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Golpe do Pix. Da responsabilidade das instituições financeiras por omissão

Veja que a indenização não deve se esgotar apenas quanto na devolução dos valores do Pix, mas também em indenização por danos morais como medida repreensiva e pedagógica a instituição financeira e de ressarcimento moral.

13/12/2022

Introdução

Com apenas três letras, o arranjo representa inovação no mercado de pagamentos, diretamente relacionado aos conceitos de tecnologia. O Pix não é uma sigla, logo não se trata de abreviação de palavras e tampouco tem um significado específico.

Segundo o Banco Central, o novo meio de pagamento foi batizado de Pix, por ser um termo que remete a ideia de tecnologia, como pixels (que são pequenos pontos em uma tela), e que juntos formam elementos em todos os segmentos do mundo digital. Fato é que o Pix viralizou, e tornou por si só uma cultura empregada tanto em meio de pagamentos, como músicas, memes, paqueras, esquema de pirâmides e fraudes.

Por ser um meio instantâneo de pagamento, que busca entre diversos elementos, alavancar a competitividade e a eficiência de mercado, o meio de pagamento traz elementos extremamente positivos ao ser rápido, disponível a qualquer hora, de fácil operação, gratuito, versátil e integrado, no entanto, peca em não se antecipar ao preenchimento de lacunas simples de fraudes promovidas por criminosos dos mais comuns, que facilmente burlam o sistema e promovem crimes de estelionatos.

É notório que no decorrer dos séculos, o mar financeiro criou imensos bancos jubartes que em sua bocarra desmedida de lucro, encestam toneladas diárias de homúnculos hipossuficientes, que não passam de krill nesse oceano financeiro-digital.

Assim, o consumidor que consegue desviar das taxas, juros, consignados, financiamentos, penhoras, cestas de serviço, rotativos, mora, o destino reserva uma etapa de sobrevivência que é a lábia ardilosa de golpistas, que por meio de estratégias criminosas, golpeiam o consumidor em sua parte mais sensível, o bolso.

Este artigo busca, a luz da legislação, doutrina e jurisprudência, recortar como objeto de análise, justamente a omissão da inventiva, veloz e lucrativa mudança dos sistemas de meio de pagamento bancário, em descompasso com consumidor, cada vez mais frágil de onde e quem o frauda, e a responsabilidade civil objetiva quanto aos prejuízos financeiros e extrapatrimoniais causados ao consumidor, única vítima desse mar de predadores.

I – Surgimento do Pix.

A ideia do Pix surgiu em dezembro de 2016, onde o então presidente do BCB, professor Ilan Goldfajn, já sinalizava que o BC se ajustava ao lançamento de uma ferramenta financeira similar a plataforma Zelle da fintech Early Warning Services. Assim, o BC em 2016 já havia produzido relatório no âmbito do Banco de Compensações Internacionais –BIS, sobre os benefícios e desenhos de um sistema para pagamentos instantâneos em território brasileiro.

Essas discussões se ampliaram em 2017 por meio de estudos em conjunto com outros bancos centrais, e, em maio de 2018, o BC já havia instituído grupo de trabalho que se encarregou de produzir as especificações básicas do sistema que mais tarde, recebeu a denominação de Pix.

Destarte, justamente pela blindagem de interferências políticas, o BC, desde 2016, desenvolveu o processo evolutivo que em novembro de 2020 foi lançado com a denominação Pix e conforme agenda evolutiva, ainda prevê diversas etapas de lançamentos de novas funcionalidades.

II – Diferença entre Pix e outros meios de pagamento.

Pix é uma ferramenta de pagamento instantânea e ampla, diversa dos sistemas tradicionais (TED e DOC), no qual a diferença está no fato de que com o Pix não é necessário saber a conta bancária do favorecido, a exemplo de que é possível realizar transferência apenas pelo número do telefone, e-mail, CPF, CNPJ ou outra chave Pix. Além disso, a operação pode ser realizada 24 horas por dia, 7 dias por semana entre quaisquer bancos, de banco para fintech, de fintech para instituições de pagamento, entre outros.

Deste modo, além das transações de transferência, os próprios pagamentos que exigiam leitura de código de barras, podem agora ser feitos por QR Code com liquidação em tempo real.

Ademais, as transações além de poderem ser feitas em qualquer dia e horário, também dispensam uso de maquininhas ou similar, pois com o Pix as transações podem ser iniciadas pelo próprio aparelho de celular. Ou seja, simples, fácil e por envolver deslocamento instantâneo, para o consumidor comum, deveras perigoso. 

III – Limite de valor nas transações.

