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Agenda de direitos humanos: O revelar de uma nova política empresarial

A problemática do presente estudo envolve compreender como a agenda de direitos humanos altera a política da empresa.

27/10/2022

INTRODUÇÃO

Recentemente questionamentos sobre o processo de fabricação do produto, a utilização do trabalho infantil; quais os critérios éticos devem nortear a busca por um emprego ou a escolha por se manter em um; o grau de confiabilidade do discurso de uma empresa sobre seu comprometimento ético; o nível de respeito e de promoção da empresa em matéria ambiental, de justiça social e de prosperidade econômica; tornam-se cada vez mais comuns para as partes interessadas na atividade empresarial e nas diretrizes normativas em âmbito internacional e nacional, gerando o desafio atual para as empresas privadas de adoção de agendas de direitos humanos em sua política de gestão.

Identifica-se que a visão da sociedade sobre o papel da empresa tem se alterado significativamente, impactando a postura de governança focada apenas no lucro e na prestação de contas apenas aos sócios ao questionar a postura da empresa com os valores relacionados à terceira dimensão de direitos humanos, como solidariedade, transparência nas relações de consumo, políticas de proteção ao meio ambiente e temas voltados ao bem-estar comum, atingindo inclusive a filantropia com caráter de marketing institucional.

O sistema global de proteção dos direitos humanos em consonância com essa mudança de visão e valores emitiu diretrizes às empresas privadas para o respeito aos direitos humanos em suas atividades, sendo que em 2011 foram adotados os Princípios de Ruggie, relativos às boas práticas empresariais, que influenciaram a Agenda 2030 da ONU, especificamente o ODS n° 8 (trabalho decente e crescimento econômico) e o ODS n° 12 (assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis).

No sistema doméstico brasileiro foram emitidos o decreto Federal 9.571/18 e a resolução 5/20 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos com as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos.

Diante do exposto, a presente pesquisa se justifica pela relevância em se analisar os impactos jurídicos e sociais que a agenda de direitos humanos causa à política da empresa, notadamente em virtude das diretrizes normativas de direitos humanos, identificando-se também as pressões sociais direcionadas às empresas em prol da adoção de uma política que visa estabelecer um papel para a empresa no respeito e promoção dos direitos humanos.

Assim o problema da pesquisa está em compreender como a agenda de direitos humanos altera a política da empresa, sendo objetivo geral analisar a mudança na política empresarial causada pelas diretrizes normativas de direitos humanos, sendo Princípios Orientadores das Nações Unidas e seus reflexos posteriores na positivação no ordenamento jurídico brasileiro, e objetivos específicos identificar as pressões sociais direcionadas às empresas em prol da adoção de uma política de direitos humanos; estudar o movimento jurídico que visa estabelecer um papel para a empresa no respeito e promoção dos direitos humanos; e analisar o impacto na governança corporativa dos fenômenos sociais e jurídicos em prol do compromisso com os direitos humanos.

A metodologia utilizada para a pesquisa é a bibliográfica e documental, sendo descritiva com relação aos seus fins, com enfoque dogmático do Direito, desenvolvida pelo método dedutivo, com aderência à área de concentração em direitos humanos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGD-UFMS), vinculando-se à Linha 02: Direitos Fundamentais, Democracia e Desenvolvimento Sustentável, por estar relacionado à temática dos direitos humanos fundamentais e desenvolvimento sustentável no contexto nacional.

1. EXIGÊNCIA DOS STAKEHOLDERS COMO AÇÃO POSITIVA PARA UMA GESTÃO RESPONSÁVEL

A preocupação com a efetivação, e não apenas a afirmação, dos Direitos Humanos deve ser constante, embora utópica, como definem Silveira e Rocasolano (2010) e o desafios para a efetivação dos direitos humanos, conforme Gouvêa, Gärner e Guerra (2019) fizeram com que essa visão evoluísse substancialmente nos últimos anos, com a extensão da responsabilidade primária a sujeitos não estatais, em concepção de eficácia horizontal para os direitos humanos na ordem internacional. A partir de tal concepção, a responsabilização exclusiva dos estados não seria mais capaz de responder aos problemas que surgem em um contexto político-econômico complexo da sociedade atual.

