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Prestação de contas à previc: Deveres para administradores de EFPC e agentes públicos

O administrador de EFPC deve prestar contas de sua gestão à Previc. Ao mesmo tempo, a Previc tem um papel plural no qual estabelece todos os parâmetros e, efetivamente, recebe e analisa a Prestação de Contas. Nessa posição privilegiada, os agentes públicos que atuam pela Previc têm o dever relevante de prevenir a ocorrência de ilícitos administrativos ou mitigar suas consequências em prazo exíguo.

12/12/2022

1. Introdução

O administrador de EFPC é um gestor de recursos de terceiros. Nessa qualidade, está proibido de atuar contra os interesses dos planos administrados, ou, até mesmo, de agir de forma descuidada. Logo, ao priorizar práticas que garantam o cumprimento do seu dever fiduciário, o administrador adota uma metodologia adequada para decisões complexas que proporciona uma maior expectativa de solução eficiente para os planos.

Assim, o administrador de EFPC, racionalmente, (a) busca e considera informações em quantidade e qualidade suficientes; (b) avalia juízos de risco e retorno; (c) adequa suas decisões ao perfil de risco do plano; (d) tem por interesse de referência a rentabilidade financeira para poder honrar as obrigações de pagar benefícios aos seus participantes; (e) observa a necessidade de liquidez; e (f) é transparente.1

Ao mesmo tempo, a Previc é uma autarquia constituída por lei com finalidade de controlar, fiscalizar e supervisionar as atividades das EFPC. Dentre seus muitos encargos, está o de receber e analisar a Prestação de Contas dos administradores das EFPC. Nessa posição privilegiada, os agentes públicos que atuam pela Previc têm o papel relevante de prevenir a ocorrência de ilícitos administrativos ou mitigar suas consequências em prazo exíguo.

2. Princípio da Transparência

Ao percorrer os textos normativos que tratam da previdência complementar, encontramos por toda parte a referência à transparência. A lei Complementar 109/01 (que, juntamente com a Lei Complementar 108/01 formam o marco regulatório das EFPC) menciona explicitamente a transparência como um padrão a ser atendido pelos planos de benefícios:

Art. 7º Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.[…]

De forma coerente, a lei Complementar 109/01 direciona ao Estado o dever de disciplinar a forma como os participantes terão atendido seu amplo direito à transparência.

Art. 3º A ação do Estado será exercida com o objetivo de: […]

IV - assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios; [...]

Art. 24. A divulgação aos participantes, inclusive aos assistidos, das informações pertinentes aos planos de benefícios dar-se-á ao menos uma vez ao ano, na forma, nos prazos e pelos meios estabelecidos pelo órgão regulador e fiscalizador.

Parágrafo único. As informações requeridas formalmente pelo participante ou assistido, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal específico deverão ser atendidas pela entidade no prazo estabelecido pelo órgão regulador e fiscalizador.

Neste ponto, cabe conceituar brevemente a governança corporativa. Sabe-se que, sobretudo em decorrência de crises no mercado de capitais, propagou-se o conceito de que era necessário aperfeiçoar o controle externo da gestão por parte dos stakeholders.

A partir daí, diversas normas foram criadas para aumentar a transparência na gestão de recursos de terceiros, ainda que não sejam propriamente recursos públicos. A lógica é que a publicidade das informações acaba refreando espontaneamente certas práticas de atuação dos gestores. O princípio da transparência, trata-se, portanto, de uma questão de governança que nada se relaciona com o processo decisório do investimento.

Portanto, embora o Art. 4º, I da Resolução CMN 4.994/222 estabeleça que a EFPC observe o princípio da transparência na aplicação de recursos, cuida-se, evidentemente, de um desdobramento do dever de transparência previsto nos arts. 3º, IV; 7º; e 24 da lei Complementar 109/01.

Em síntese, direciona-se ao direito de patrocinadores e participantes de acessar livremente todas as informações não confidenciais. A transparência permite não só uma espécie de controle externo feito pelos interessados no resultado da gestão como, por via indireta, tende a prevenir condutas inadequadas dos administradores de EFPC.

