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O CPC 2015 e o processo de controle externo

Diálogos processuais.

5/12/2022

O ideal de um controle externo como uma função autônoma reclama a necessidade de se estabelecer uma lógica processual própria para munir os Tribunais de Contas do pleno exercício de suas atividades.

Referida lógica, é marcada por especificidades e singularidades inerentes à esfera controladora (redação dada pela lei 13.655/18), as quais não se confundem com o instrumental dos processos administrativos típicos, nem dos processos judiciais clássicos, fato este que o distingue naturalmente do processo civil ordinário apesar de guardar com ele algumas semelhanças.

É certo que é permitido a cada Corte de Contas regulamentar suas fontes processuais primárias (leis Orgânicas e respectivos Regimentos Internos). Entretanto, não é surpresa que haja lacunas diretas e indiretas nas normas que regem o referido processo no âmbito da jurisdição especializada de contas.

Tal qual alguns princípios constitucionais aplicáveis a todos os tipos de processo, inclusive ao processo de contas, o direito processual, enquanto regulamentador de uma função soberana do Estado, também o é. Não por outra razão, o novo Código de Processo Civil, vigente desde 2016, é claro ao dispor que na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições lhes serão aplicadas.

É induvidoso que a intenção do legislador foi imprimir maior grau de estabilidade e harmonia aos diferentes tipos de processos e esferas de poder, impondo sua observância sempre que diplomas particulares sejam omissos ou deficientes, e é impossível que leis especiais se desvinculem totalmente da unidade fundamental da norma processual.

E a razão, parece óbvia: a jurisdição é una, portanto, também é uno o direito processual enquanto sistema de princípios e normas para o exercício da jurisdição1, ainda que com campos de incidência diferentes.

Complementando o pontuado, inobstante tais premissas típicas de um sistema próprio, as normas processuais previstas nas diversas leis orgânicas dos Tribunais de Contas e dos seus respectivos regimentos internos, preveem a aplicação do Código de Processo Civil (lei 13.105, de 16 de março de 2015) quando da falta de normas legais e/ou regimentais específicas de maneira analógica e/ou subsidiária.

Assim, apesar de o CPC/2015 regular estritamente os processos jurisdicionais cíveis, seu artigo 15 autoriza sua aplicação, em caráter supletivo e subsidiário, ante seu status de diploma processual de caráter geral, caso as normas que os regem não se mostrem suficientes.

Em um verdadeiro diálogo processual, tendo como fundamento o art. 522 de sua lei Orgânica (lei Complementar estadual 113, de 15 de dezembro de 2005), o Tribunal de Contas do Estado do Paraná - TCE/PR, estabeleceu importante diretriz, após a vigência do CPC/15, sobre a temática, adotando a seguinte linha argumentativa, mediante o Acórdão 2519/16 - Primeira Câmara (Processo 343212/16), de 07.06.2016, de relatoria do Conselheiro José Durval Mattos do Amaral:

“(...) ocorrendo lacunas no processo administrativo desta Corte de Contas ou insuficiência de regulamentação de alguns institutos, o regramento processual oriundo da entrada em vigor do novo digesto processual, terá sua aplicação condicionada à dicotomia estabelecida pelo art. 15 do NCPC. Assim, tratando-se de instituto ou regramento previsto nas regras processuais desta Corte, dar-se-á, incidência subsidiária do Código de Processo Civil, e ocorrendo omissão sua aplicação será supletiva. Logo, a aplicação do NCPC no âmbito da jurisdição administrativa desta Corte serve de texto-base à disciplina processual de contas, se os temas (processuais) não encontrarem disciplina específica no âmbito da especialização deste Tribunal ou houverem sido omitidos”.

Naquela oportunidade, foi fixada a seguinte tese: “a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (antigo ou novo) veiculada pelo art. 52 da Lei Orgânica desta Corte, só tem razão de ser em caso de não regulamentação do instituto, seja via lei Orgânica e/ou pelo Regimento Interno do Tribunal.”

Tal tese restou vencedora e posteriormente foi replicada no Acórdão 3193/16 - Tribunal Pleno (Processo 994473/15), de 01 de julho de 2016, de relatoria do Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares.

Este entendimento acompanha linha decisória já adotada em diversas oportunidades3 pelo Tribunal de Contas da União - TCU, no sentido de que é possível a aplicação de normas processuais civis, todavia, apenas para suprir lacunas da legislação específica obedecendo a lógica de deferência ao campo processual do controle externo.

A despeito da necessária diferença ontológica entre as esferas judicial, controladora e administrativa referenciadas no respectivo espectro processual, o Código de Processo Civil por ser uma norma geral dialoga e exerce influência sobre os comandos normativos processuais dos diversos Tribunais de Contas do Brasil, devendo para tanto, o intérprete, ter como norte de aplicação o campo de atuação permitido pelos legisladores locais para saber em que medida o CPC irá efetuar tal contato: se de maneira subsidiária ou supletiva.

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1 NOVAES, Maria Dolarice. O artigo 15 do CPC e sua repercussão no ramo especializado do Processo do Trabalho. Belo Horizonte: Revista dos Tribunais, 2015, pag. 206. 

2 Art. 52. Aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil, no que couber, em todos os julgamentos no âmbito do Tribunal de Contas.

3 TCU - Acórdão n.º 7434/2016 - Primeira Câmara, Rel. Bruno Dantas; TCU - Acórdão n.º 2391/2017 - Plenário, Rel. Walton Alencar Rodrigues; TCU - Acórdão 11287/2021 - Primeira Câmara, Rel. Vital do Rêgo. 

Tiago Moraes Ribeiro
Advogado, graduado pela UFPA, especialista em Direito Público pela UNIDERP e Direito Internacional pelo CEDIN. Auditor de Controle Externo no Tribunal de Contas do Estado do Paraná - TCE/PR.

Fabiane Pinto
Advogada e Servidora Pública Municipal especialista em Direito Administrativo, Eleitoral e Compliance, com certificações pela Fundação Getúlio Vargas e LEC Legal, Ethics e Compliance.

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