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Cibercriminalidade e crimes informáticos: uma aproximação entre a legislação italiana e brasileira

O presente artigo busca, em estudo comparativo, identificar e analisar a evolução da legislação italiana e brasileira sobre crimes de informática e cibercriminalidade, suas fontes, formas e abrangência.

5/10/2022

1. Introdução 

A cibercriminalidade é uma realidade relativamente recente, decorrência da globalização, do aumento exponencial do uso da informática, da evolução das linguagens de programação e do fluxo de dados realizado através da rede mundial de computadores: a internet.1

Conforme esclarece a Comissão sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal da Organização das Nações Unidas, a criminalidade é influenciada pela globalização e todo o processo que facilita o comércio e a integração entre os povos também implica mudanças radicais nas dinâmicas dos crimes e da violência, pois “as tecnologias que possibilitam melhorias substantivas nas vidas das pessoas também são utilizadas por aqueles que burlam as leis, cometem crimes e desafiam a justiça.2

A utilização massiva de dispositivos como computadores, tablets e smartphones que processam e armazenam dados, juntamente com a difusão e a democratização do acesso à internet, permitiu que pessoas mal-intencionadas passassem a utilizar as ferramentas da informática e o acesso à rede mundial de computadores para se aproveitar, de diversas formas, do despreparo e do desconhecimento da imensa maioria dos usuários e obter algum tipo de proveito indevido através do acesso furtivo às informações de usuários, dados financeiros, fotografias e vídeos armazenados ou compartilhados.

Os dispositivos de informática e seus diversos aplicativos de comunicação passaram a ser utilizados, largamente, como instrumentos na prática de crimes tradicionais como estelionato, ameaça, furto, difamação, incitação, racismo etc. 

Além da utilização dos dispositivos de informática e internet para pratica de crimes comuns, os denominados crimes de informática também evoluíram em gravidade e consequência. Se no início deste século a preocupação residia em atos de pedofilia compartilhados pela internet e no acesso indevido a dados pessoais por spywares ou malwares encaminhados por e-mails ou outro tipo de mensagem eletrônica, atualmente, o aumento do número de casos de ransomware, ou extorsão informática, assusta as corporações3 e os governos ao redor do globo terrestre.4

Essas ações perniciosas, mesmo antes da criação de leis específicas, passaram a ser chamadas de “delitos informáticos” ou “cibercrimes”, expressões que restaram publicamente consagradas.5

Nos últimos anos, especialmente em decorrência do isolamento físico imposto pela Pandemia da Covid-19, aumentou a ação de pessoas especializadas (ou nem tanto) que buscam angariar, indevidamente, algum tipo de vantagem ou mesmo satisfação sexual, utilizando seus computadores ou smartphones no conforto de suas casas ou em qualquer outro local provido de acesso à internet.6

Esta realidade está impondo uma nova orientação e interpretação da legislação penal. Os delitos de informática ou cibercrimes, consequência do mundo contemporâneo, diferem daqueles de outrora. O iter criminis com delimitação temporal e espacial restou ultrapassado. Os estudiosos ainda procuram estabelecer parâmetros hermenêuticos para esta forma de criminalidade e a ciência jurídica, sempre a reboque da realidade, adequa-se para fazer frente a este novo fenômeno. 

Como esclarece Spencer Sydow:8

O Direito Penal e o Direito Processual Penal sofreram e sofrem impactos fortes e diretos da informática diuturnamente, porém ainda sem a devida adequação da dogmática tradicional, existindo espaço até mesmo para princípios basilares serem repensados. A tecnologia modifica a forma com que enxergamos a teoria da ciência criminal posto que transforma conceitos de dentro para fora. A imaterialidade torna-se circunstância padrão, assim como a criptografia e a anonimidade; a existência de dispositivos eletrônicos afasta fisicamente o agente da conduta, gerando uma sensação de distância e de prática indireta.

À guisa de conceito, os cibercrimes compreendem as condutas descritas e punidas com sanção penal previstas legalmente que: i) acarretem prejuízo nos equipamentos ou sistemas de informática, ii) que permitam o acesso clandestino a dados armazenados em dispositivos de informática diretamente ou com a utilização da internet e iii) condutas criminosas que se valem de equipamentos de informática ou da internet como instrumento ou meio para sua execução, embora, nesta última hipótese, o crime pudesse ser praticado de forma diversa.7

Neste sentido, os cibercrimes e crimes de informática podem ser classificados como puros ou próprios quando buscarem prejudicar os sistemas de informática de pessoas físicas ou de empresas. Os chamados delitos de “risco informático” integram esta categoria, pois objetivam o acesso indevido aos dados armazenados ou digitados em equipamentos de informática, o acesso a dados armazenados em discos rígidos ou em “nuvens”, diretamente ou utilizando a disseminação de “vírus” (spyware, malware) com o consequente prejuízo ao funcionamento de sistemas de informática.8 Os crimes mistos, impuros ou impróprios seriam as condutas sujeitas a pena criminal que utilizam os equipamentos de informática e internet durante o iter criminis, nos atos preparatórios ou como meio de execução em crimes cujos objetos jurídicos não possuam relação com sistema informático ou internet. Assim, atualmente é comum a utilização de aplicativos de mídias sociais com troca de mensagens e dados para prática de crimes que podemos considerar “tradicionais”, como os crimes de furto e estelionato, contra a honra, sexuais, incitação e apologia, racismo e até mesmo crimes contra a vida, como o induzimento ou incitação ao suicídio. 

Numa rápida distinção, os cibercrimes e crimes de informática puros ou próprios somente podem ser cometidos por meio de recursos tecnológicos e afetam principalmente os dispositivos informáticos e os sistemas de informação ou telemático; enquanto os impuros ou impróprios se utilizam da informática como um modus operandi delitivo, porém podem ser praticados por outros meios.9

Diante do aumento exponencial desses tipos de crimes, os países não puderam permanecer inertes e engendraram alterações no plano legislativo, tanto no direito privado quanto no direito público, em especial no direito penal, com adaptações e inovações referentes ao novo fenômeno.

Fernando Brandini Barbagalo
Juiz de Direito (TJ/DF) e professor universitário. Foi juiz instrutor no STF entre 2018 e 2020.

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