3. Previc – Órgão Competente para Análise da Prestação de Contas

Para além do controle externo realizado por participantes e assistidos, recorde-se que o segmento de previdência complementar é fortemente regulado pelo Estado. E, neste passo, o princípio da transparência se revela de maneira mais aberta ao exigir que as contas dos administradores de EFPC sejam encaminhadas anualmente para análise pela Previc.

Assim, a lei Complementar 109/01 prevê expressamente a necessidade de Prestação de Contas por plano de benefícios e estabelece a obrigação de envio das contas para fiscalização e controle por parte do Estado.

Art. 22. Ao final de cada exercício, coincidente com o ano civil, as entidades fechadas deverão levantar as demonstrações contábeis e as avaliações atuariais de cada plano de benefícios, por pessoa jurídica ou profissional legalmente habilitado, devendo os resultados ser encaminhados ao órgão regulador e fiscalizador e divulgados aos participantes e aos assistidos.

Ainda determina a legislação que a Prestação de Contas será efetuada na forma exigida pelo Estado.

Art. 23. As entidades fechadas deverão manter atualizada sua contabilidade, de acordo com as instruções do órgão regulador e fiscalizador, consolidando a posição dos planos de benefícios que administram e executam, bem como submetendo suas contas a auditores independentes.

Neste sentido, a lei Complementar 109/01 já previa a criação de um órgão de fiscalização e controle.

Art. 5º A normatização, coordenação, supervisão, fiscalização e controle das atividades das entidades de previdência complementar serão realizados por órgão ou órgãos regulador e fiscalizador, conforme disposto em lei, observado o disposto no inciso VI do art. 84 da Constituição Federal.

Porém, naquela altura, a lei Complementar mantinha, transitoriamente, a fiscalização das EFPC a cargo da Secretaria de Previdência Complementar – SPC.

Art. 74. Até que seja publicada a lei de que trata o art. 5º desta Lei Complementar, as funções do órgão regulador e do órgão fiscalizador serão exercidas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio, respectivamente, do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), relativamente às entidades fechadas[...]

Com efeito, a lei 12.154/09 criou a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, substituindo e mantendo as atribuições e competências da Secretaria de Previdência Complementar – SPC. Assim sendo, a Previc foi constituída sob a forma de autarquia, com a finalidade de fiscalizar e supervisionar as atividades das EFPC, e de executar as políticas para o regime de Previdência Complementar.

Entre outras atribuições, compete à Previc proceder ao amplo controle das atividades e operações das EFPC. E, inclusive, prestar contas anualmente de suas atividades ao Ministério ao qual está vinculada3, ao Presidente da República e ao Congresso Nacional.

Art. 2º Compete à Previc:

I - proceder à fiscalização das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de suas operações; [...]

IX - enviar relatório anual de suas atividades ao Ministério da Previdência Social e, por seu intermédio, ao Presidente da República e ao Congresso Nacional;

Sua atividade como órgão de controle é mantido mediante Taxa de Fiscalização e Controle da Previdência Complementar - TAFIC, cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia legalmente atribuído à Previc para o controle das atividades das EFPC.4

Digno de nota, além disso, é o Plano de Carreiras e Cargos da Previc que contempla a carreira de especialista em previdência complementar, com atribuições de alto nível de complexidade voltadas para as atividades especializadas de análise, avaliação e supervisão para fins de autorização, a que se refere o art. 33 da lei Complementar 109/01, de compatibilização, de controle e supervisão do regime de previdência complementar.5

Adicionalmente, a lei Complementar 109/01 evidencia a vontade do legislador de que a fiscalização das EFPC e, via de consequência, a análise da Prestação de Contas seja competência privativa e exclusiva da Previc.

Art. 72. Compete privativamente ao órgão regulador e fiscalizador das entidades fechadas zelar pelas sociedades civis e fundações, como definido no art. 31 desta Lei Complementar, não se aplicando a estas o disposto nos arts. 26 e 30 do Código Civil e 1.200 a 1.204 do Código de Processo Civil e demais disposições em contrário.

Com esse propósito, ao longo do tempo, o Estado vem estabelecendo normas específicas para os procedimentos contábeis das EFPC, definindo detalhadamente a forma, o meio e a periodicidade de envio das demonstrações contábeis.