Com premissa similar, Tavares (2004) afirma que é exigível não apenas do Estado, mas também dos próprios particulares, a implementação positiva dos direitos fundamentais, e não apenas o respeito a eles (pela não-violação – aspecto negativo). No mesmo sentido Ruggie (2008), que ao analisar o contexto de proteção, respeito e reparação dos direitos humanos por atores não estatais, afirmou que todos os atores sociais, estados, empresas e sociedade civil, devem atuar de forma coerente e cumulativa, não existindo solução mágica única para os desalinhamentos institucionais no domínio dos negócios e dos direitos humanos e que essas responsabilidades estão emaranhadas com obrigações do Estado, tornando-se difícil, senão impossível, dizer quem é responsável pelo que na prática.

O surgimento e fortalecimento de um novo paradigma de responsabilidade social empresarial, segundo Sen e Kliksberg (2010) faz com que as ideias predominantes sobre o papel da empresa na sociedade se modifiquem de forma acelerada nos últimos anos, evoluindo da visão preponderante durante décadas, de que a empresa possuía a responsabilidade apenas de geração de lucro e prestação de contas a seus proprietários, com redirecionamento do papel da empresa, em contraponto a imposições trazidas por regras mercadológicas que relativizam ou até negam direitos inerentes ao ser humano (Silveira e Almeida, 2015, p. 370).

A visão de que o objetivo da atividade empresarial seria apenas a maximização de lucros foi destronada pela própria realidade, exigindo que as empresas saíssem do marco do narcisismo, evoluindo para a empresa filantrópica, que igualmente não atendia à função social, para a ruptura paradigmática em relação às visões anteriores, passando às empresas com responsabilidade social empresarial.

Sen e Kliksberg (2010) consideram que muitas empresas acordaram para a responsabilidade corporativa depois de serem surpreendidas por reações e exigências das partes envolvidas na gestão empresarial para questões que elas anteriormente não consideravam como parte de suas responsabilidades empresariais, identificando os stakeholders, em envolvimento de forma interna - incluindo investidores e funcionários, ou externa – consumidores, fornecedores, prestadores de serviços e sociedade civil como propulsores dessas exigências, embora os shareholders, proprietários das empresas, às vezes também atuam como stakeholders (Silva e Moreira, 2020).

Ao reivindicar pela gestão socialmente responsável, o que os stakeholders esperam das empresas é que ao menos tenham as seguintes características: 1) desenvolvam políticas de pessoal que respeitem os direitos dos que fazem parte da empresa e favoreçam seu desenvolvimento; 2) atuem com transparência e boa governança corporativa; 3) sejam éticas com os consumidores; 4) desenvolvam políticas ativas de proteção do meio ambiente; 5) incluam em sua gestão os temas que produzem bem-estar comum e; 6) não pratiquem um código de ética duplo (Sem, Kliksberg, 2010).

Nesse sentido, Miranda e Amaral (2011, p. 29) destacam a diferença entre as empresas que utilizam o modelo anglo-saxão, que buscam a criação de valor para os sócios seja o objetivo central das empresas, e as que se amoldam ao modelo nipo-germânico, que considera a articulação também dos interesses das demais partes interessadas na atividade empresarial, pelo conceito de stakeholders, considerando, além dos acionistas, os impactos gerados sobre os empregados, clientes, credores, fornecedores e comunidade em geral.

Gradativamente o paradigma clássico de que a atividade empresarial seja voltada apenas à busca pelo lucro e prestação de contas aos sócios, tampouco de e que as ações relativas ao fortalecimento dos direitos humanos seja função exclusiva do governo e não das empresas, que por vezes permanecem inertes vem sendo alterado por uma reivindicação ética da sociedade, mas, ao mesmo tempo, a forma para a empresa se reciclar para as demandas do século XXI, onde deverá prestar contas não apenas aos seus proprietários, mas a todos os stakeholders, o que significa seus próprios funcionários, os pequenos investidores, os consumidores, a opinião pública e a sociedade civil em suas diversas representações, que reivindicam das empresas que deem mais atenção à ética e as políticas de responsabilidade social empresarial, fazendo com que sua obrigação de prestação de contas seja na ordem econômica, social e ambiental, que deixa de ser voluntária e passa a ser obrigatória (Sen e Kliksberg, 2010).

