No dia 14/12/22 o Supremo Tribunal Federal firmou relevante entendimento que reconhece uma importantíssima prerrogativa da advocacia pública no sentido de ser incompatível a utilização do sistema de ponto para o controle das atividades daqueles que exercem a função pública de consultoria, assessoramento jurídico e defesa do Estado.
Ao julgar o Recurso Extraordinário 1400161, que teve como Relator o Ministro Edson Fachin, o Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que a utilização do sistema de controle de ponto encerra dissonância para com a disciplina constitucional da advocacia, função essencial à justiça, nos termos do art. 133 da CRFB, o qual estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”.
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (lei 8.906/94) prevê, em seu artigo 7º, I o direito do advogado de exercer as suas funções com liberdade em todo o território nacional. Desde 2016 o Conselho Federal1 da Ordem dos Advogados do Brasil já havia firmado posicionamento sobre o assunto ao editar a Súmula 9 do Conselho Federal , a qual estabelecia a incompatibilidade das atividades de Advogado Público, cuja atividade intelectual exige flexibilização de horário, com o sistema de controle de ponto.
Não obstante o firme e fundamentado entendimento da OAB, decisões judiciais vinham defendendo que era possível a submissão do advogado público ao sistema de controle de ponto em razão da submissão deste profissional tanto ao estatuto da OAB quanto ao estatuto do Órgão ao qual o mesmo estava vinculado.
Nas palavras do Ministro Edson Fachin: “.....inegável é a incompatibilidade de controle de ponto de cumprimento da jornada regular dos advogados públicos ante a natureza de trabalho que compõe a profissão pela liberdade de atuação e flexibilidade de horários, inerentes à profissão.”.
Importante norte interpretativo do Direito, pouco mais adiante o voto ainda assenta o entendimento de que “..... a referida forma de controle relativamente aos advogados públicos, cuja atividade é em princípio incompatível com a metodologia do controle de frequência.”.
Reconhecer esta prerrogativa para a advocacia pública não significa outorgar um privilégio àqueles que exercem a relevante função de prestar consultoria e assessoramento jurídico aos órgãos da administração pública, seja em âmbito municipal, estadual ou federal. Muitas e muitas vezes o sistema de controle de ponto foi imposto como reprimenda em relação à procuradoria de dado ente público porque os membros daquela procuradoria não se prestavam a atender pretensões ilícitas do administrador público do Órgão naquele momento em específico.
O reconhecimento da prerrogativa traz para aquela pessoa que está a exercer a função pública a segurança jurídica para que possa bem desempenhar o seu papel, com a liberdade preconizada pelo legislador (art. 7º, I do Estatuto da OAB) até mesmo para, se for o caso, se manifestar contrariamente ao administrador do momento quando a pretensão submetida à sua análise não esteja conforme ao ordenamento jurídico.
A possibilidade de assim agir não beneficia ao advogado público, mas sim a toda a sociedade, e a toda a coletividade, e esta sim é a finalidade última da prerrogativa. Imediatamente ela labora sim em favor do advogado público, mas mediatamente ela defende é a sociedade.
Dado o sistema de precedentes judiciais atualmente em vigor, e as previsões do art. 520 do CPC no sentido de que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável.” acreditamos que o entendimento firmado por ocasião do Recurso Extraordinário 1400161 tende a dar fim àqueles casos que ainda tramitam na justiça questionando a imposição do sistema.
Outro ponto importantíssimo do voto, ainda que veicule repetição das disposições do art. 133 da Constituição Federal, é o reconhecimento de que a advocacia é Função Essencial à Justiça (FEJ)2. A advocacia pública, de todas as esferas, é mera espécie do gênero advocacia. Desta forma, ainda que o julgado esteja mais diretamente relacionado à advocacia pública, a expressa declaração de que ao se tratar da atividade (advocacia) se trata, na realidade, de uma Função Essencial à Justiça (FEJ) é importante premissa interpretativa para toda a advocacia brasileira e para o sistema jurídico como um todo.
Espera-se ainda que, firmado o entendimento pelo STF, e dada a vinculação da administração pública ao sistema da legalidade, aqueles Órgãos que ainda insistem em fixar o sistema de controle de ponto em relação aos seus advogados públicos entendam a clara mensagem no sentido de que esta metodologia afronta ao mesmo tempo normas legais e normas constitucionais. Portanto, é de se esperar (realmente uma esperança) que este sistema seja completamente abandonado.
A melhor relação entre a administração pública e o órgão que lhe presta consultoria, assessoramento jurídico e defesa em juízo se dá por um sistema de recíproca confiança e de colaboração mútua, de onde exsurgem resultados que beneficiam a toda a coletividade. Outra importante prerrogativa do advogado público, o direito aos seus honorários advocatícios, induz esta relação ao sistema de prêmio por resultado, moderno mecanismo de gestão. A saudável coexistência destas prerrogativas, repita-se, traz benefícios a toda a sociedade.
Esta importante vitória tem de ser creditada, ao menos em (grande) parte, à atuação da Associação Nacional dos Procuradores Municipais, na pessoa do seu Presidente, Dr. Gustavo Machado, e contou também com a relevante atuação da Presidente da OAB, Seção Paraná, Dra. Marilena Indira Winter e do Presidente da Associação dos Procuradores do Município de Curitiba, Dr. Paulo Salamuni.
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1 Súmula 9 – O controle de ponto é incompatível com as atividades do Advogado Público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário.
2 “Verifico que o acórdão recorrido está em dissonância com a disciplina constitucional da advocacia com função essencial à justiça do art. 133 da CRFB.