Destacamos:

(a) Resolução CGPC nº 05, de 30 de Janeiro de 2002 [Revogada pela Res. CGPC nº 28/2009]

(b) Resolução CGPC nº 28, de 26 de janeiro de 2009 [Revogada pela Res. MPS/CNPC nº 08/2011]

(c) Resolução MPS/CNPC nº 08, de 31 de outubro de 2011 [Revogada pela Res. CNPC n° 29/2018]

(d) Resolução CNPC n° 29, de 13 de abril de 2018 [Revogada pela Res. CNPC nº 43/2021]

(e) Resolução CNPC nº 43, de 6 de agosto de 2021

Vale mencionar que a Resolução CNPC 43/21 — atualmente em vigor — reforça que as informações serão transparentes.

Art. 6º A contabilidade da entidade deve ser elaborada respeitando a autonomia patrimonial dos planos de benefícios de forma a identificar, separadamente, os planos de benefícios previdenciais e assistenciais administrados pela entidade, bem como o plano de gestão administrativa - PGA, para assegurar um conjunto de informações consistentes e transparentes.

Determina ainda a Resolução, a regulamentação pormenorizada por parte da Previc. Ou seja, a autarquia estabelece detalhadamente a forma como ela mesma deseja receber as informações.

Art. 2º Fica a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - Previc autorizada a editar instruções complementares para a fiel execução do disposto nesta Resolução, inclusive:

  1. estabelecer procedimentos contábeis específicos das entidades;
  2. estruturar a planificação contábil padrão; e
  3. estruturar as demonstrações contábeis a serem enviadas para a Previc, bem como disciplinar a forma, o meio e a periodicidade para envio destas.

Por fim, é necessário destacar que está previsto no decreto 4.942/03 o poder da Previc também de fiscalizar, julgar e punir eventuais descumprimentos relacionados à Prestação de Contas.

Art. 81. Deixar de divulgar aos participantes e aos assistidos, na forma, no prazo ou pelos meios determinados pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar e pela Secretaria de Previdência Complementar, ou pelo Conselho Monetário Nacional, informações contábeis, atuariais, financeiras ou de investimentos relativas ao plano de benefícios ao qual estejam vinculados.6

Art. 82. Deixar de prestar à Secretaria de Previdência Complementar informações contábeis, atuariais, financeiras, de investimentos ou outras previstas na regulamentação, relativamente ao plano de benefícios e à própria entidade fechada de previdência complementar, no prazo e na forma determinados pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar e pela Secretaria de Previdência Complementar.7

Art. 83. Descumprir as instruções do Conselho de Gestão da Previdência Complementar e da Secretaria de Previdência Complementar sobre as normas e os procedimentos contábeis aplicáveis aos planos de benefícios da entidade fechada de previdência complementar ou deixar de submetê-los a auditores independentes.

4. Conclusão

A Prestação de Contas com um conjunto de informações consistentes e transparentes é um ônus do administrador de EFPC. Para se desincumbir desse encargo, em resumo, o administrador de EFPC:

(a) Presta Contas à Previc, anualmente, com informações contábeis, atuariais, financeiras, de investimentos; e

(b) Divulga aos participantes e aos assistidos a Prestação de Contas enviada para análise da Previc, com informações contábeis, atuariais, financeiras ou de investimentos; e

(c) Cumpre as normas e os procedimentos contábeis aplicáveis à Prestação de Contas; e

(d) Submete a Prestação de Contas a auditores independentes.

Quanto à Prestação de Contas, de outro lado, a Previc tem múltiplos e simultâneos deveres, como pudemos expor. Em síntese, a Previc, por meio de seus Agentes Públicos:

(a) estabelece procedimentos contábeis específicos da Prestação de Contas;

(b) estrutura a planificação contábil padrão para a Prestação de Contas;

(c) estrutura o modelo das demonstrações contábeis da Prestação de Contas a ser enviada para a Previc;

(d) disciplina:

  1. a forma de envio da Prestação de Contas;
  2. o meio de envio da Prestação de Contas; e
  3. a periodicidade de envio da Prestação de Contas.

