Não é novidade que, em julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal- STF, no âmbito das ADIn’s 4901, 4902, 4903 e 4937 e da ADC nº 42, declarou a constitucionalidade de diversos dispositivos1 da lei 12.651/12 (Código Florestal vigente).
Em poucas palavras, tais dispositivos estabelecem normas gerais sobre a proteção da vegetação, Áreas de Preservação Permanente, áreas de Reserva Legal, exploração florestal, suprimento de matéria-prima florestal, controle da origem dos produtos florestais e controle e prevenção dos incêndios florestais2.
As decisões declaratórias de constitucionalidade, como as que foram proferidas nas ADIn’s e ADC acima mencionadas, nos termos do artigo 102, § 2º da Constituição Federal3 e do artigo 28, parágrafo único da lei 9.868/994, têm eficácia erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal5.
É dizer: reconhecida a constitucionalidade dos dispositivos do Código Florestal de 2012, sua aplicação deve ser ampla e imediata, em consonância com o entendimento firmado em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Não obstante, mesmo após o reconhecimento expresso de constitucionalidade pelo STF de diversos dispositivos da lei 12.651/12, certo é que, quando da apreciação de Compromissos de Ajustamento de Conduta firmados sob a égide do já revogado Código Florestal de 1965, o Superior Tribunal de Justiça- STJ tem proferido decisões que rechaçam a aplicação da Lei Florestal vigente, orientando, nesse passo, decisões de instâncias ordinárias.
Os precedentes do STJ, em tal sentido, se firmam na interpretação de que (i) a lei 12.651/12 não pode ser aplicada a fatos pretéritos, sob pena de afronta ao ato jurídico perfeito6 e (ii) a declaração de constitucionalidade emanada pelo STF não inibe a análise, pela Corte Infraconstitucional, da aplicação intertemporal da nova lei7.
Contudo, o STF, ao ser instado a se posicionar acerca da constitucionalidade das decisões que afastam a possibilidade de aplicação de dispositivos da lei 12.651/12 aos acordos ambientais firmados sob a égide da já revogada lei 4.771/65, tem sedimentado entendimento de que a não aplicação da Lei Florestal vigente resultaria em esvaziamento da eficácia da norma.
Recentemente, em sede de liminar em Reclamação Constitucional (STF. Rcl 56.092/SP), o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu os efeitos de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que afastava a aplicação da lei 12.651/12 a TAC firmado sob a égide da lei florestal revogada. Vale assinalar trechos da decisão:
“[...] Da leitura dos autos, verifica-se que a sentença de primeira instância julgou procedente o pedido formulado em ação anulatória proposta pela reclamante para declarar a nulidade do Termo de
Ajustamento de Conduta - TAC "referente ao imóvel de matrículas nº 1.924 e 2.233" (doc. 012, fls. 43-46). A decisão, no entanto, foi reformada em sede de apelação, quando o Tribunal reclamado deu provimento ao recurso de apelação do Ministério Público para afastar a aplicação da Lei nº 12.651/2012 ao caso dos autos, adotando o posicionamento prevalecente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que entende (i) que o Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada e (ii) que o art. 12 do Decreto 8.235/14, ao determinar a retroatividade dos dispositivos do Código Florestal vigente, 'desbordou de seu poder regulamentar, ferindo o princípio da isonomia ao promover tratamento privilegiado aos que causaram degradação ambiental em detrimento daqueles que cumpriram com os preceitos legais'.
O STF, no julgamento de ação declaratória de constitucionalidade (ADC 42) e de quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIns 4.901; 4.902; 4.903 e 4.937), analisou a constitucionalidade de dispositivos da lei 12.651/12 [...]. Naquela oportunidade, houve a declaração de constitucionalidade do art. 15, nos seguintes termos:
(p) Art. 15 (Possibilidade de se computar as Áreas de Preservação Permanente para cômputo do percentual da Reserva Legal, em hipóteses legais específicas): As Áreas de Preservação Permanente são zonas específicas nas quais se exige a manutenção da vegetação, como restingas, manguezais e margens de cursos d’água. Por sua vez, a Reserva Legal é um percentual de vegetação nativa a ser mantido no imóvel, que pode chegar a 80% (oitenta por cento) deste, conforme localização definida pelo órgão estadual integrante do Sisnama à luz dos critérios previstos no art. 14 do novo Código Florestal, dentre eles a maior importância para a conservação da biodiversidade e a maior fragilidade ambiental. Em regra, consoante o caput do art. 12 do novo Código Florestal, a fixação da Reserva Legal é realizada sem prejuízo das áreas de preservação permanente. Entretanto, a incidência cumulativa de ambos os institutos em uma mesma propriedade pode aniquilar substancialmente a sua utilização produtiva. O cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual de Reserva Legal resulta de legítimo exercício, pelo legislador, da função que lhe assegura o art. 225, § 1º, III, da Constituição, cabendo-lhe fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos, inclusive o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CRFB) e o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB). Da mesma forma, impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos; Conclusão: Declaração de constitucionalidade do artigo 15 do Código Florestal.
