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Breves comentários sobre utilização de imagens de antes e depois por médicos

Sentença proferida em sede de mandado de segurança que concedeu a uma médica o direito de publicar fotos de antes e depois de seus pacientes em rede social, poderia mudar o rumo da publicidade médica?

28/10/2022

No dia 14/10/22, uma sentença proferida em sede de mandado de segurança impetrado em face do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais; Presidente Conselho Federal de Medicina e Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais, do concedeu a uma médica do Distrito Federal, o direito de utilizar de publicidade em suas redes sociais, o famoso “post” de antes e depois de realizar os procedimentos em seus pacientes. Além disso, os autos versavam acerca da divulgação do conhecimento especializado da referida médica, em virtude do que preconiza a Resolução do CFM 1.974/11, mais especificamente em seu art. 3º, g. In verbis

Art. 3º É vedado ao médico: (...) g) Expor a figura de seu paciente como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com autorização expressa do mesmo, ressalvado o disposto no art. 10 desta resolução

Em análise ao caso concreto, o julgador entendeu que o conteúdo normativo suscitado via Mandado de Segurança, não observa o princípio da legalidade por de encontro aos princípios da legalidade genérica, da tipicidade das infrações administrativas; viola, ainda, a reserva legal para o exercício da profissão.

O julgador, trouxe, mais:

Quarto, como se não bastasse, a reserva legal da proibição da conduta em questão foi recentemente reforçada pela Lei de Liberdade Econômica, que proíbe a Administração de “restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei federal” (art. 4o, VIII). Ressalteise que é totalmente artificial o argumento que tenta afastar a incidência dessa norma sobre a atividade médica afirmando que essa não seria uma atividade econômica.

Ao final, com a segurança concedida à médica, o Juiz Federal Substituto da 2ª Vara da Subseção Judiciária do Distrito Federal, Anderson Santos Da Silva, ANULOU O ART. 3º, g, da Resolução 1.974/11 do CFM e o Processo Administrativo 2.819/17 (provavelmente o que a médica impetrante responde junto ao CRM/MG).

Os Efeitos da Decisão

Verdade é que os efeitos da decisão ainda são estritos ao caso concreto, haja vista que para alcance para uma coletividade, o mandado de segurança individualizado não se mostra via adequada.

Ainda assim, a repercussão do tema causou divergência entre os próprios profissionais da medicina. Enquanto alguns comemoravam, outros demonstravam descontentamento com a decisão prolatada. Esses últimos, com receio de a medicina se vincular demasiadamente ao resultado, além de uma competição desleal pelas redes sociais.

Com efeito, no universo jurídico é razoavelmente compreensível se chegar à conclusão do que se trata a estabilização da decisão, também conhecida como trânsito em julgado. Em verdade, referida sentença teve índice altíssimo de repost em redes sociais, principalmente, entre médicos, os quais, sem demérito algum ao conhecimento que detêm, não estão obrigados a compreender o que poderá ou não ser feito ulteriormente à tal decisão judicial.

Outro aspecto importante a se esclarecer é que aquele mandado de segurança fora impetrado por uma única pessoa, ou seja, os efeitos daquela decisão servem, estritamente, ao contexto vinculado ao processo administrativo em que a impetrante é parte, leia-se efeito inter pars (entre partes); assim, para que fosse possível efeito para um todo ou, ainda, aplicação de tal decisão em processos paradigmas ou, até mesmo em processos éticos profissionais, se faria necessária uma decisão com efeito erga omnes (para todos).

Consabido em meio jurídico, o efeito erga omnes, em situações similares, poderia apenas ser conquistado por uma parte que viesse representar a classe, no caso concreto, uma associação ou sociedade médica, por exemplo.

Quais os Riscos de Publicar Imagens de Antes e Depois

A responsabilidade civil do médico (e aqui se inclui a indenizatória), sempre dependerá da demonstração de culpa do profissional. Isso, em razão de o art. §4º do art. 14 do CDC, determinar que:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

E, aprofundando um pouco mais, o CDC, em seu art. 37, § 2º:

§ 2.º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.  

Assim, salvo exceções, para se concluir pela condenação de imputação de responsabilidade civil ao médico, deverá ser demonstrada que ele tenha agido com negligência, imperícia ou imprudência.

A imprudência se caracteriza pela falta de zelo e cuidado em determinada ação.

A negligência é caracterizada pela própria omissão de um dever. A imperícia se evidencia pela falta de qualificação do agente na realização de determinada conduta.

O reflexo negativo da publicidade exacerbada, com conteúdo vinculativo ao resultado, é evidente. Ainda que de toda destreza e conhecimento seja portador, o profissional médico é ser humano, passível de erro, portanto. Nesse cenário, ao publicizar resultados que evidenciem somente pontos positivos de determinado procedimento, o médico deixa de cumprir sua obrigação informativa, inclusive, incorrendo em conduta antiética ao fazê-lo.