(e) analisa a Prestação de Contas enviada pela EFPC;

(f) fiscaliza a Prestação de Contas enviada pela EFPC;

(g) apura responsabilidade relativa à Prestação de Contas, com a lavratura do auto de infração ou a instauração do inquérito administrativo se o administrador de EFPC:

  1. Deixar de divulgar aos participantes e aos assistidos a Prestação de Contas com informações contábeis, atuariais, financeiras ou de investimentos; ou
  2. Deixar de Prestar Contas à Previc com informações contábeis, atuariais, financeiras, de investimentos; ou
  3. Descumprir as normas e os procedimentos contábeis aplicáveis à Prestação de Contas; ou
  4. Deixar de submeter a Prestação de Contas a auditores independentes.8

(h) mediante procedimentos próprios, apura responsabilidade relativa a ilícitos cujos indícios sejam identificados a partir da Prestação de Contas.

Apesar de alguma controvérsia em relação à extensão do amplo poder regulador da Previc que é simultaneamente formuladora das exigências e destinatária da Prestação de Contas, fato é que essa sistemática vem se prolongando no tempo.

Esse papel plural da Previc, quer nos parecer, foi construído e é mantido com claro propósito de garantir o controle das atividades das EFPC. Ao estabelecer todos os parâmetros e, efetivamente, receber e analisar a Prestação de Contas, a Previc coloca-se em uma posição privilegiada para prevenir a ocorrência de ilícitos administrativos. Entretanto, não é concebível, no plano teórico, a prevenção absoluta de ilícitos. Por isso mesmo, a Prestação de Contas trata-se de uma importante ferramenta para a autarquia mitigar em prazo exíguo os efeitos danosos dos ilícitos cujos indícios sejam identificados pela análise dos competentes Agentes Públicos que exercem suas funções na Previc.

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1 Já escrevi sobre o tema em muitas outras oportunidades, com destaque: GOMES DOS SANTOS, Do que devemos falar antes de processar um administrador de EFPC? Revista da ABRAPP maio/junho 2021 p.47/50. https://biblioteca.sophia.com.br/terminal/9147/VisualizadorPdf?codigoArquivo=56052

2 Art. 4º Na aplicação dos recursos dos planos, a EFPC deve: I - observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez, adequação à natureza de suas obrigações e transparência; 

3 Atualmente é o Ministério do Trabalho e Previdência.

4 Art. 12. Fica instituída a Taxa de Fiscalização e Controle da Previdência Complementar - TAFIC, cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia legalmente atribuído à Previc para a fiscalização e a supervisão das atividades descritas no art. 2º.

5 Art. 18. O Plano de Carreiras e Cargos da Previc – PCCPREVIC é composto pelas seguintes Carreiras e cargos: I - Carreira de Especialista em Previdência Complementar, composta do cargo de Especialista em Previdência Complementar, de nível superior, com atribuições de alto nível de complexidade voltadas para as atividades especializadas de análise, avaliação e supervisão para fins de autorização, a que se refere o art. 33 da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, de compatibilização, de controle e supervisão do regime de previdência complementar, operado por entidades fechadas de previdência complementar, bem como para a implementação de políticas e para a realização de estudos e pesquisas respectivos a essas atividades;

6 Penalidade: multa de R$ 54.630,47 [valor atualizado pela Portaria Previc nº 850, de 21 de Dezembro de 2021], podendo ser cumulada com suspensão de até sessenta dias.

7 Penalidade: multa de R$ 54.630,47 [valor atualizado pela Portaria Previc nº 850, de 21 de Dezembro de 2021], podendo ser cumulada com suspensão de até sessenta dias.

8 Penalidade: multa de R$ 54.630,47 [valor atualizado pela Portaria Previc nº 850, de 21 de Dezembro de 2021], podendo ser cumulada com suspensão de até sessenta dias.

9 Nesse aspecto, sempre vale lembrar o Decreto nº 4.942/2003 Art. 22; § 2º Desde que não tenha havido prejuízo à entidade, ao plano de benefícios por ela administrado ou ao participante e não se verifique circunstância agravante prevista no inciso II do art. 23, se o infrator corrigir a irregularidade cometida no prazo fixado pela Secretaria de Previdência Complementar, não será lavrado o auto de infração.

Renato de Mello Gomes dos Santos
Mestre em Direito dos Contratos e da Empresa - Universidade do Minho - Braga; MBA Gestão de Negócios IBMEC; Graduado UFRJ; Pós-Graduado - Direito Consumidor - EMERJ; Advogado no Brasil e em Portugal

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