Ainda, Silva e Moreira (2020) acrescentam que a criação de programa de compliance, auditorias (due diligence) e até inserção de temas inerentes à proteção aos direitos humanos nos códigos de condutas das empresas, são mecanismos para as empresas se adequarem aos princípios orientadores de direitos humanos (Princípios Ruggie) e normatizações decorrentes dos mesmos, sendo instrumentos hábeis a fornecer modelo para as empresas de como respeitar os direitos humanos e demonstrarem para as partes interessadas, que estão respeitando tais direitos.

Na mesma linha, Silveira e Almeida (2015, p. 363) afirmam que há outros instrumentos a serem viabilizados, como premiações às empresas que comprovem a políticas de prevenção e promoção aos direitos humanos, por meio de auditorias (due diligence), assumindo compromisso quanto às responsabilidades dos princípios orientadores, sendo tal compromisso incorporado na governança corporativa, para vincular seus administradores e empregados.

Enquanto os governos definem a conformidade legal, o amplo escopo da responsabilidade de respeitar é definido pelas expectativas sociais - como parte do que às vezes é chamado de licença social da empresa para operar, assim cidadãos ativos, acionistas indignados, trabalhadores que buscam pertencimento e identificação com os valores da empresa, bem como consumidores responsáveis, estão alavancando as mudanças de paradigma em matéria de gestão responsável, tornando maiores as influências e pressões das partes envolvidas no processo empresarial.

2. DIRETRIZES JURÍDICAS PARA UMA NOVA POLÍTICA EMPRESARIAL

O respeito aos direitos humanos pelas empresas decorre da eficácia horizontal desses direitos, ante o reconhecimento de que incidem não somente nas relações entre o Estado e o indivíduo (eficácia vertical), mas também nas relações entre particulares; e da dimensão objetiva dos direitos humanos, que são compreendidos como um conjunto de valores que conformam a atuação do Estado, o qual deve agir para promover um respeito a esses direitos contra violações dos agentes públicos ou de particulares (Ramos, 2018).

No plano internacional, conforme contextualizado por Silveira e Almeida (2015), desde o relatório de desenvolvimento humano global do ano de 2000 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, vem sendo destacada atenção especial à contribuição dos atores não estatais na proteção dos direitos fundamentais, na sociedade globalizada, com a conclusão de que, nesse panorama, as empresas e associações privadas, passaram a ter maior impacto sobre a vida das pessoas e, portanto, o modelo de responsabilidade centrado no Estado deve ser ampliado para alcançar esses novos atores.

Em março de 2011, John Ruggie foi designado pelo Secretário-Geral da ONU como representante especial na temática dos direitos humanos e empresas, o que se justificou em razão do tema apresentar controvérsias entre os que defendiam a expansão da interpretação das normas de direitos humanos para alcançar de maneira direta as empresas e aqueles que defendiam uma “colaboração” com as empresas, para a consolidação de uma “cidadania corporativa” mundial (Ramos, 2018).

Como resultado dos trabalhos desenvolvidos, Ruggie apresentou um relatório final, acompanhado de princípios orientadores relativos às boas práticas empresariais, adotado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU por meio da Resolução 17/4 e contendo 31 Princípios que representam contemporâneo instrumento internacional de direitos humanos (soft law) e cujos pilares se agrupam nas categorias de “proteger”, “respeitar” e “reparar”: I. Dever do Estado de proteger os direitos humanos (princípios 1 a 10); II. Responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos (princípios 11 a 24); III. Acesso a mecanismos de reparação (princípio 25 a 31).

Ramos (2018) expõe que a essência dos Princípios Orientadores é distribuir a responsabilidade pela proteção dos direitos humanos nas atividades empresariais entre os Estados e as empresas, constituindo-se soft law com finalidade de orientar a interpretação das normas nacionais e internacionais, bem como espelhar costume internacional.

Ruggie (2008) já esclarecia que a estrutura se baseia em responsabilidades diferenciadas, mas complementares, compreendendo três princípios básicos: o dever do Estado de proteger contra abusos dos direitos humanos por terceiros, incluindo empresas; a responsabilidade corporativa de respeitar os direitos humanos; e a necessidade de um acesso mais eficaz a soluções.