O Pix justamente por pretender alavancar mais movimentação financeira, atendendo necessidade principalmente do sistema bancário, não possui barreira de limite mínimo ou máximo.

No entanto, as instituições financeiras podem estabelecer limites máximos de valor baseado em critérios de mitigação de riscos de fraude, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Aliás, ao consumidor é facultada a solicitação da limitação das transações, como medida de segurança.

IV – Oferta do BC de sistema seguro em 4 dimensões (autenticação, rastreabilidade, tráfego, regras antifraude).

Na oferta do produto Pix ao mercado consumidor, o BC impôs as instituições participantes que o produto estivesse pautado em quatro dimensões de segurança, ou seja, de que todas as transações só pudessem ser iniciadas em ambiente seguro de autenticação do usuário, de que todos os Pix fossem rastreáveis, inclusive com a identificação de contas recebedoras de recursos de frade/golpe/crime, permitindo ação policial e judicial, de que o tráfego das transações sejam criptografadas na Rede do Sistema Financeiro Nacional – RSFN, onde todos os participantes são obrigados a emitir certificados de segurança, além da previsão aderente de que todos as instituições devam se responsabilizar por fraudes decorrente de falhas de seus mecanismos de gerenciamento de riscos e mecanismos de bloqueio e devolução de recursos em caso de fraude, como o bloqueio cautelar e mecanismo especial de devolução.

V – Da Configuração da Relação de Consumo.

Inicialmente fixa-se a relação de consumo entre as partes. A Súmula 297 do STJ reconhece a relação de consumo determinando a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor para instituições financeiras.

Súmula nº 297 do STJ - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Referência: CDC, art. 3º, § 2º. Precedentes: REsp. 57.974-RS, REsp 106.888-PR, REsp 175.795-RS, REsp 298.369-RS, REsp 387.805-RS. Segunda Seção, em 12.05.2004. DJ 08.09.2004, p. 129.

Vale lembrar que o CDC, em seu Capítulo II, art. 4º, estabelece que “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, (...)”.

E na condução dos arts. 6º, I, 12, §1º e 14, §1º do mesmo diploma, verificamos a segurança do consumidor nas relações financeiras, não é apenas um direito, mas também um dever fazer de responsabilidade direta das instituições financeiras.

Soma nesse sentido, normativa do Conselho Monetário Nacional que por meio da Resolução CMN 4.949 de 30 de setembro de 2021, estabeleceu que o Banco Central do Brasil, na forma do art. 9º da lei  4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada em 30 de setembro de 2021, com base nos arts. 4º, inciso VIII, da referida lei, 7º e 23, alínea "a", da lei 6.099, de 12 de setembro de 1974, e 1º, § 1º, da lei complementar  130, de 17 de abril de 2009, resolveu entre diversas regulamentações:

Art. 4º As instituições de que trata o art. 1º, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar:

II - integridade, conformidade, confiabilidade, segurança e sigilo das transações realizadas, bem como legitimidade das operações contratadas e dos serviços prestados; (gn)

Não destoa a posição da jurisprudência, que no julgamento pelo STJ do REsp 1.995.458/SP da Terceira Turma, julgado em 9/8/2022 do STJ, a relatora Ministra Nancy Andrighi, afirma que “o dever de segurança consiste na exigência de que produtos ou serviços ofertados no mercado, ofereçam a segurança esperada, ou seja, não tenham por resultado a causação de dano aos consumidores tomados individual ou coletivamente. O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial”

E quanto a configuração da relação de consumo, dever de segurança do consumidor nas relações das instituições financeiras, o mesmo STJ, assim pontua.

Súmula 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

VI – Dos deveres das instituições aderidas ao Pix (Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020.

A Resolução BCB 1, instituiu o arranjo de pagamentos Pix e por meio dela a Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil, em sessão realizada em 6 de agosto de 2020, com base no art. 10, inciso IV, da lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, no art. 10 da lei 10.214, de 27 de março de 2001, nos arts. 6º, 7º, 9º, 10, 14 e 15 da lei 12.865, de 9 de outubro de 2013, na Resolução nº 4.282, de 4 de novembro de 2013, no Comunicado 32.927, de 21 de dezembro de 2018, e no Comunicado  34.085, de 28 de agosto de 2019, resolveram:

Art. 32.  Os participantes do Pix devem:

II - zelar pela imagem, a integridade e a segurança do Pix;

V - responsabilizar-se por fraudes no âmbito do Pix decorrentes de falhas nos seus mecanismos de gerenciamento de riscos, compreendendo a inobservância de medidas de gestão de risco definidas neste Regulamento e em dispositivos normativos complementares; (Redação dada, a partir de 28/9/2021, pela Resolução BCB 147, de 28/9/21, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

VII - utilizar as informações vinculadas às chaves Pix para fins de segurança do Pix, de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 59, como um dos fatores a serem considerados para fins de autorização e de rejeição de transações no âmbito do Pix(Incluído, a partir de 28/9/21, pela Resolução BCB 147, de 28/9/21, produzindo efeitos a partir de 16/11/2021.)

