encontro Cultural de Ibicoara, em dialogo acerca da nossa identidade, com legitimas reinvindicações ouvidas no interior baiano, foi o suficiente para constatar que é preciso desenvolver e aplicar políticas públicas efetivas, a partir dos sistemas de cultura, não só, mas inclusive, para proteção e valorização da atividade circense. O Município inicia a mobilização para criar Conselho, Plano e Fundo de Cultura, estimulado pela edição das leis nacionais de emergência cultural, Aldir Blanc I, II e Paulo Gustavo, que norteiam o investimento público descentralizado nas políticas culturais.
Neste ponto, interessa sugestões para composição da cidadania cultural circense? É salutar, por exemplo, propor a conexão da rede de cidades criativas da UNESCO? Já se pensou em cidades criativas do circo? É imaginável? Para o desenvolvimento e inovação das artes circenses nos Municípios, ao questionar o circo enquanto habitat da alegria, estas indagações podem buscar sentido para representação política dos interesses de direitos culturais do circo, com vibração de alta intensidade democrática, Santos (2018).
Na teoria dos direitos culturais, Cunha Filho (2018), nos leva a consciência que a noção de direito aplicável aos direitos culturais, é do direito cultural enquanto valor favorável. E essa sugestão de aproximação do circo com a rede de cidades criativas da UNESCO, serve como provocação transformadora? As políticas públicas culturais podem sedimentar práticas de direitos culturais no Brasil, para alavancagem econômica e social da força suave, por exemplo, através de reconhecimentos e premiações de “Cidades Criativas Amigas do Circo”?
Como premiar Cidades Criativas capazes de inovar na gestão pública e desenvolver condições benéficas de funcionamento aos circos? É possível criar motivos de premiação nacional? Por exemplo, na chegada e acolhimento sócio, econômico e cultural ao circo, desde o armar das tendas, os circenses ter direito a encontrar um local apropriado? Terreno público selecionado, para a partir daí ter um protocolo de atendimento do momento que recebe as chaves da cidade, com realização de desfile inaugural e convite para as apresentações, assistidos pelo poder público, com cuidados específicos até a despedida?
Pois bem, e se no terreno destinado a recepcionar os circenses, for disponibilizada água potável, luz elétrica, sanitários e espaço de estacionamento pelas “Cidades Criativas Amigas do Circo”? E se os Municípios ou quiçá os Estados e Distrito Federal destinarem opções de editais culturais setoriais das artes circenses para incremento da infraestrutura e circulação dos circos, bem como, de incentivo cultural? É realizável criar meios para patrocínios de ingressos às crianças alunas da rede de ensino, para frequentar as plateias dos circos levadas por transporte escolar?
Já pensou campanhas do tipo: O empresário que apoiar, a União vai premiar? Ora, podem ser merecedoras de prêmios nacionais polpudos as “Cidades Criativas Amigas do Circo” que disponibilizarem assistência social, médica e educacional de qualidade as famílias de artistas circenses? As crianças das famílias de circo dispõe no Art.29 da lei Federal 6.533/78 do direto a matricula e estudo nas escolas, de cidade em cidade, com aproveitamento curricular, sem prejuízo do caráter itinerante, ou seja, nômade, oriundo do modo de vida e visão de mundo circense. Porém, só devem ser premiadas as Cidades Criativas garantidoras de educação de qualidade as crianças circenses, não é mesmo?
As crianças circenses e suas famílias precisam ser recebidas com bondade. O circo promove o encontro dos povos. Por exemplo, no estudo Brasil e Romênia: Pontes Culturais, há o registro do Circo Romeno no Brasil, Mota (2010), com a etnografia da presença de povos ciganos que vivem, sobretudo, no nordeste brasileiro, com seus usos e costumes, ou seja, dialetos, sotaques, crenças, hábitos alimentares, formas de vestir, danças, músicas, literatura, enfim, toda diversidade cultural, que precisa ser protegida e incentivada, com ensejo do protagonismo de Cidades Criativas nas políticas de igualdade racial.
Na carta da advocacia baiana em defesa dos direitos culturais, a Seccional da OAB/BA faz sugestões, como os itens 3 e 4, pela vinculação substancial, ou seja, obrigatória, a fundo de fomento com 0,5% das receitas tributárias liquidas dos Estados e Distrito Federal, que pode ser alcançada via Proposta de Emenda Constitucional - PEC, em modificação ao texto do §6º do Art. 216 da Constituição, bem como, a inclusão dos trabalhadores da cultura como segurados especiais da previdência social, juntamente com os artesãos, o que pode ser acrescido na matéria do PL 1919/21, em tramitação na Câmara dos Deputados.
Por sua vez, a mencionada carta sugere ainda, nos itens 6 e 10, estimulo ao Programa de Cultura do Trabalhador e premiação das empresas que aderirem ao Vale Cultura, previsto na lei Federal 12.761/12, de modo que o benefício de 50 reais mensais, chegue ao trabalhador com carteira assinada, para consumo de bens e serviços culturais, o que pode ampliar plateias nos circos. Por sua vez, indica a universalização das artes circenses e da capoeira nas escolas, através de serviços culturais, previstos na nova Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, lei Federal 14.119/21.
Com a execução da lei Paulo Gustavo, os artistas circenses revelaram entusiasmo com a possiblidade de captação de recursos, para que o circo possa vir a ser um “Cine Circo”, na junção temática entre projetor, telona, picadeiro, pipoca e alegria da criançada, em filmes e palhaçadas, nas exibições para lá de engraçadas e comentários cinematográficos pitorescos, que ajustados de forma perspicaz, assumem potencial de ampliar as bilheterias do audiovisual brasileiro e descentralizar a exibição do cinema através dos circos, com a cultura no coração dos ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, Agenda 2030.
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CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Teoria dos direitos culturais: fundamentos e finalidades. São Paulo: Edições Sesc, São Paulo. 2018. 144p;
MOTA, Ático Vilas-Boas da. Brasil e Romênia: pontes culturais. Brasília: Thesaurus, 2010. 1094 p;
OAB, Seccional Bahia. OAB da Bahia publica carta da advocacia baiana em defesa dos direitos culturais. Em 14/12/2022. Disponível em: < https://www.oab-ba.org.br/noticia/oab-da-bahia-publica-carta-da-advocacia-baiana-em-defesa-dos-direitos-culturais > Acesso em 20/12/2022;
SANTOS, Boaventura de Souza e outro (org.). Demodiverisdade: imaginar novas possibilidades democráticas. 1. ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora.2018. (Epistemologias do Sul; 1)