Para Ruggie (2008), cada categoria é um componente essencial da estrutura: o dever do Estado de proteger porque está no cerne do regime internacional de direitos humanos; a responsabilidade corporativa de respeitar por ser a expectativa básica que a sociedade tem dos negócios; e acesso à reparação, porque mesmo os esforços mais combinados não podem evitar todos os abusos. As três categorias formam um todo complementar em que cada um apoia os outros na obtenção de um progresso sustentável. A estrutura de “proteger, respeitar e reparar” pode ajudar todos os atores sociais - governos, empresas e sociedade civil - a reduzir as consequências adversas desses desalinhamentos para os direitos humanos.

Para Ramos (2018) apesar da relevância dos Princípios de Ruggie, percebe-se uma fragilidade na sua implementação por não se tratar de norma internacional vinculante, de modo que muitas vezes são utilizados de forma retórica por parte das empresas, inclusive com uso publicitário.

Na linha dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em 2018 houve inserção no ordenamento jurídico brasileiro do Decreto n. 9.571 que estabelece diretrizes nacionais sobre empresas e direitos humanos, que serão implementadas voluntariamente pelas empresas, trazendo benefícios reputacionais conforme Silva e Moreira (2010), pelo fato de não prever qualquer tipo de punição ou fomento para empresas que respeitem os direitos humanos e normas do Decreto. 

Relativizando a natureza voluntária das diretrizes nacionais sobre direitos humanos e empresas, Netto Junior, Weichert e Nunes (2019) concluem que o caráter vinculante das empresas quanto ao respeito aos direitos humanos não advém de tais marcos voluntários, mas também de outras normas cogentes, de forma que jamais pode ocorrer redução de obrigações que abranjam o respeito aos direitos humanos, cuja proteção tem matriz na Constituição e em tratados internacionais sobre direitos humanos.

Em outras palavras, apenas seriam voluntárias as questões trazidas nos marcos sobre direitos humanos e empresas, que não estejam também previstas em outras normas de força cogente.

Recentemente as diretrizes nacionais sobre direitos humanos e empresas foram reforçadas, com a publicação, em 12 de março de 2020, pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, da Resolução n. 5, que dispõe sobre os parâmetros para uma política pública voltada à matéria, tendo por base as disposições constitucionais, o ODS 8 da Agenda 2030, os Princípios de Ruggie, entre outras diretrizes nacionais e internacionais.

A Resolução CNDH 5/20 igualmente de natureza voluntária, estabelece obrigações do Estado, quanto à proteção dos direitos humanos, e das empresas, quanto ao respeito, além de mecanismos de reparação, prevendo que os direitos humanos são universais, indivisíveis, inalienáveis e interdependentes e o Estado tem o dever de assegurar os instrumentos para sua aplicação. Os direitos humanos devem ter supremacia sobre quaisquer acordos de natureza econômica, especialmente os instrumentos jurídicos de comércio e investimento.

Tem-se então que o caráter voluntário dos marcos normativos contemporâneos sobre direitos humanos e empresas não fazem frente às atuais reivindicações da sociedade e das partes interessadas no processo empresarial, sendo que tais exigências sociais acabam por fortalecer tais lacunas da voluntariedade das normas específicas e minimizar a possibilidade de interpretação pela redução das obrigações das empresas privadas perante as agendas sociais, estimulando o estabelecimento de uma gestão socialmente responsável.

3. IMPACTO DA POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS NA GOVERNANÇA DA EMPRESA

O olhar para o papel da empresa na sociedade vem se acelerando nas últimas décadas e especialmente sob pressão e influência da reivindicação ética e do processo de democratização vivido pela sociedade civil, que vem se apresentando de forma articulada e participativa, surpreendendo os gestores das empresas privadas com reações e questões que anteriormente não eram expectativas para a responsabilidade empresarial.

