O dever do Estado e seus agentes de proteger com absoluta prioridade as crianças e adolescentes, inclusive para deixá-las a salvo de qualquer tipo de abuso ou exploração, é tratado de maneira veemente e basilar em nossa Constituição da República (artigo 227).
Não por acaso, toda a legislação infraconstitucional segue nessa linha de proteção absoluta, com destaque para o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90).
Essa prioridade absoluta mais se justifica na medida em que o Brasil, infelizmente, segue com um dos piores indicadores mundiais quanto à exploração sexual de suas crianças e adolescentes.
Ante a necessidade de minimizar esse quadro de abusos e degradação civilizatória, nosso ordenamento penal também não ficou alheio.
O Código Penal brasileiro (CPB) vigente veio sendo redesenhado para maior eficácia protetiva aos vulneráveis, em especial, crianças e adolescentes.
Alterado pela lei 12.015/09, a redação atual do Artigo 218-B do CPB estabelece penas altas, de 4 a 10 anos de reclusão, a crimes relacionados a favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente. A essas penas não se submetem tão somente aqueles que de algum modo exploram sexualmente os menores de 18 anos (por exemplo, os aliciadores ou cafetões que mantêm menores em regime de prostituição). Às mesmíssimas penas estará sujeito aquele que pratica sexo ou ato libidinoso com crianças e adolescentes que estejam nesse contexto de vulnerabilidade e exploração sexual (§2°, inc. I, do mesmo artigo).
E não é um crime qualquer. A legislação estabelece tratar-se de crime hediondo, com todos os gravosos reflexos jurídicos inerentes a delitos dessa natureza.
Em bom português: o agente imputável (maior de idade) que busca sexo ou atos libidinosos com menores de 18 anos em estado de exploração sexual pratica um crime de natureza hedionda.
O ordenamento jurídico-constitucional exige do agente público que detecta quadro de exploração sexual infanto-juvenil – desde o mais humilde até o gestor público máximo (que, claro, deve dar o exemplo) – a tomada imediata de providência junto aos órgãos públicos atribuídos para fazer cessar, o quanto antes, a situação de abuso e de risco a que submetidos os vulneráveis.
Numa situação dessas, ao se deparar o agente com adolescentes em contexto de exploração sexual, nada poderia ser mais execrável do que uma pulsão pedófila (“pintar um clima”), reflexo abominável da “normalização” de uma situação abusiva em que se veem submetidas vítimas vulneráveis. Ainda mais se esse tipo de reação vier por parte de quem, antes de qualquer outro, tem o dever prioritário de proteger aquelas mesmas pessoas vulneráveis, até porque jurou solenemente obedecer à Constituição. Pouco importa se as vítimas não são filhas de alguma casta de cidadãos, nem mesmo se não são “filhas do Brasil”; crianças e adolescentes imigrantes também fazem jus à mesmíssima proteção integral preceituada pela Constituição brasileira.
Dado esse contexto criminógeno, ainda que não consumado o crime estritamente sexual em determinado evento, a conduta cogitada é objetivamente inaceitável para qualquer padrão comportamental, no mínimo por negligência e prevaricação, em se tratando de autoridade pública. Isso, por mais pervertido que seja subjetivamente o agente, mesmo aquele dado a buscar que “pintem climas” nos locais em que menores são prostituídas ou exploradas.
“Comer gente” em apartamento funcional e a prática do necro-canibalismo não se comparam à degradação moral que se extrai da normalização da exploração sexual de crianças e adolescentes. É simplesmente hediondo.
Pintou um crime?