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Consequências penais e cíveis dos ataques realizados em Brasília.

A “invasão ao Capitólio Brasileiro”, feita à moda Tupiniquim, mais assusta pela monstruosidade de suas consequências do que pelo desarranjo, e sucessões de erros, que levaram à sua ocorrência.

9/1/2023

Como amplamente divulgado na mídia, na data de 08/01/2023, “manifestantes” de grupos bolsonaristas, se é que assim podem ser chamados, invadiram as sedes dos Três Poderes, causando danos de proporções imensuráveis ao patrimônio público e histórico do Brasil.

Após a decretação de Intervenção Federal nas forças de segurança do Distrito Federal, diversos autores do citado ataque já foram identificados e presos em flagrante, enquanto investigações acontecem para apurar quem seriam os demais integrantes desse movimento e seus financiadores, com a possível decretação de inúmeras prisões preventivas.

A “invasão ao Capitólio Brasileiro”, feita à moda Tupiniquim1, mais assusta pela monstruosidade de suas consequências do que pelo desarranjo, e sucessões de erros, que levaram à sua ocorrência.

Dito isso, muito se indaga quais serão as possíveis responsabilizações criminais e cíveis para todos aqueles que, de algum modo, participaram dos lastimáveis atos ocorridos ontem.

Pois bem, para responder a essa indagação é necessário que se faça uma distinção de todos aqueles que, de algum modo, concorreram para a tragédia que se instalou na Capital Federal.

São eles: i) Núcleo Político, ii) Núcleo Policial, iii) “Manifestantes” e iv) Idealizadores.

I – Núcleo Político: O Núcleo Político engloba aqueles que, de qualquer modo, tinham o dever de cuidar da Segurança Pública do Distrito Federal e que foram omissos, ao deixarem de agir para evitar que as instalações públicas fossem vandalizadas.

Para esses agentes, possivelmente será apurada a ocorrência de crime de responsabilidade, disposto nos artigos 101 e 101-A da Lei Orgânica do DF, os quais abrangem o Governador, o Secretário de Segurança Pública e os comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal e dos Territórios, uma vez que as suas omissões, nesse caso, podem ser consideradas penalmente relevantes.

Isso ocorre porque esses agentes públicos tinham o dever de agir para evitar o resultado ontem alcançado, uma vez que a eles incumbia, por lei, a obrigação de cuidado, proteção e vigilância, disposto no art. 13, § 2º, do Código Penal.

Trata-se, portanto, de crime que independe de dolo direto, podendo os agentes públicos serem responsabilizados por sua inércia ante a escalada das manifestações e a negligência/imprudência que resultou na atuação tardia das forças de segurança para reverter o verdadeiro caos que foi instalado na zona central de Brasília.

Obviamente, para chegar a essa conclusão, é necessário o aprofundamento das investigações e o esclarecimento de quem deu causa a esse cenário e, especialmente, se eles tinham o conhecimento das circunstâncias do que estava por vir e, ainda assim, mantiveram-se inertes.

Ademais, ainda é possível, mediante investigação das forças policiais, a imputação desses agentes como coautores dos demais delitos praticados na capital federal, desde que provado o dolo dos agentes em sua omissão e efetiva mancomunação com o movimento golpista ocorrido na tarde de ontem.

II – Núcleo Policial: Refere-se aos Agentes Policiais que estavam em serviço no momento da ocorrência dos fatos.

Quanto a essas pessoas, o que se irá apurar são as condições que os levaram a se manter inertes diante dos atos de vandalismo praticados.

Obviamente, não há como generalizar e afirmar que todos os Policiais escalados para o acompanhamento e segurança das manifestações agiram com desídia, eis que no Direito Penal é necessário provar a efetiva ação ou omissão praticada por aquele indivíduo em específico.

Mas, uma vez identificados os Policiais que, em podendo, nada ou pouco fizeram para evitar a invasão das sedes dos mais altos Poderes da República, poderão eles responder pelo delito de prevaricação (art. 319 do Código Penal), cuja pena é de três meses a um ano de detenção.

Neste sentido, como bem ressaltou o Ministro Flávio Dino em seu pronunciamento feito no início da noite de ontem, determinados membros das forças policiais aderiram a uma posição ideológica, deixando de cumprir sua função pública primária de policiamento ostensivo em razão de um sentimento pessoal, incorrendo nos exatos termos do crime de prevaricação.

Por outro lado, aqueles que não agiram, por não terem condições suficientes de segurança para o exercício da profissão, poderão fazer jus à chamada inexigibilidade de conduta diversa.

Todavia, também respeitando as investigações e o devido processo legal, é possível que esses agentes sejam considerados coautores dos atos antidemocráticos realizados, desde que devidamente comprovado o nexo de causalidade entre a sua omissão e envolvimento em qualquer dos movimentos golpistas que causaram perplexidade a nível internacional pela brutalidade de seus atos.

III – “Manifestantes”: Todos aqueles que adentraram e depredaram o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal.

Esse grupo abrange os executores diretos dos delitos perpetrados contra o patrimônio da União, que podem responder pela prática de vários crimes distintos, os quais serão abordados, mas não se limitam aos aqui tratados, eis que outros podem ser identificados no decorrer das investigações.

