Via de regra, até como uma certa decorrência de um direito de busca da felicidade (e existem extensas discussões em torno da constitucionalização deste direito), as pessoas devem poder escolher, se irão viver sozinhas ou se seguiram natural instinto gregário e formar famílias
Igualmente, em um estado que tem a liberdade como valor fundamental previsto como sobre princípio no artigo 5º caput CF, não obstante vivamos em tempos de relativização de direitos, as pessoas devem ser livres para disporem de sua vida e patrimônio apenas não se podendo ofender normas cogentes.
No âmbito infraconstitiucional a liberdade de união resta assegurada nos termos do artigo 1.513 CC: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.”
Há vários arranjos familiares possíveis para além da família matrimonial (formal), tais como família informal (união estável), monoparental, mosaico, multispecie (não há mesmo, base constitucional ou jurídica para impedir uniões poliafetivas, casamentos abertos ou eudemônicos etc. ).
E há liberdade, via de regra, para que se estabeleçam regras patrimoniais nessas uniões, em que, via de regra, se respeita a vontade dos indivíduos que nela ingressam.
Por exemplo, a norma contida no artigo 1.639 do Código Civil, estipula ser lícito aos nubentes dispor sobre os aspectos patrimoniais da forma mais conveniente, conferindo um espaço de liberdade na preferência das regras particulares da organização econômica e familiar.
Como de conhecimento geral, a pessoa com mais de 70 anos que se casar não poderá escolher um regime de bens. De acordo com o artigo 1.641 do Código Civil, ela deverá submeter-se ao regime de separação obrigatória de bens.
E daí a discussão se espraiou também para outros tipos de união familiar, como se dá, por exemplo, no caso das uniões estáveis por simetria.
Há, ao menos, duas outras limitações, que seriam o caso do casamento de pessoa relativa capaz após atingir idade núbil (entre 16 e 18 anos) e o caso da pessoa viúva enquanto não faz inventário dos bens atinentes ao de cujus sucessiones agitur (artigo 1.523 CC), ambas situações que, tais quais, se dá no caso de pessoa maior de 70 anos, se impõem regimes de separação obrigatória de bens.
Como há possibilidade de se terminar o inventário depois de casado, no caso do mencionado artigo 1.523 CC, e como a pessoa relativamente capaz tende a se convolar em pessoa capaz plenamente para os atos da vida civil, se tem que essas duas situações acabam por se tornar reversíveis.
Enquanto não se descobrir a fonte da juventude, no entanto, complexa resta a situação dos que se unem a partir dos 70 anos de idade.
Autores como Washington de Barros Monteiro apontam que esse tipo de previsão normativa de limitação, se aplicaria como uma medida protetiva, que visa a resguardar a pessoa idosa do casamento por mero interesse financeiro, protegendo o seu patrimônio.
Entende particularmente este articulista que tal visão se revela como dado preconceituoso – não se pode confundir idade avançada ou velhice com sintoma de perda de capacidade – há octagenários extremamente ativos e lúcidos – com extremada experiência de vida e grande acuidade que tem que ter preservados direitos e prerrogativas quanto ao destino de seu patrimônio e modo de conduzir seus interesses.
No sistema da atual LBI, inclusive, mesmo que se inicie algum tipo de limitação mental ou intelectual (o que sempre se pauta por prelados de razoabilidade – artigo 121 LBI) ainda assim a pessoa terá capacidade civil plena para os atos da vida civil, inclusive para escolher formar ou não família e estabelecer regime de bens (artigos 2º e 6º LBI, em consonância com a Carta de Nova York de 2.007 de que o Brasil é signatário).
Assim apesar de o legislador ter criado a norma para proteger a pessoa idosa, por considerá-la mais frágil e vulnerável, a imposição da separação de bens no casamento dos maiores de 70 anos é vista por diversos autores como autoritária, contrária ao estatuto do idoso e mesmo inconstitucional.
Para Anderson Nogueira Guedes, por exemplo, ela rebaixaria o idoso “a uma vexatória condição de presunção de incapacidade, o que é completamente vedado pelo nosso Ordenamento Jurídico”.
Sempre defendi, concordando aí, com os posicionamentos de Fernando Simão e mesmo de Flávio Tartuce, que a imposição de um regime obrigatório de separação de bens para pessoas maiores de setenta anos, implicaria em situação inconstitucional, por ser, preconceituosa.