Ruggie (2008) afirma que as empresas em todo o mundo cada vez mais afirmam que respeitam os direitos humanos, o que significa, essencialmente, não infringir os direitos de terceiros. Como as empresas podem afetar praticamente todos os direitos reconhecidos internacionalmente, elas devem considerar a responsabilidade de respeitar em relação a todos esses direitos, embora alguns possam exigir maior atenção em contextos específicos.

Uma gestão empresarial sem valores éticos, nesse contexto, pode representar altíssimos riscos, devendo a governança estar baseada em valores éticos como razoabilidade, humanidade, justiça, generosidade e espírito público.

Como traz Laville (2009) o essencial se encontra na capacidade de as empresas integrarem à sua política empresarial considerações mais além do aspecto financeiro, redefinindo por completo sua produção, a fim de torna-la compatível com o funcionamento dos ecossistemas, encontrar soluções para hábitos de consumo não sustentáveis, utilizar seus recursos e sua eficiência para resolver problemas importantes desse tempo – da perda da biodiversidade à pobreza, passando pela mudança climática e pelas violações dos direitos humanos.

Ruggie (2008) explica que para as empresas saberem que respeitam os direitos humanos, é relevante implementar sistemas que permitam apoiar certo grau de confiança, como duo diligence, processo pelo qual as empresas não apenas garantem o cumprimento das leis, mas também gerenciam o risco de dano aos direitos humanos com o objetivo de evitá-lo. O escopo da duo diligence relacionada aos direitos humanos é determinado pelo contexto no qual uma empresa está operando, suas atividades e as relações associadas a essas atividades.

Nesse contexto são relevantes os relatórios de desenvolvimento sustentável, códigos voluntários de condutas que apresentam indicadores de desempenho a que as empresas podem recorrer.

Laville (2009) aborda as diretrizes trazidas pelo Global Reporting Initiative (GRI), que se mostra sintonizado aos desafios do desenvolvimento sustentável e apresenta o conteúdo de um relatório de desenvolvimento sustentável a ser observado por empresas privadas: a) comprometimento do presidente com o conteúdo do relatório, os objetivos futuros, a postura de desenvolvimento sustentável e seu sentido para a empresa; b) indicadores-chave de desempenho ligados aos principais impactos sociais e ambientais dos produtos e das atividades da empresa; c) perfil da empresa, sua atividade, seus produtos ou serviços, suas recentes evoluções, seu desempenho financeiro; d) descrição das políticas e dos sistemas de gestão implementados para atingir os objetivos sociais e ambientais, com declaração da missão, códigos de condutas, certificações; e) relacionamento com as partes interessadas, métodos para consultar os stakeholders e os resultados dessas consultas; f) desempenho da empresa, como multas e premiações; g) desempenho operacional em relação aos três pilares do desenvolvimento sustentável (ambiental, social e econômico); h) desempenho dos produtos ou serviços, medida dos impactos sociais e ambientais e descrição dos esforços para mitigar esses impactos e; i) revisão geral da estratégia de desenvolvimento sustentável.

Os dados da Global Reporting Iniciative (GRI) apontam um crescimento do uso de relatórios de sustentabilidade com base no GRI pelas empresas brasileiras, mas ainda representa uso pequeno quando comparado com a quantidade de empresas existentes, fazendo com que ainda persista o discurso empresarial de governança voltada para a sustentabilidade, todavia sem evidências materiais, ante a ausência de publicação de relatório (GRI, 2021).

Para a Global Reporting Initiative (GRI), a economia global sustentável levará as organizações a medir seus desempenhos e impactos econômicos, ambientais, sociais de maneira responsável e transparente, para que haja e?cácia nas relações com os stakeholders, nas decisões sobre investimento e em outras relações do mercado. A missão da GRI é satisfazer a necessidade, oferecendo uma estrutura con?ável para a elaboração de relatórios sustentabilidade (Almeida, Nascimento Junior, Costa, 2017).

Essa evolução das exigibilidades no relatório promove um alinhamento a realidade e evolução sob o aspecto de sustentabilidade que deve permear a gestão das empresas, sempre na busca do desenvolvimento de diretrizes mais consistentes e con?áveis.

Para Miranda e Amaral (2011), o entendimento dos canais pelos quais as ações sociais criam valor para a corporação resulta em maiores impactos econômicos e sociais. Portanto, o sucesso da gestão responsável como estratégia de criação de valor vai depender da habilidade dos gestores em selecionar ações mais efetivas.

