Em fevereiro de 2021 o Plenário do STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5469, entendeu que a exigência do DIFAL pelos Estados e Distrito Federal dependia de lei complementar, tendo sido modulados os efeitos dessa decisão para terem início a partir de 2022. Coube, então, ao Congresso, editar lei Complementar definindo fato gerador, base de cálculo e contribuinte do DIFAL, em conformidade com a determinação prevista no art. 146 da Constituição Federal.
Embora o Congresso tenha cumprido sua função, editando a lei Complementar 190 já em 2021, a sanção presidencial ocorreu apenas em 4/1/22, o que ensejou novo litígio envolvendo as Unidades da Federação e os contribuintes do ICMS, refletido nas ADIs 7066, 7070 e 7078. A principal questão tratada nessas ações consiste no termo inicial da eficácia da LC 190/22, tendo em vista o princípio constitucional da anterioridade, segundo o qual o tributo não pode ser exigido “no mesmo exercício financeiro e antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
De acordo com o texto da própria LC 190/22, o DIFAL não poderia ser exigido antes dos mencionados 90 dias, prazo observado pela maioria dos Estados. Porém, a anterioridade do exercício, prevista no texto constitucional, não foi considerada, sendo exigido o DIFAL já em 2022 – mesmo ano da publicação da LC 190/22, que lhe confere fundamento de validade formal e material. Significa, pois, que, antes da vigência da LC 190/22, as leis estaduais instituindo a cobrança do DIFAL não poderiam ser aplicadas. O que se discute nas mencionadas ADIs é em que momento teve início a produção de efeitos da LC 190/22, autorizando a aplicação das leis estaduais nela fundamentadas. Para os contribuintes, apenas a partir de 1/1/23.
Nesse contexto, as mencionadas ADIs foram submetidas a julgamento eletrônico, autorizado pela Emenda Regimental do STF 53/20. No Plenário Virtual, o placar estava 5 votos pela cobrança do DIFAL a partir de 2023, em observância ao princípio da anterioridade, e 3 contrários aos interesses dos contribuintes, que podem ser assim sintetizados:
- Relator, Min. Alexandre de Moraes, concluiu que a cobrança pelos Estados pode ser realizada desde a publicação da LC 190, sem respeitar sequer a anterioridade nonagesimal, prevista no próprio texto da LC 190/22;
- Min. Dias Toffoli também defendeu a cobrança em 2022, mas apenas a partir de abril, respeitando-se os 90 dias fixados no texto da lei; e
- Min. Gilmar Mendes, que seguiu o entendimento do Min. Toffoli.
Porém, em 12/12/22, valendo-se do disposto no art. 21-B, § 3º, do Regimento Interno do STF, a Ministra Rosa Weber pediu destaque para que as ADIs fossem encaminhadas para julgamento presencial com publicação de nova pauta. A transferêcia do julgamento das ações do Plenário Virtual para o formato presencial foi determinada pela Ministra após audiência realizada com 15 governadores e implicou a anulação dos votos então proferidos.
Embora o julgamento presencial prestigie o princípio da colegialidade, proporcionando a discussão de teses, contraposição de ideias e a melhor aplicação do Direito, sua determinação impõe que se julgue novamente a matéria pelos Ministros que já haviam proferido seus votos, frustrando a expectativa dos contribuintes por um desfecho que lhes parecia favorável e prolongando a discussão.
Vale destacar que a postergação do julgamento prejudica todos os contribuintes do ICMS, que aguardam a manifestação do STF para atuar com segurança jurídica, tão comprometida ultimamente, em especial com relação às questões tributárias. Mas o prejuízo é ainda maior para os contribuintes que, entendendo indevida a cobrança do DIFAL em 2022, efetuaram depósitos em processos judiciais para suspender a exigibilidade do crédito tributário relativo ao ICMS até o desfecho da controvérsia. Para esses contribuintes que figuram como parte em processos judiciais, o reinício do julgamento representa sacrifício financeiro, seja pelo atraso no levantamento dos depósitos (caso o desfecho lhes seja favorável), seja pela incidência de juros, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente que o depósito judicial não afasta encargos do devedor (REsp 1.820.963).
Da mesma forma, a decisão proferida pela Ministra Rosa Weber prejudica os contribuintes que recolheram o DIFAL mesmo não concordando com a exigência, pois adia a possível recuperação desses valores, caso prevaleça a observância do princípio constitucional da anterioridade.
Além do prejuízo financeiro imediato, com o julgamento no plenário presencial, o placar até então favorável aos contribuintes pode ser alterado, ainda que a tendência seja a manutenção dos votos proferidos, uma vez que a matéria constitucional já foi devidamente delimitada, inexistindo novo direito a ser aplicado, tampouco fatos novos a serem considerados. Significa dizer que, sob a perspectiva jurídica constitucional, não haveria de se ter qualquer alteração de voto pelos Ministros que já se manifestaram, pois nenhum esclarecimento fático, inclusive de natureza financeira trazido pelos estados, poderia ensejar mudança na interpretação das normas constitucionais, em especial, sobre o princípio objetivo da anterioridade tributária.
É consenso entre Estados e contribuintes que o DIFAL pode ser exigido a partir de 2023; a questão que remanesce é a cobrança desse imposto no exercício de 2022. Muitos contribuintes discutiram o tema com a realização de depósito judicial ou mesmo pagamento para não ter impacto em suas operações, de forma que a postergação do julgamento implicará prejuízo aos contribuintes e comprometimento da necessária segurança jurídica. Resta aguardar o debate entre os Ministros no julgamento presencial (o que não haveria no Plenário Virtual, em que a interação é assíncrona) e desejar que prevaleçam as normas constitucionais em detrimento de questões financeiras preconizadas pelos Estados e Distrito Federal.