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Constituição, constitucionalidade e democracia

O Estado brasileiro, estabelecido no âmbito do tecido constitucional, não pode jamais desviar-se dos princípios democráticos.

8/10/2022

Há 34 anos, quando da promulgação do vigente texto constitucional, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, propugnou que a era Carta certamente imperfeita, ela própria confessando tal condição, posto que admitia a reforma. Poderíamos todos, sugeriu ele, discordar e divergir dela, jamais descumpri-la ou afrontá-la.

O texto em vigor, que assegura há quase três décadas e meia o Estado de Direito em nosso país, cuida ele também de afastar os riscos à democracia, ao assentar-se em princípios fundamentais ou pétreos de respeito à ordem institucionalmente estabelecida. Não se poderá caminhar rumo às trevas do autoritarismo institucionalizado se não pelo que pela traição à Constituição, que representa uma traição à Pátria, lançando-a no limbo da ausência do direito pleno e da cidadania exercível no âmbito da trama constitucional.

Temos, felizmente, esse tecido a nos ser o pano garantidor do próprio Estado de Direito. Estão ao longo de todo o texto constitucional os dispositivos que asseguram o pleno exercício democrático e a cidadania, bem assim os meios para que se punam àqueles que atentem contra o que prescreve a Constituição, que se guia pelo princípio de que a vontade da maioria deve prevalecer e ser respeitada.

É pertinente lembrar que a força da Constituição como o maior e mais importante balizador de nosso Estado de Direito assenta-se sobre a imutabilidade de muitos princípios constitucionais, assegurados em cláusulas pétreas, somente revogáveis ou reformáveis por meio de uma nova Assembleia Constituinte, a quem se atribuiria o mister de fazer uma nova Carta.

Observem-se que tais princípios – ao longo de toda a Carta – serão bússolas para que o país, de modo permanente, guie-se pelos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, pelo estrito respeito e garantias de liberdades individuais e a tripartição harmônica dos Poderes da República – regra que se aplica a demais entes da Federação.

O Estado brasileiro, estabelecido no âmbito do tecido constitucional, não pode jamais desviar-se dos princípios democráticos, posto que o Art. 3º da Carta de modo literal e sem espaço para dúvidas nos mostra que os objetivos fundamentais da República são o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, para que assim se erradique a pobreza e a marginalização, se reduzam as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esse Estado assentado em princípios norteadores amplos e que fazem maior o horizonte democrático não se pode constituir senão por meio da soberania popular exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, de acordo com o que prescreve Art. 14 da Carta, o que corrobora o disposto antes, no Art. 5º, estabelecendo que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A força da Constituição, portanto, encontra-se nela própria, assim como os remédios contra atos atentatórios ao Estado de Direito acham-se prescritos no tecido constitucional – como na irrevogabilidade das causas pétreas, que são a base das garantias às liberdades previstas na Carta, cuja defesa é dever supremo de todos nós, afinal, conforme disse Noberto Bobbio, sem os direitos da cidadania reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia, em cuja ausência desaparecem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos que surgem entre os indivíduos, entre grupos e entre as grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendencialmente autocráticos que são os Estados.

Álvaro Fernando da Rocha Mota
Advogado. Procurador do Estado. Ex-Presidente da OAB/PI. Mestre em Direito pela UFPE. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses. Presidente do CESA/PI.

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