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A responsabilidade civil do clube de futebol mandante em caso de danos ocasionados aos torcedores

A responsabilidade civil do clube de futebol mandante em caso de danos ocasionados aos torcedores.

20/12/2022

Para análise do presente tema, houve pesquisa quanto a controvérsia existente no Recurso Especial  1773885/SP, em que são partes a Federação Paulista de Futebol, o São Paulo Futebol Clube e outras pessoas físicas.

No tocante aos fatos, cumpre demonstrar que na partida de futebol realizada entre o São Paulo Futebol Clube e o Corinthians Sport Club no estádio do Morumbi houve tumulto originado por uma bomba caseira jogada contra a torcida visitante, causando assim dezenas de feridos, dentro eles os autores, ora recorridos.

Na sequência à explosão foi demonstrado que os torcedores tentaram correr para se proteger a um próximo local da explosão, onde haviam alguns policiais militares, que acabaram por atirar outras bombas.

Em síntese, o cerne da discussão é relacionado a demonstração de excludente de licitude ou não apta a ensejar no afastamento de responsabilização civil em desfavor do clube mandante, em especial sob fundamento que a responsabilidade pela segurança no estádio de futebol era da polícia militar.

De um lado, os recorrentes alegaram que o dano foi ocasionado por terceiro estranho, ou seja, que existe culpa exclusiva de terceiro.

Quanto aos recorridos, eles afirmaram que a responsabilidade civil do clube de futebol mandante era objetiva, ao passo que não haveria que se falar em exclusão de tal dever reparatório.Pois bem, cumpre destacar ao caro leitor que a lei  10.671, de 15 de maio de 2003, trata a respeito do Estatuto da Defesa do Torcedor, ao qual estabelece normas de proteção e defesa.

Nos termos do seu art. 13 “[o] torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas”.

Além disso, no art. 19 da supracitada lei em comento, existe a chamada possibilidade de responsabilização civil solidária e objetiva, ora estendida também aos dirigentes das entidades responsáveis pela organização da competição.

A seu turno, ambos os torcedores são considerados como consumidores na lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC), atribuindo assim aplicação subsidiária.

À luz disso, inicia-se grande discussão quanto à possibilidade ou não de responsabilização civil dos clubes mandantes, como efetivamente ocorreu no caso em análise.

Em regra, a responsabilidade do clube de futebol mandante é analisada do ponto de vista objetivo, ou seja, basta a existência da comprovação do dano ocorrido para eventual reparação civil, ao teor do inserido nos arts. 12 e 14 do CDC.

O supracitado trecho reflete o chamado caso de ocorrência de fortuito interno, que nada mais é que um risco que “quando surge da própria coisa, de sua fabricação, fazendo parte da atividade do fornecedor” (RIZZARDO, 2019, p. 357).

A propósito, possuo convicção no mesmo sentido do afirmado no acórdão em comento, porquanto não cabe ao torcedor arcar com os danos de uma falha na segurança, de modo que tampouco a polícia militar poder ser responsabilizada, haja vista que o planejamento estratégico anterior ao início do evento é de responsabilidade do clube de futebol e da respectiva federação, se for o caso

Isto é exatamente o disposto no art. 14, caput, do Estatuto do Torcedor, vejamos:

Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes [...]

Nesse contexto, o entendimento firmado pelo colegiado de forma unânime corroborou com a opção legislativa, ao passo que o Recurso Especial interposto pelos recorrentes foi improvido.         

Portanto, diante das lições e definições até então trazidas, é de perceber que, geralmente, a responsabilidade civil dos clubes mandantes será analisada do ponto de vista objetivo, pois as circunstâncias do tipo de dano ocasionado são mais direcionadas a não existência de culpa da vítima.

Ainda assim, fica o alerta quanto à possibilidade também de exclusão de responsabilidade, mas irá depender de uma robusta análise pelo operador dedireito e dos fatos ocorridos no caso concreto.

_______________

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 15 set. 2022.

BRASIL. Lei n. 10.671, de 15 de maio de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm. Acesso em: 15 set. 2022.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.773.885- SP. DJe: 02.09.2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=91&documento_sequencial=162161982®istro_numero=201802698030&peticao_numero=&publicacao_data=20220905&formato=pdfAcesso em: 15 set. 2022.

RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil , 8a edição. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2019. p. 357.

Caio Almeida Monteiro Rego
Advogado do escritório Barreto Dolabella Advogados. Pós-graduando em Direito Civil pela PUC/MG.

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