Dantasi1, assevera que:

O exercício da medicina, enquanto atividade econômica adstrita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, também tem regulamentado o uso da publicidade como ferramenta de promoção. A publicidade, por definição, é toda forma de divulgação e/ou difusa) de informações, com a finalidade de direta ou indiretamente, influenciar favoravelmente determinado público consumidor de produtos e/ou serviços, seja com finalidade lucrativa ou não, ainda que esta Segunda modalidade seja mais rara.

Certamente, ao promover referido conteúdo (antes e depois), ainda que em pleno gozo de seus direitos, o profissional deve se conter ou, ainda, ter máxima cautela, sob pena de impor contra si assento perante a espada de Dâmocles. Visando esclarecer, cita-se parte da obra da i. Professora Karina Pinheiro de Castro2:

Pelo art, 187CC/02 supra, a responsabilidade civil do médico pode, também, restar caracterizada pelo abuso de direito. De fato, comete ato ilícito o médico que, ao exercer um direito excede manitestamente os limites da boa-fé, da função social e dos bons costumes. O abuso do direito é um ilícito sem culpa, um fato lícito em sua origem, mas praticado em desconformidade com os limites éticos e morais, razão pela qual torna-se ilegítimo e ilícito em sua finalidade.

Percebe-se que o legislador, a fim de se evitar um colapso face às benesses dos direitos que são assegurados ao legitimado, preocupou-se em impor limites para que esse não o faça de forma desenfreada.

Nesse sentido, cumpre relembrar que a existência da norma regulamentadora dos preceitos éticos que devem se ater os profissionais médicos tem origem legal, contudo, o Código de Ética Médica3 não é lei, mas sim um conjunto de normativas deotonlógicas. E em seu introito:

Subordinado à Constituição Federal e à legislação brasileira, o novo Código reafirma os direitos dos pacientes, a necessidade de informar e proteger a população assistida. Buscou-se um Código justo, pois a medicina deve equilibrar-se entre estar a serviço do paciente, da saúde pública e do bem-estar da sociedade. O imperativo é a harmonização entre os princípios das autonomias do médico e do paciente. Permeando o novo Código, esse é o contrato tácito e implícito de todo ato médico.

E em terras lusitanas, o Código de Deontologia Médica de Portugal4 nos esclarece que:

Um Código Deontológico destinado a médicos é um conjunto de normas de comportamento, cuja prática não só é recomendável como deve servir de orientação nos diferentes aspectos da relação humana que se estabelece no decurso do exercício profissional.

Conclusão

Em que pese a existência de sentença em sede de mandado de segurança (ainda passível de recurso, frise-se) ter decretado nulidade do art. 3º, g, da Resolução CFM 1.974/11, os efeitos da decisão se restringe às partes envolvidas naqueles autos.

Ainda que o fosse com abrangência plena a todos os profissionais médicos, suas publicidades e eventuais processos administrativos, conquanto cassados os efeitos consequentes da violação da vedação elencada no suscitado artigo, outros de forma indireta, manteria a vedação à reprodução de imagens que se torne possível a identificação do paciente, o que viola, inclusive, o sigilo profissional.

Portanto, a partir da leitura de todo o contexto supra, conclui-se que a veiculação, por parte dos médicos, de publicidade que contenham imagens de “antes e depois” de pacientes continua vedada, sendo certo que mesmo que autorizada pelo próprio Conselho Federal de Medicina, ao fazê-lo haveria de impor maiores riscos ao profissional, haja vista a mitigação da responsabilidade subjetiva do médico, além da inequívoca promessa de resultado que se transmite com mensagens que tais.

_______________

1 DANTAS, Eduardo. Direito Médico / Eduardo Dantas – 6 ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo – Editora Juspodivm, 2022. 

2 CASTRO, Karina Pinheiro de. Seguro de responsabilidade civil médica e a relação médico-paciente / Karina Pinheiro de Castro – 2 ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris. 2021 

3 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA. Resolução CFM no 1.931, de 17 de setembro de 2009. (versão de bolso). Brasília 2010. 

4 CÓDIGO DE DEONTOLOGIA MÉDICA DE PORTUGAL. Revista BIOETHIKOS - Centro Universitário São Camilo - 2012;6(4):453-483 

 

Jorge Luiz Dias Alvim
Graduado em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos. Especialista em Direito Civil e Direito Médico, Odontológico e da Saúde (Ext. IPEBJ e Especialista pela FMRP/USP). Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Médico e Odontológico da 14ª Subseção da OAB/MG. Membro da comissão de Direito Médico da Seccional OAB/MG.

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