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A Lei 14.223/06 do Município de São Paulo e a violação aos princípios

No próximo dia 31 a Lei Municipal 14.223/06 produzirá todos seus efeitos na maior capital do país.

3/4/2007


A Lei 14.223/06 do Município de São Paulo e a violação aos princípios de Direito Urbanístico

Georges Louis Hage Humbert*

No último dia 31 de março, entrou em vigor a Lei Municipal 14.223/06 (clique aqui) produzindo todos seus efeitos na maior capital do país.

Após gerar grandes debates, uma enxurrada de ações contestando o seu conteúdo e de ter parte de sua aplicabilidade postergada por decreto do Poder Executivo, a polêmica Lei, que regulamenta a questão dos anúncios publicitários e indicativos no Município de São Paulo, passará a ter todos os seus dispositivos aplicados.

Em apertada síntese, sob o fundamento de estar promovendo a tutela, ordenação e preservação do meio ambiente urbano, visando o bem estar comum, no suposto exercício das competências Municipais predispostas no art. 30 da Constituição (clique aqui), referida norma vedou a veiculação na cidade de anúncios publicitários em locais visíveis a partir de logradouro público, limitando-os ao mobiliário urbano e impôs severas restrições aos anúncios indicativos.

Não podemos deixar de destacar a louvável iniciativa do Poder Público.

Com efeito, a tutela, preservação e ordenação do meio ambiente urbano se faz necessária, especialmente nas grandes metrópoles, onde a poluição visual é inconteste e destrói a beleza, o bem estar, o patrimônio histórico-cultural, prejudicando a identificação da urbe e os citadinos.

Outrossim, indubitável, ainda, que, apesar de elogiáveis os fins precípuos, o mesmo não se pode dizer acerca da forma e conteúdo da Lei publicada no final do ano passado.

Isto porque, consoante já diagnosticado por diversos estudiosos que se dedicaram ao tema, a multicitada regra padece do vício dainconstitucionalidade, pois viola o princípio constitucional da livre iniciativa, que norteia a ordem econômica, além dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que regem toda a atividade da Administração Pública.

Com efeito, estes foram os vícios que, de logo, despertaram a atenção de grandes juristas e justa revolta daqueles direta ou indiretamente atingidos/prejudicados pelo novel diploma legal.

Todavia, o que pretendemos nestas breves linhas não é apenas corroborar com a procedência das citadas teses, já exaustivamente debatidas – inclusive na esfera judicial. Definitivamente não.

O que faremos é - ainda que tardiamente - chamar a atenção para outra violação, da “Lei cidade limpa”, à Constituição.

Tratando-se de matéria pertinente ao Direito Urbanístico, a Lei 14.223/06 deveria estar em consonância ao seu regime jurídico, principalmente no que se refere aos seus princípios constitucionais informadores - normas basilares, alicerces do sistema.

Ocorre que, ao ser editada, a Lei 14.223/06 descumpriu diretamente o quanto prescreve o princípio do planejamento e ignorou o princípio da função social da cidade, insertos no art. 182 e seguintes da Constituição e no art. 2º do Estatuto da Cidade.

Sobre o planejamento, Carlos Ari Sundfeld assevera ser pressuposto da ordem urbanística.1 É princípio instrumental inserto no art. 2º, IV do E.C. Mais que isso: é o pilar imprescindível à adequada e racional concretização da Política Urbana (confira-se o art. 182 da C.F).

Os Planos Urbanísticos “constituem o conjunto de normas e atos operativos que caracterizam aquele princípio da coesão dinâmica ou coesão dialética que dá essência às normas urbanísticas...”. Ou seja, “não constitui simples conjunto de relatórios mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico.” 2 Adquire características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, funcionando como diretriz, mas também se manifestando concretamente.

Na Constituição Cidadã, e mais recentemente, com o advento do Estatuto da Cidade, o planejamento evidencia-se como princípio jurídico de Direito Urbanístico e o plano diretor instrumento básico da política urbana. Esta tem como propósito a efetivação dos princípios da função social da propriedade e da função social da cidade, em prol da ordenação e pleno desenvolvimento da urbe, garantindo-se, destarte, o bem estar social da comunidade.

Pelo referido princípio impõe-se que as normas, instrumentos e a atividade urbanística não se dêem de forma aleatória, mas ordenada, planejada, para que a cada zona, localidade e área urbana seja assegurado tratamento específico, guardando pertinência às suas reais necessidades, destacando-se sempre os diversos aspectos da vida na cidade: a moradia, produção industrial, lazer, circulação, trabalho, administração, gestão democrática, entre outros.

Todavia, a despeito de sua importância, a norma ora questionada foi editada sem qualquer menção ou referência ao Plano Diretor da Cidade de São Paulo. Foi elaborada de forma aleatória, desvencilhada de qualquer planejamento, violando este importante princípio de Direito Urbanístico.

Noutro passo, pelo princípio da função social da cidade - o qual encontra previsão expressa no art. 182 da Constituição e no art. 2º do Estatuto da Cidade - têm-se que o fim precípuo da atividade urbanística deve ser o bem estar social nas urbes. Obriga que toda a atividade urbanística busque a promoção do pleno acesso à moradia, circulação, lazer e trabalho.

E, ao proibir de forma absoluta a colocação de anúncios publicitários na cidade, pelo menos uma destas básicas funções sociais da cidade tuteladas pelo referido princípio foi claramente desprestigiada pela norma em debate, pois que desconsiderou o desemprego daqueles que militam nesta área, deixando de lado qualquer estudo, proposta ou alternativa sobre esta importante questão3.

Ora, considerando que (i) a questionada norma não foi objeto de qualquer estudo ou planejamento prévio e sequer apresentou qualquer ligação/menção ao plano diretor da Cidade de São Paulo e (ii) que a extirpação completa dos anúncios publicitários ocasionará desemprego em grandes proporções, forçoso concluir estarmos diante de uma Lei inconstitucional, porque desrespeita os princípios constitucionais de Direito Urbanístico da função social da cidade e do planejamento.

Portanto, esta é mais uma insuperável razão pela qual a Lei 14.233/06 não pode permanecer no ordenamento.

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1 SUNDFELD, Carlos Ari. In DALLARI e FERRAZ, Adilso de Abreu e Sérgio. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 56.

2 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 95-97.

3 Uma das conseqüências imediatas da Lei 14.233 é o desemprego de cerca de 20.000 (vinte mil) trabalhadores. Fonte: ABA – Associação Brasileira de Anunciantes e portal terra notícias.

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*Advogado do escritório Biazzo Simon Advogados.









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