Segundo Porter (apud Miranda, Amaral, 2010), o contexto competitivo é modelado a partir de quatro atributos que possuem relação de dependência e modelam o potencial de competitividade, sendo que a análise dos mesmos torna possível identificar as áreas nas quais há sobreposição de interesses econômicos e sociais, gerando ganhos competitivos nos investimentos sociais da empresa. Assim, tem-se que as empresas privadas que implementam gestão responsável, assumindo compromissos com as agendas relevantes para a sociedade na qual está inserida, percebem ganhos individuais e econômicos que outras empresas, inseridas no mesmo contexto competitivo, não usufruem.

Ruggie (2008) considera útil para as empresas, para fins de orientação operacional, mapear quais direitos tendem a afetar com mais frequência em determinados setores ou situações, compreendendo como os direitos humanos se relacionam com suas funções de gestão - por exemplo, recursos humanos, segurança de ativos e pessoal, cadeias de suprimento e engajamento da comunidade. Práticas que há muito pouco tempo eram ainda vistas como alternativas ou militantes estão na mira dos legisladores nos últimos anos e para as próximas décadas. Além do cumprimento das leis nacionais, a responsabilidade básica das empresas é respeitar os direitos humanos. O não cumprimento dessa responsabilidade pode sujeitar as empresas aos tribunais da opinião pública - abrangendo funcionários, comunidades, consumidores, sociedade civil, bem como investidores - e, ocasionalmente, a acusações em tribunais reais.

CONCLUSÃO

Nos últimos anos, passou-se a considerar que a atuação das empresas deve ser pautada em uma gestão socialmente responsável, prestando contas não apenas perante seus proprietários, mas também aos demais interessados, no âmbito da teoria dos stakeholders, cuja influência e pressão levam em conta em seus processos de escolha os níveis de sua responsabilidade social e comprometimento em relação às agendas sociais e ambientais, demonstram que a gestão socialmente responsável representará evolução da governança, diferencial competitivo e melhor performance econômica, vinculando as empresas privadas na atuação para fortalecimento dos direitos humanos.

A partir da voluntariedade dos atuais marcos normativos específicos sobre direitos humanos e empresas, torna relevante a atuação dos stakeholders como atores de reivindicações para que as empresas deem mais atenção às questões éticas e de responsabilidade social, com a implementação de uma gestão socialmente responsável.

Em outras palavras, a emergência das práticas responsáveis e exigência social de prestação de contas à sociedade, pela atividade empresarial, complementa a atual lacuna de vinculação existente no ordenamento jurídico brasileiro, estimulando que os gestores se questionem qual o papel da empresa na sociedade, assumindo responsabilidades em matéria de direitos humanos, como liberdade e dignidade dos trabalhadores, agendas sociais, meio ambiente ética e corrupção.

No âmbito jurídico já se identifica aparato legal para essa nova atuação das empresas, tanto no âmbito do sistema global de direitos humanos, com os Princípios Orientadores das Nações Unidas e Agenda 2030, quanto no âmbito nacional, com o decreto 9.571/18 e a resolução 5/20 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

Os atuais marcos normativos do sistema jurídico brasileiro sobre direitos humanos e empresas, decreto 9.571/98 e Resolução CNDH n. 5/20 seguem os preceitos de voluntariedade e não vinculação dos Princípios Ruggie, o que ainda é incipiente, mas já se apresenta como um indicativo de mudanças para as empresas em complementariedade a obrigações sociais, ambientais e econômicas já existentes.

Nem todas as empresas são exemplares e não pretendem sê-lo. Seu engajamento a uma política empresarial voltada às agendas de direitos humanos não é um dom, mas uma conquista diária, um caminho de progresso do qual suas práticas e fracassos serão testemunho. A adoção de tal política parece ter deixado de ser uma abordagem alternativa para se tornar uma passagem obrigatória, com foco na evolução constante das diretrizes jurídicas nesse sentido e ao reconhecimento público e visibilidade do desenvolvimento sustentável.

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Caroline Mendes
Advogada, sócia do Santi Mendes Advocacia de Famílias e Negócios. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

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