Isso porque se parte da ideia segundo a qual pessoas de mais idade estariam ficando senis, o que não é a regra (e pela LBI não seria nem mesmo automática a interdição de quem começa a desenvolver algum tipo de problema mental ou intelectual - basta ver, por exemplo o disposto nos artigos 2º, 6º e 121 LBI, por exemplo).
Isso ocorre porque a Constituição da República, estabelece que tanto a família, quanto o Estado e a própria sociedade são responsáveis em promover a defesa do idoso, tendo o dever de assegurar sua dignidade, bem estar e direito à vida (art. 223, CF) o que é reafirmado no artigo 3º do Estatuto do Idoso:
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Observe-se que o texto constitucional estabelece deveres familiares e da sociedade e do Estado como um todo no que tange à questão da pessoa idosa. Assim, in ipsis literae:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Pedro Lenza (2012) diz que o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção, um direito social, sendo obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. A falta de dignidade com que as regras protetivas são negligenciadas beiram as raias do escárnio, em efetiva teratologia.
A velhice é um processo natural da vida e é desejável que todos tenham oportunidade de envelhecer de forma saudável, com autonomia e independência, o maior tempo possível; todavia, pelos mais variados motivos, nem sempre é possível o envelhecimento com plena saúde, e, mesmo idosos ativos e saudáveis, adoecem, e, assim, em algum momento, irão necessitar de internamento hospitalar para tratamento de alguma enfermidade.
No entanto e num juízo a priori, o idoso é proprietário de seu próprio patrimônio, e sem indícios claros de que esteja em situação de vulnerabilidade e falta efetiva de discernimento, seus herdeiros, que geralmente reclamam, tem mera expectativa de direitos, no que tange à eventual herança.
Não podem, sem motivos sérios, intervir no modo como um idoso irá articular sua vida, seus relacionamentos etc (como ideia geral, a própria pacta corvina é vedada no direito brasileiro).
O STJ no início de novembro de 2.022, aprovou a Súmula 655, que não firmou, em sede de união estável ao menos (o precedente não dispõe da questão do casamento – mas não há razão aparente para diferenciar ambas as situações), entendimento no sentido de que o regime será o da separação de bens.
No entanto, e isso é uma questão muito importante, não haverá prejuízo maior, diante da solução encontrada pelos Ministros da Corte, eis que, a despeito de imporem um regime de separação total, não elidiram, eis que isso é ressalvado na Súmula, o direito à meação em havendo comprovação de aquisição onerosa de bens pela consorte em união estável.
Com isso se impede situação de enriquecimento sem causa, e, uma vez que o regime se leva em conta em caso de extinção da união familiar pelo dissenso, mas não pela morte, não perderá o companheiro remanescente a qualidade de herdeiro (Súmula 377 STF ainda não superada).
Pelo óbvio, portanto, que isso não impedirá que o idoso resguarde além da simples meação, algum conforto ao remanescente sobrevivente, em casos como tal, eis que, apenas observada a legítima, poderá entabular testamento, inclusive deixando legado, instituir direito real em sendo o caso em seu favor, criar empresa com atribuição de cotas, deixar seguro de vida tendo tal pessoa como beneficiária da indenização securitária, preparar documento para facilitar eventual qualidade de dependente tributário e outras providências.
Aliás, retomando tema que sempre aponto em meus artigos, a família informal está sendo demandada a se formalizar cada vez mais – embora não se exija o casamento de “papel passado”, tem se tornado cada vez mais importante fazer ao menos a escritura de união estável, previsão em testamento sobre disposição de última vontade.
Pior, num clima de discursos contra o direito de herança, voracidade fiscal exacerbada e todo o mais, os sobreviventes de uma relação, ainda que meramente meeiros ou mesmo herdeiros, podem contar com aumento da carga tributária sobre heranças (já existe PEC em andamento – desde o Governo de Dilma Roussef).
Mesmo que não haja intuito de constituir família, ainda assim, existe a possibilidade de regular namoros, simples e mesmo os ditos namoros qualificados, por contrato, com estabelecimento de alguns direitos de índole patrimonial para prevenir pendências futuras – caminha-se no rumo de se ter ir para baladas com um advogado para cada parceiro e de preferência um notário por bar, como costumo brincar em minhas aulas.
As holdings nesse contexto, ainda parecem ser um caminho menos árido. O mundo caminha para ser um lugar extremamente perigoso para se viver (outra frase que uso em aulas) – o planejamento passa a ser extremamente importante e relevante.