Desse modo, a não aplicação desse dispositivo, sob o argumento de que o novo código não poderia alcançar fatos pretéritos, resulta em esvaziamento da eficácia da referida norma, cuja validade constitucional foi afirmada por este Tribunal.[...]” (destacamos)
O posicionamento não é isolado8 e a ementa de precedente similar de relatoria do Ministro Dias Toffoli merece reprodução:
“[...] Agravo regimental na reclamação. ADI nº 4.903/DF e ADC nº 42/DF. Compensação de reserva legal. Área de Preservação Permanente. Artigo 15 do Novo Código Florestal. Lei nº 12.651/2012. Norma de transição. Aplicação imediata. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. No acórdão reclamado, ao se recusar a aplicação do art. 15 do Novo Código Florestal ao caso concreto, esvaziou-se a força normativa do dispositivo legal, recusando-se eficácia vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas na ADI nº 4.903/DF e na ADC nº 42/DF. 2. No julgamento da ADI nº 4.903/DF e da ADC nº 42/DF, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do art. 15 do Código Florestal. Restou consignado que “impedir o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo da extensão da Reserva Legal equivale a tolher a prerrogativa da lei de fixar os percentuais de proteção que atendem da melhor forma os valores constitucionais atingidos”. 3. Agravo regimental não provido. [...]” (destacamos)
(STF - Rcl: 43202 SP 0102294-46.2020.1.00.0000, Relator: Dias Toffoli, data de julgamento: 04.10.2021, Primeira Turma, data de publicação: 10.11.2021)
Assim, as decisões que estão sendo proferidas nas instâncias ordinárias e no STJ impedindo que as obrigações de regularização constantes de acordos ambientais sejam cumpridas, em equilíbrio às alternativas trazidas pela lei 12.651/12, se caracterizam como grave violação à autoridade do Supremo Tribunal Federal.
Dessa forma, a medida de adequação de TACs – firmados sob a égide da lei revogada – aos dispositivos da Lei Florestal vigente (Lei 12.651/12) expressamente reconhecidos como constitucionais se mostra em consonância com os posicionamentos do STF9 e com os arts. 102, § 2º da Constituição Federal e 28, parágrafo único, da lei 9.868/99.
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1 art. 3 °, parágrafo único, inciso VIII, alínea ‘b’, e inciso IX, XVII e XIX, art. 4°, § 5°, inciso I, II, e § 6°, III e § 1° e 4° e inciso IV, art. 5º, caput e §§ 1º e 2º, art. 7º, § 3º, art. 8º, § 2º, art. 11, artigo 12 § 4,5, 6, 7 e 8°, art. 13, § 1º, art. 15, art. 17, caput e § 3º, art. 28, art. 44, art. 48 e § 2°, art. 59 e 60, arts. 61-A, 61-B, 61 – C, art. 62, art. 63, art. 66, § 3º, 5º e 6º, art. 67, art. 68 e art. 78-A
2 RCL 56092 MC/SP. Rel. Min. Roberto Barroso.
3 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...]
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392)
[...]
4 Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
[...]
5 A Lei 9868/99, em seu art. 28, parágrafo único, conferiu tratamento uniforme e coerente à matéria, prevendo que as declarações de constitucionalidade, inclusive a interpretação conforme à Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais Órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal.
(CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.), Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. P 1.400).
6 REsp 1.728.244, relator Ministro Herman Benjamin.
7 REsp 1.646.193, relator Ministro Gurgel de Faria.
8 [...] O caso dos autos o Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública objetivando a revisão de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a reclamante e o Estado de São Paulo, para fins de recuperação ambiental, firmado já na vigência do atual art. 15 da Lei nº 12.651/2012 ( Código Florestal). No tocante a aplicação do art. 15 do Código Florestal, transcrevo o trecho do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, Relator das ADI's 4.901, 4.902 e 4.903, e da ADC 42, pertinentes ao caso concreto. “DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO. DEVER DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OUTROS VETORES CONSTITUCIONAIS DE IGUAL HIERARQUIA. ARTIGOS 1º, IV; 3º, II E III; 5º, CAPUT E XXII; 170, CAPUT E INCISOS II, V, VII E VIII, DA CRFB. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. JUSTIÇA INTERGERACIONAL. ALOCAÇÃO DE RECURSOS PARA ATENDER AS NECESSIDADES DA GERAÇÃO ATUAL. ESCOLHA POLÍTICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. EXAME DE RACIONALIDADE ESTREITA. RESPEITO AOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DECISÓRIA EMPREGADOS PELO FORMADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. [...] (STF - Rcl: 43202 SP).
9 Rcls 39.991 e 44.645, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Rcl 42.711, Relª. Minª Rosa Weber; Rcl 52.671-MC, Min. André Mendonça; RE 1.051.404-AgR, Luís Roberto Barroso e Rcl 43.202- AgR, Rel. Min. Dias Toffoli.