Inicialmente, é possível vislumbrar a existência de uma Associação Criminosa (art. 288 do CP) e, eventualmente, até mesmo uma Organização Criminosa (Lei 12.850/13), especialmente porque financiada pelos idealizadores, com estruturação e divisão de tarefas para a prática de diversos crimes, que serão tratados na sequência.

Nada obstante a pena para o crime de Associação Criminosa seja de 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão, a integração de Organização Criminosa, por si só, pode levar a pena de três a oito anos de reclusão, sem prejuízo dos demais crimes praticados.

O que se viu ontem foi uma verdadeira barbárie, na qual “patriotas”, vestidos com as roupas da bandeira do Brasil, adentraram de forma violenta em repartições públicas e as deixaram em ruínas.

Ao que se pôde apurar nas últimas horas, o prejuízo ao Patrimônio Brasileiro jamais poderá ser restaurado: obras de artes vandalizadas, itens históricos danificados e desaparecidos, armas roubadas. Esses foram apenas alguns dos objetos alvo do “patriotismo fanático”.

Certamente, a mancha histórica que o dia de ontem deixará será muito maior do que o efetivo gasto que o Governo terá para recuperar as sedes dos Três Poderes.

Em razão do verdadeiro caos que foi instaurado nos arredores da Praça dos Três Poderes já se fala em possível enquadramento dos agentes na lei antiterrorista.

Ao contrário do senso popular, que trata como terroristas figuras hollywoodianas que explodem bombas e assassinam diversas pessoas, pela Lei Brasileira, pratica esse crime quem de qualquer modo, com a finalidade de provocar terror social, expõe a perigo pessoa, patrimônio, paz ou a incolumidade pública.

O art. 2°, §1º, IV, da Lei 13.260/2016, estipula que são atos de terrorismo o apoderamento, com emprego de violência, do controle, ainda que temporário, de instalações públicas, ensejando uma reprimenda que vai de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Todavia, a despeito de se falar em aplicação da lei antiterrorista, é preciso lembrar que o art. 2º da citada lei determina que o emprego desta violência se dê em razão de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.

Sendo assim, tecnicamente falando, e segundo o art. 5º, XXXIX da Constituição Federal, em nossa visão não há que se falar em ato terrorista quando a violência é empregada por motivação ideológica ou política, por ausência de cominação dos atos ao tipo penal do terrorismo. A interpretação da lei, todavia, caberá ao órgão máximo do Poder Judiciário.

Parece mais adequado aos acontecimentos a tipificação dos agentes no delito de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal), que consiste na tentativa de derrubar as instituições que são os pilares da democracia, e cujas penas podem variar de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão.

Há também a possibilidade de enquadramento no crime de Golpe de Estado (artigo 359-M, também do Código Penal), que pune aqueles que tentarem, por meio de violência ou grave ameaça, depor o governo legitimamente constituído, com pena mínima de 4 (quatro) e máxima de 12 (doze) anos.

Fora esses crimes, os “manifestantes” também poderão responder por dano qualificado (art. 163, III do Código Penal), dano em coisa de valor artístico ou histórico (art. 165 do Código Penal), furto qualificado (art. 155,§ 4º, I e IV do CP), lesão corporal (art. 129 do CP), e outros que porventura venham à luz.

IV – Idealizadores:

Os idealizadores, que popularmente estão sendo chamados de financiadores, mas que certamente não se restringem a esses, poderão responder por todos aqueles crimes imputados aos chamados “Manifestantes”, eis que, de acordo com o art. 29 do Código Penal, quem de qualquer modo concorre para o crime, incide nas penas a este cominado.

Sendo assim, os idealizadores (também chamados de autores intelectuais) e os financiadores do movimento “patriota”, poderão responder por todos os crimes cometidos pelos executores imediatos.

Por fim, os “simpatizantes”, que promovem, incentivam, ou simplesmente “aplaudem” a prática desses atos, podem responder por Incitação ou Apologia ao Crime (arts. 286 e 287 do CP), cujas penas variam de 3 (três) a 6 (seis) meses de detenção ou multa.

Em suma, pode-se concluir que o verdadeiro devaneio realizado ontem sob a falsa premissa de um “patriotismo libertário” custou caro para os cofres públicos e patrimônio histórico e cultural do Brasil, mas custará ainda mais para todos aqueles que de qualquer modo atentaram contra a democracia, eis que poderão responder por diversos crimes e também responderão civilmente pelos danos causados por suas atitudes, não havendo dúvida da ocorrência de ato ilícito, devendo ressarcir os cofres públicos.

De toda esta tragédia, fica a esperança de que a punição, de acordo com a lei, desses golpistas sirva de exemplo para dar um breque aos atos antidemocráticos que vêm sendo realizados ao longo dos últimos anos e una novamente o Brasil.

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1-  Revolta Tupiniquim: Em 1559, os índios Tupiniquim se revoltaram, cercaram a vila de Ilhéus e paralisaram a produção dos engenhos. A causa foi o assassinato de um índio que ficou impune. Como resposta, os índios chegaram a matar dois brancos e atacaram propriedades.

Rafael Von Adamek
Advogado sócio do escritório Adamek e Monte Advogados Associados.

Luiz Eduardo Monte
Advogado sócio do escritório Adamek e Monte Advogados Associados.

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