VII – Dos procedimentos das instituições aderidas ao Pix, quanto a Autorização de iniciação e rejeição das transações (Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020.

Nos termos do art. 36 da Resolução BCB 1, “uma transação no âmbito do Pix é considerada autorizada, para fins de iniciação, quando o participante prestador de serviço de pagamento do usuário pagador, após realizar as devidas verificações de segurança (...)”.

Veja que a questão de segurança é tratada de forma muito afirmativa, inclusive, a normativa citada impõe expressamente às instituições financeiras o dever de rejeitar o pagamento quando houver situações de fundada suspeita de fraude (art. 38, II, art. 38-A4 e art. 39, I, Resolução BACEN 1/20).

Assim, os recursos originados do Pix, devem ser cautelarmente bloqueados pela instituição financeira do usuário recebedor quando houver suspeita de fraude. (Art. 39 B da BCB nº 1/2020).

Veja que o sistema Pix deve operar como um sistema antifraude, e a ocorrência de fraude é motivada pelo negligenciamento por parte das instituições financeiras em ofertar ao consumidor a segurança do sistema. Assim, as instituições financeiras no afã de aumentarem seu volume de lucro, ignoram de forma omissiva os motores antifraudes que permitiriam identificar e bloquear as transações atípicas, gerando insegurança e fragilizando o sistema, facilitando a ação de marginais estelionatários e vitimando o consumidor.

VIII – Da necessidade de aplicação do Mecanismo Especial de Devolução - MED (Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020.

Os valores de Pix, que forem bloqueados cautelarmente pela instituição financeira do usuário recebedor, quando houver suspeita de fraude, deve ser devolvido ao usuário pagador nos termos do Mecanismo Especial de Devolução – MED de que trata a Seção II do Capítulo XI da referida BCB 1/20.

Assim, nos termos do art. 41 B, o MED se configura como um conjunto de regras, procedimentos operacionais com objetivo de viabilizar a devolução de um Pix nos casos de fundada suspeita de fraude, ou mesmo quando se verifique falha operacional do sistema.

A inoperância desses sistemas de controle é de responsabilidade das instituições financeiras que causarem prejuízo aos consumidores, gerando o dever por meio da responsabilidade objetiva em indenizar o consumidor por falha na prestação do serviço.  

IX – Do dever de ressarcir o consumidor lesado pela falha de segurança das instituições financeiras.

O fornecedor de serviços (banco pagador e recebedor), devem responder objetivamente pelos danos decorrentes da falha no serviço, consoante art. 14 do CDC, não se admitindo por óbvio a excludente de responsabilidade, porquanto se tratar de fortuito interno, devendo nos termos da Súmula 479 do STJ, as instituições financeiras suportarem os riscos do empreendimento.

Como mapeado do referido artigo, é cediço que as instituições financeiras ao ofertarem no mercado de consumo o serviço do Pix, devem atuar conforme Resolução BCB 1, de 12 de agosto de 2020, Resolução CMN  4.949 de 30 de setembro de 2021, Código Civil e principalmente o Código de Defesa do Consumidor, no sentido de fornecer a devida segurança dos sistemas eletrônicos de Pix, justamente para que se evite ou minore a ação deletéria de fraudadores estelionatários.

É justamente por ser um dano causado pela negligência das instituições financeiras que reduzem seu firewall de segurança, aumentando os riscos ao consumidor e agigantando sua margem de lucro, elevando a máxima do “crime compensa”, que deve pesar sobre as instituições financeiras a obrigação de indenizar o consumidor vítima.

Veja que a indenização não deve se esgotar apenas quanto na devolução dos valores do Pix, mas também em indenização por danos morais como medida repreensiva e pedagógica a instituição financeira e de ressarcimento moral ao consumidor em virtude dos transtornos experimentados, bem como o impacto em suas finanças pelo hiato temporal de ausência do numerário em sua conta bancária.

Rogério Napoleão
Advogado na Napoleão Advocacia. Militante na área de Servidores Públicos. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela PUC/PR. e-mail rogerio@napoleaoadvocacia.com.br / site www.napoleaoadvocacia.com.

Brenda Rangel Coelho
Advogada na Napoleão Advocacia, pós-graduanda em Direito Previdenciário pela PUC/PR

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